Grande Sertão, grandes Chefes

Depois de mais de 50 anos lendo e relendo Guimarães Rosa, em particular este Livro dos Livros que é Grande Sertão: Veredas, ainda me encanto, não só com a forma e o estilo, mas também com a sabedoria que ali se carrega, por exemplo, a respeito de ser, estar e conviver no mundo; de ajudar a compreender as lições que isso nos traz; de saber ir atrás do quem das coisas; ou saber fazer novas perguntas sobre a condição humana, conforme expressões do próprio JGR. Foi assim que me dei ao trabalho de procurar neste sempre encantador e surpreendente GSV, precioso manancial de ideias e reflexões sobre a vida vivida, algo fundamental na vida de hoje – e de sempre: os desafios da liderança. Se formos aos manuais clássicos veremos que isso implica, entre outras coisas, em capacidade de comunicação; relacionamento com os comandados; consciência de se estar em equipe; transparência e sinceridade; capacidade de ouvir e saber se pronunciar em horas certas – coisas assim. E mais: ser um personagem inspirador – este talvez seja o atributo mais significativo. Mas não é que no Sertão do Rosa encontrei elementos a ampliar e fazer pensar sobre tal conceito? Sim! Refiro-me às características pessoais de três personagens fundamentais na obra, os chefes Medeiro Vaz, Joca Ramiro e Zé Bebelo. É claro que ser chefe e ser líder são coisas distintas, como nos ensinam os manuais, mas isso veremos mais adiante.

Para os não iniciados, esclareço. Em ordem de aparição no livro (não totalmente cronológica), o primeiro a aparecer é Medeiro Vaz, que não é um chefe de jagunços típico. Ele surge para vingar a morte de seu amigo e compadre Joca Ramiro, este sim, um capo di tutti capi. Zé Bebelo que vem depois, é um quixote iluminista que quer reformar o mundo, inclusive livrando-o de coronéis e asseclas, mas que acaba se inserindo no mundo destes últimos, que de simples inimigos passam a aliados, a partir de certo ponto da narrativa. E mais não direi para não dar spoiler a quem ainda não conhece a obra. Há também Riobaldo, o narrador, que acaba chefe – e com todas as honras – mas que por motivos que diversos, particularmente as controvérsias que ele mesmo coloca sobre sua atuação, não fará parte das presentes reflexões.     

A seguinte menção textual situa estes três personagens, inclusive em função daquilo que pretendo demonstrar aqui, ou seja, a prática, muito mais do que uma teoria qualquer, de uma verdadeira liderança, na vida como só ela é – e entre homens reais:

Todos puxavam o mundo para si, para o concertar consertado. Mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo. Montante, o mais supro, mais sério – foi Medeiro Vaz. Que um homem antigo… […] Joca Ramiro – grande homem príncipe! – era político. Zé-Bebelo quis ser político, mas teve e não teve sorte…

Medeiro Vaz, o primeiro de minha lista, recebe quase uma centena de referências na obra. Ele entra em cena para vingar a morte de seu amigo e compadre Joca Ramiro. Ele não seria propriamente um outsider ao sistema da jagunçagem, mas com certeza não é um profissional do ramo, como Joca Ramiro. O que o move é a honra e a fidelidade sertaneja, de homem que não deixará passar em brancas nuvens a morte de um amigo, ainda mais em circunstâncias de traição inaceitável. Ele vivia em sua fazenda um tanto retirado do mundo, cuidando basicamente de seus pertences, longe, totalmente longe, da vida de um chefe de bando. Ele se movia por valores, por que não dizer.

Medeiro Vaz era homem de outras idades, andava por este mundo com mão leal, não variava nunca, não fraquejava. Eu sabia que ele, a bem dizer, só guardava memória de um amigo: Joca Ramiro […] tinha sido a admiração grave da vida dele: Deus no Céu e Joca Ramiro na outra banda do Rio. […] Quando conheceu Joca Ramiro, então achou outra esperança maior: para ele, Joca Ramiro era único homem, par-de-frança, capaz de tomar conta deste sertão nosso, mandando por lei, de sobregoverno. Fato que Joca Ramiro também igualmente saía por justiça e alta política, mas só em favor de amigos perseguidos; e sempre conservava seus bons haveres.

Somos apresentados a algumas razões de sua aproximação com o mundo jagunço: era herdeiro de uma grande fazenda familiar e com a instabilidade permanente no Sertão, com a brigas envolvendo jagunços e seus chefes, com roubos assassinatos, estupros e tudo mais. Ele podia ficar gerindo aquilo tudo, porém reconheceu ser outro o dever dele: largou tudo, se desfez do que abarcava, em terras e gados, se livrou leve como que quisesse voltar a seu só nascimento. Medeiro Vaz não era uma pessoa comum, estadonho e bemsossegado, a aceitar tal mundo ao revés. Pelo contrário, resolveu impor respeito por onde andasse, não lhe faltando personalidade e forte vontade:

Não tinha bocas de pessoa, não sustinha herdeiros forçados. No derradeiro, fez o fez-por suas mãos pôs fogo na distinta casa-de-fazenda, fazendão sido de pai, avô, bisavô – espiou até o voejo das cinzas; lá hoje é arvoredos. Ao que, aí foi aonde a mãe estava enterrada – um cemiteriozinho em beira do cerrado – então desmanchou cerca, espalhou as pedras: pronto, de alívios agora se testava, ninguém podia descobrir, para remexer com desonra, o lugar onde se conseguiam os ossos dos parentes. Daí, relimpo de tudo, escorrido dono de si, ele montou em ginete, com cachos d’armas, reuniu chusma de gente corajada, rapaziagem dos campos, e saiu por esse rumo em roda, para impor a justiça. De anos, andava. Dizem que foi ficando cada vez mais esquisito.

Escorrido e dono de si, esquisito mesmo, era um homem capaz até de impor alguma justiça ao mundo, do alto de si mesmo. Os traços pessoais dele, marcados por radical coragem e honestidade, o fazem respeitadíssimo por parte de Riobaldo e dos demais membros do bando, especialmente por Diadorim, que o veneram por considerá-lo o mais supro, mais sério entre todos, ou um homem sobre o sisudo, nos usos formado [que] não gastava as palavras. Palavras que, aliás, Riobaldo não lhe mede:

Medeiro Vaz era duma raça de homem que o senhor mais não vê; eu ainda vi. Ele tinha conspeito tão forte, que perto dele até o doutor, o padre e o rico, se compunham. Por isso, nós todos obedecíamos. […] A gente era os medeiro-vazes. […] Tornava a ter fé na clareza de Medeiro Vaz, não desfazia mais nele, digo. Confiança – o senhor sabe – não se tira das coisas feitas ou perfeitas: ela rodeia é o quente da pessoa

Uma forte raça de homem, pleno de conspeito, de uma feição que não mais se poderia encontrar, com seus segredos (e sua vontade) de pedra. Se por acaso praticasse algo de mal era fácil perdoá-lo – e esquecer. Alvo de toda confiança por parte do seu bando, emitida esta, assim, do quente de seu ser. Era um sujeito afável? Nem tanto, parecia mesmo carrancista perante seus comandados, ele que apesar de sua habitual sisudez e praxe, de homem baseado, por vezes se manifestava surdo, de resmão […] com ele, ninguém vereava. De estado calado, ele sempre aceitava todo bom e justo conselho. Mas não louvava cantoria. Estavam falando todos juntos? Então Medeiro Vaz não estava lá.

Medeiro Vaz não participava de conversas frouxas, mas sabia ouvir. A própria travessia épica do Liso do Sussuarão, afinal mal sucedida, foi decidida após consultar a base, ou seja, Diadorim. Ele impunha respeito até pela sua figura, assim descrita:

Ossoso, com a nuca enorme, cabeçona meia baixa, ele era dono do dia e da noite – que quase não dormia mais. Seus hábitos eram um tanto peculiares: sempre se levantava no meio das estrelas, percorria o arredor, vagaroso, em passos, calçado com suas boas botas de caititu, tão antigas. Como líder, como chefe, primava pela personalidade e certa bizarria: se ele em honrado juízo achasse que estava certo, Medeiro Vaz era solene de guardar o rosário na algibeira, se traçar o sinal-da-cruz e dar firme ordem para se matar uma a uma as mil pessoas

Podia ter consigo a vontade e até o poder de matar mil pessoas, mas sem maior dúvida e acima de tudo, era um homem justo:

Nem nós vamos com Medeiro Vaz para fazer barbaridade com a mulher e filhos pequenos daquele pior dos dois Judas, tão bem que mereciam, porque ele e os da laia dele têm costumes de proceder assim […] não maltratava ninguém sem necessidade justa, não tomava nada à força, nem consentia em desatinos de seus homens. […] não maltratava ninguém sem necessidade justa, não tomava nada à força, nem consentia em desatinos de seus homens.

Com ele no comando, a jagunçada se sentia navegando em profundas águas – e se orgulhava do simples privilégio de poder apenas obedecer ordens vindas de tal pessoa:

Por isso, nós todos obedecíamos. Cumpríamos choro e riso, doideira em juízo. Tenente nos gerais – ele era. A gente era os medeiro-vazes. [..] O que ninguém ainda não tinha feito, a gente se sentia no poder fazer.

A gente era os medeiro-vazes! Quantos liderados pelo mundo a fora podem se referir a seus líderes e chefes desta maneira, com real sinceridade? Quantos chefes o teriam ouvido – e entendido – uma honraria como esta?

Medeiro Vaz – o Rei dos Gerais! Parte de uma raça de homens que já mais não se via, sobre o qual Riobaldo se regozijava: eu ainda vi. Como é que um como ele podia acabar? Tal homem tão impar não completa sua obra, todavia, abrindo com sua morte caminhos que vão desaguar nas veredas da maior parte da narrativa do Grande Sertão rosiano:  

A ser que Medeiro Vaz, por esse tempo, já acusava doença a quase acabada – no peso do fôlego e no desmancho dos traços. Estava amarelo almecegado, se curvava sem querer, e diziam que no verter água ele gemia. Ah, mas outro igual eu não conheci. Quero ver o homem deste homem! […] Aí, chamaram: – “Acode, que o chefe está no fatal!” Medeiro Vaz, arquejando, cumprindo tudo. E o queixo dele não parava de mexer; grandes momentos. Demorava. E deu a panca, troz-troz forte, como de propósito. Uma chuva de arrobas de peso. Era quase sonoite. Reunidos em volta, ajoelhados, a gente segurava uns couros abertos, para proteger a morte dele. Medeiro Vaz – o rei dos gerais ; como era que um daquele podia se acabar?!

 ***

Joca Ramiro, este tem outra história. Ele é, por assim dizer, jagunço profissional, a serviço de fazendeiros, políticos e barões terratenentes em geral, que o mobilizavam, a soldo, em lutas contra potestades rivais ou contra o eterno inimigo chamado governo. Um grande homem príncipe, como é apresentado aos parceiros de travessia no grande mundo do Sertão. Deus no Céu e Joca Ramiro na outra banda do Rio, como Medeiro Vaz o considerava – e mais ainda, achou nele o único homem, par-de-frança, capaz de tomar conta deste sertão nosso, mandando por lei, de sobregoverno. Alguém que, segundo ele, igualmente saía por justiça e alta política, mas só em favor de amigos perseguidos; e sempre conservava seus bons haveres. Homem talhado para alguma guerra grande […] um chefe cursado: muitos iguais não nascem assim […] dono de glórias, capaz mesmo de impor caráter ao Governo.

Impor caráter ao Governo: que tarefa! Isso é para um titã de verdade…

Joca Ramiro: o pai secreto de Diadorim, espiritual, mas também carnal. Sua presença física era de marcar lembrança:

Porte luzido, passo ligeiro, as botas russianas, a risada, os bigodes, o olhar bom e mandante, a testa muita, o topete de cabelos anelados, pretos, brilhando. Como que brilhava ele todo. Porque Joca Ramiro era mesmo assim sobre os homens, ele tinha uma luz, rei da natureza.

O primeiro contato de Riobaldo com ele é anunciado de forma apoteótica:

Era ele, num cavalo branco – cavalo que me olha de todos os altos. Numa sela bordada, de Jequié, em lavores de preto-e-branco. As rédeas bonitas, grossas, não sei de que trançado. E ele era um homem de largos ombros, a cara grande, corada muito, aqueles olhos. Como é que vou dizer ao senhor? Os cabelos pretos, anelados? O chapéu bonito? Ele era um homem. Liso bonito. Nem tinha mais outra coisa em que se reparar. A gente olhava, sem pousar os olhos. A gente tinha até medo de que, com tanta aspereza da vida, do sertão, machucasse aquele homem maior, ferisse, cortasse. E, quando ele saía, o que ficava mais, na gente, como agrado em lembrança, era a voz. Uma voz sem pingo de dúvida, nem tristeza. Uma voz que continuava.

Suas louvadas qualidades de estrategista, capaz que era de tudo saber e prover, e até que trazia um homem só para o oficio de ferrador, com a tendinha e as ferramentas, e o tudo mais versante aos animais […]; umhomem que inventava no dar batalha…  Em suma, um tipo de pessoa que, mesmo por si só, era capaz de pensar as partes, como Riobaldo fala dele em outro momento. No bando, não se deixava por menos:

Quando que conversamos, perguntei a ele se Joca Ramiro era homem bom. Titão Passos regulou um espanto: uma pergunta dessa decerto que nunca esperou de ninguém. Acho que nem nunca pensou que Joca Ramiro pudesse ser bom ou ruim: ele era o amigo de Joca Ramiro, e isso bastava […] Bom? Um messias! […] E mais ainda disse Diadorim: – “Você vai conhecer em breve Joca Ramiro, Riobaldo…” – “Vai ver que ele é o homem que existe mais valente!” Me olhou, com aqueles olhos quando doces. E perfez: – “Não sabe que quem é mesmo inteirado valente, no coração, esse também não pode deixar de ser bom?!”

Como é que se pergunta a um amigo se o seu objeto de afeto é bom ou ruim? Isso em si já soaria, no sertão, como afronta. Com tanta autoridade e respeito, contudo, Joca Ramiro não deixa de ser, ele próprio, uma figura, digamos, democrática perante o bando, o que pode ser percebido, por exemplo, na seguinte passagem:

Mas Joca Ramiro veio de lá, em alargados vagarosos passos, queria correr o acampamento, saudar um e outro, a palavrinha que fosse, um dito de apreço e apraz. O andar dele-vi certo: alteado e imponente, como o de ninguém.

Mas mesmo assim, tão imponente, Joca Ramiro não é o principal mandatário nas ações de guerra, sendo suplantado na quantidade delas (e em páginas escritas) por Zé Bebelo e pelo próprio Riobaldo, que a este sucederá após algum tempo. O que encurtou, de fato, a passagem de Joca Ramiro pelo enredo foi o fato de ele ter sido vítima de um complô interno no bando, capitaneado por dois de seus lugar-tenentes mais próximos, Hermógenes e Ricardão, que o traíram e assassinaram. Tal sedição teve como fulcro o julgamento de Zé Bebelo, perseguidor inicial do grupo, em sua faina de purificar e civilizar o vasto sertão, depois de se ver aprisionado pelos perseguidos. Isso incomodou e despertou a vingança na dupla de traidores. Sobre tais acontecimentos indaga o narrador, secundado pelo seu grande companheiro de armas (ou mais do que isso):

 Por que era que Joca Ramiro, sendo chefe tão subido, de nobres costumes, consentia em ter como seu alferes um sujeito feito esse Hermógenes, remarcado no mal? Diadorim me escutou depressa, tal duvidou de meu juízo: – “Riobaldo, onde é que você está vivendo com a cabeça? O Hermógenes é duro, mas leal de toda confiança. […] E aqueles outros: o Hermógenes, Ricardão? Sem Joca Ramiro, eles num átimo se desaprumavam, deste mundo desapareciam – valiam o que pulga pula.

Por situação semelhante uma Presidente da República se viu traída justamente por pessoas bem próximas, em que ela muito confiava… Mas pula a pulga e as ações se aceleram no Sertão – e vem o julgamento. A narrativa relativa a tal evento é antológica e carregada de humor ferino:  

Zé Bebelo: – Assaca! Ou me matam logo, aqui, ou então eu exijo julgamento correto legal!… e foi. Aí Joca Ramiro consentiu, apraz-me, prometeu julgamento já: –  Dê respeito, chefe. O senhor está diante de mim, o grande cavaleiro, mas eu sou seu igual. Dê respeito! O senhor se acalme. O senhor está preso…. Ao que bastava Joca Ramiro perder um ponto da paciência, um pouco. Só que, por sorte, paciência Joca Ramiro nunca perdia; motejou, não mais: – Adianta querer saber muita coisa? O senhor sabia, lá para cima – me disseram. Mas, de repente, chegou neste sertão, viu tudo diverso diferente, o que nunca tinha visto. Sabença aprendida não adiantou para nada… Serviu algum? […] O senhor veio querendo desnortear, desencaminhar os sertanejos de seu costume velho de lei… Bebelo, retorquindo: – Velho é, o que já está de si desencaminhado. O velho valeu enquanto foi novo. Ramiro: – “O senhor não é do sertão. Não é da terra…Bebelo:  – Sou do fogo? Sou do ar? Da terra é a minhoca – que galinha come e cata: esgaravata!

Joca Ramiro era, de fato, um verdadeiro rei naquelas paragens. Ele era rico, dono de muitas posses em terras, era bem recebido nas casas das potestades do sertão, fossem fazendeiros ou políticos, que a ele ofereciam dinheiro e munição. Sua figura, assim como a de Medeiro Vaz, não sendo bem este o caso do próximo chefe, Zé Bebelo, muito impressionava a peãozada. Ele representava uma voz que continuava

Assassinado que foi pelos Judas, Ricardão e Hermógenes, encontrou justamente em Zé Bebelo, seu ex prisioneiro, a quem ele concedeu e honrou salvo-conduto, por força do tal julgamento, agora seu substituto na liderança do bando, agora imbuído de nova missão, não mais contra os soldados do governo ou as forças de algum velho ou novo rival sertanejo, mas sim para acabar de vez com aquela raça de Judas, em vingança de honra pela morte do caudilho. Nisso Zé Bebelo se revela, também, um potente estrategista, como logo se verá.

 ***

Zé Bebelo – ah. Se o senhor não conheceu esse homem, deixou de certificar que qualidade de cabeça de gente a natureza dá, raro de vez em quando. Aquele queria saber tudo, dispor de tudo, poder tudo, tudo alterar. Não esbarrava quieto. Seguro já nasceu assim, zureta, arvoado, criatura de confusão. Trepava de ser o mais honesto de todos, ou o mais danado, no tremeluz, conforme as quantas. Soava no que falava, artes que falava, diferente na autoridade, mas com uma autoridade muito veloz.

Zé Bebelo tinha uma coragem sem limites – e não se pejava de se meter em confusões, até rasteiras. Certa feita, embora desarmado, enfrentou um cabra munido de um facão enorme, mas que acabou por deixar cair a arma e se entregou. De outra vez, chegou um brabo, recomendado e o enfrentou, do nada: ‘tua sombra me espinha, juazeiro’ ao que Zé Bebelo o saudou, mas mandou amarrá-lo e sentar nele uma surra de peia, tendo após isso o cabra confessado ter vindo para matá-lo. Bebelo então apontou nos cachos dele a máuser e as miolagens espatifadas foram se grudar longe e perto – simples assim.

Mas apesar de tudo, Zé Bebelo era considerado inteligente, valente e principalmente um homem de palavra, um tipo que conseguia intrujar de tudo e que também pegava no ar as pessoas. Mas com ressalvas postas por Riobaldo, seu rival dissimulado e gradual substituto: só de ser inteligente e valente é que muito não pode.

Para dizer pouco, Zé Bebelo tinha uma personalidade encantadora, um homem que pescava, caçava, dançava as danças, exortava a gente, indagava de cada coisa, laçava rês ou topava à vara, entendia dos cavalos, tocava violão, assoviava musical. Entretanto, não afeito a jogos em geral, de búzios ou baralho, por ter receio de se viciar. Ele era, acima de tudo, um sujeito de bem com a vida, que se entusiasmava com qual-me-quer, o que houvesse: choveu, louvava a chuva; trapo de minuto depois, prezava o sol. Gostava de adquirir conhecimento, tendo, aliás, conhecido Riobaldo por tomá-lo como professor e também apreciava dar conselhos e perorar sobre política, visando o progresso geral, como se mais esse todo Brasil, territórios – e falava, horas, horas.. O passado, para ele, era mesmo passado, não vogava. E, de si, parte de fraco não dava, nenhão, nunca.

Uma curiosa anedota é contada sobre ele, revelando-lhe a personalidade, a de que certo dia, trotando por um caminho que lhe pareceu completamente novo, exclamou: – “Ei, que as serras estas às vezes até mudam muito de lugar!…” […] E era mas que ele estava perdido, deerrado de rota, há, há. Assim, sua fama corria o Sertão, e era sempre acrescida de novas histórias, por exemplo, a de que, uma vez, durante um exercício equestre que lhe era costumeiro, um capiau veredeiro se assustou e pulou de joelhos na estrada, a implorar: – “Não faz vivalei em mim não, môr-de-Deus, seu Zebebel’, por perdão…” E Zé Bebelo jogou para o pobre uma cédula de dinheiro; gritou: – “Amonta aqui, irmão, na garupa!” – trouxe o outro para com a gente jantar.

Suas artes de guerreiro não eram, de forma alguma desprezíveis, para ele até o horror de uma guerra podia trazer alguma alegria e até divertimento. Acabando um combate, saía esgalopado, revólver ainda em mão, perseguir quem achasse, só aos brados: – “Viva a lei! Viva a lei!…” – e era o pipoco-paco. […  Esse era ele. Esse era um homem. Ao lado de si incorporou uma verdadeira guarda pretoriana, formada pelos catrumanos urucuianos, entre os quais a lei era ele e assim anunciada: – “Vim por ordem e por desordem. Este cá é meus exércitos!…” Prazer que foi, ouvir o estabelecido. E Riobaldo arremata que se o negócio era briga, aquele homem era em frente, crescia sozinho nas armas.

Zé Bebelo, ao assumir o comando do bando, depois do assassinato de Joca Ramiro, a quem acreditava dever a própria vida, faz um discurso de consumado líder: “Ao redor de mim, meus filhos. Tomo posse!” Era homem de muita coragem, mas, às vezes de um tanto de parolice e exagero também, como em certo momento confirma o próprio Riobaldo: a gente reconheceu mais a coragem dele. Isto é, qualquer um de nós sabia que aquilo podia ser mentira. Mesmo por isso, somenos, por detrás de tanta papagaiagem um homem carecia de ter a valentia muito grande.

Era metido a filósofo e um tanto visionário:

“Trabucar duro, para dormir bem!” – publicava. Gostadamente: – “Morrendo eu, depois vocês descansam…” – e ria: – “Mas eu não morro…” Sujeito muito lógico, o senhor sabe: cega qualquer nó. E – engraçado dizer – a gente apreciava aquilo. Dava uma esperança forte. Ao um modo, melhor que tudo é se cuidar miudamente trabalhos de paz em tempo de guerra. O mais eram traquejos, a cavalo, para lá e para cá, ou esbarrados firmes em formatura, então Zé Bebelo perequitava, assoviando, manobrava as patrulhas, vai-te, volta-te. Somente: – “Arre, temos nenhum tempo, gente! Capricha…” Sempre, no fim, por animar, levantava demais o braço: – “Ainda quero passar, a cavalos, levando vocês, em grandes cidades! Aqui o que me faz falta é uma bandeira, e tambor e cornetas, metais mais… Mas hei de! Ah, que vamos em Carinhanha e Montes Claros, ali, no haja vinho… Arranchar no mercado da Diamantina… Eli, vamos no Paracatu-do-Príncipe!…”

Riobaldo divergiu dele, por senti-lo incapaz de impor disciplina ao bando e, inclusive, tomou-lhe o comando, mas sem deixar de afirmar, reconhecido, depois: melhor minha recordação está sempre quente pronta. Amigo, foi uma das pessoas nesta vida que eu mais prezei e apreciei.

 ***

Resumindo agora as características de cada um desses líderes sertanejos.

Medeiro Vaz é um amador no ofício de jagunço, movido a honra, tradição, lealdade e valores, muito mais do que à busca do poder, sendo descrito como “o mais supro, o mais sério”, ou “um tipo de homem como não se vê mais” e também portador de um conspeito próprio e especial: “com ele ninguém vereava”, porém dispondo de coragem suficiente para mandar matar “uma a uma as mil pessoas”. Ele é uma espécie de ermitão, um ser introspectivo e recolhido a si mesmo, levando uma vida modesta, infenso às glorias do mundo, ao contrário dos outros dois. Não se recusa a interagir com os chefiados, mas escolhe seus interlocutores (Diadorim, por exemplo) e é discreto nisso. Inconteste a sua aceitação pelos liderados, autointitulados como “a gente era os medeiro-vazes”. Portador de uma “mão leal”, com marcante desapego pelos bens materiais; quando parte para a vida de chefe de jagunço vende tudo o que tinha, espalha até as cinzas de sua casa, parte para “impor a justiça”, em um rito de passagem dito como: “relimpo de tudo, escorrido dono de si”.

Joca Ramiro: este tem história diversa de seu compadre e amigo Medeiro Vaz. É chefe de jagunços em caráter profissional e permanente. Oligarca do sertão, fortemente articulado em uma rede de fazendeiros e autoridades oficiais, tem como princípio de ação “agir a favor de amigos perseguidos”. O governo é um permanente inimigo, sendo mesmo atribuído a ele um caráter de “sobregoverno” e mesmo a capacidade de “impor caráter ao governo”. Um homem profundamente carismático: “ele tinha uma luz”, “uma voz que continuava”, um “rei da natureza”, “reis dos gerais”. Da mesma forma, sua competência de estratego: “um homem que inventava no dar batalha”, capaz de pensar a parte separada do todo. Do ponto de vista dos afetos, como disse um membro do bando: “ser amigo de tal homem era o bastante”, independente de juízos de valor, ou ainda, “quem e tão valente assim só pode ser bom”. Um chefe dado ao diálogo com os comandados, porém sem perder a autoridade, diferente, neste aspecto, de Zé Bebelo.  Sua frase no julgamento de Zé Bebelo é emblemática: “eu sou seu igual, mas dê respeito”.

Zé Bebelo, por sua vez, representa um caso diferente dos outros dois, homem sem limites, disposto a se rebaixar até coisas comezinhas, pouco preocupado com o efeito na hierarquia do bando. Riobaldo admite que ele é “diferente em sua autoridade”. Ele é também uma pessoa veloz no raciocínio e bem capaz de violência inaudita. Sua mudança de posição, de agente auto atribuído da lei até o comando no universo jagunço, está ligada à sua noção de valores, por sentir que é devedor de sua vida a Joca Ramiro. É um homem de palavra, atento à lei do Estado, mas também à do Sertão. Pode ser considerado um iluminista ou um déspota esclarecido, que “quer saber de tudo, dispor de tudo, poder tudo”, somando conhecimento e estratégia, a táticas de guerrilha, o que motiva desconfiança em seu futuro sucessor Riobaldo, que vê nisso o perigo de se ser “inteligente e valente” ao mesmo tempo. De fato, ZB é uma personalidade ímpar: hedonista, sedutor, influenciador, iluminista, culto, musical, de bem com a vida, generoso com alguns – nem tanto com outros. Filósofo e visionário, mantem relações igualitárias com os comandados, marcadas às vezes por parolice e exagero. Mantém o tempo todo aspirações políticas, com um pé no mundo oficial, talvez para se realizar quando abandonar a missão de vingar Joca Ramiro – o que acaba não acontecendo. Apesar de divergências, tem amizade forte e prezada por parte de Riobaldo.

 ***

Faço agora – e para finalizar este pequeno ensaio – uma comparação entre as práticas e artimanhas de tais chefes jagunços sertanejos na condução de seu mister, na maneira como foram concebidas por Guimarães Rosa, certamente influenciado também pelas suas vivências de infância e juventude no mundo sertanejo de sua terra natal, Cordisburgo, e principalmente por sua imaginação, vis a vis com alguns dos ritos e princípios que a ciência administrativa contemporânea preconiza, em termos de liderança e trabalho em equipe. Curiosamente, existem sintonias e aproximações do que dissensos entre uma coisa e outra, melhor dizendo, entre um mundo e outro, afinal não tão díspares como poderiam parecer, já que são habitados por portadores de uma mesma condição humana, tão óbvia e ao mesmo tempo cabulosa.

Em primeiro lugar, o vigor de um pensamento estratégico, visível, por exemplo, no longo arrodeio que Medeiro Vaz realiza pela passagem através do temível Liso do Sussuarão, em tempo posterior imitado por Riobaldo, quando na condição de chefe. Tal manobra visava pegar os Judas de surpresa, pois que esperavam combate vindo de frente diferente daquela em que finalmente aconteceu. O mesmo se dá quando Zé Bebelo, cercado pelos Hermógenes em uma fazenda abandonada, determina a um dos seus que vá até a cidade mais próxima para chamar nada menos que a polícia, colocando-a no encalço dos inimigos e se safando a tempo e a hora.  Há muitos outros sucessos semelhantes no enredo, sendo a batalha final no Tamanduá-Tão uma sequência magistral de manobras de tal natureza, embora tenha custado, ao fim e ao cabo, uma vida preciosa, a de Diadorim.

A capacidade de improvisação e posicionamento diante de uma realidade mutante é outra das caraterísticas das ações dos jagunços. Não só a escapada do cerco referido acima, como as marchas e contramarchas destinadas a confundir perseguidores, são demonstrações de tal manobra. Zé Bebelo, explicitamente, é homenageado por Riobaldo diante de sua astúcia em tal campo, descrita como fruto de saber ser, a cada momento, “diferente em sua autoridade”. Da mesma natureza é a cena do transporte despistado de armas e munições, durante a qual, no lugar chamado Guaravacã do Guaicuí, Riobaldo e Diadorim se reencontram.

Para um chefe jagunço, todavia, a vida não era só muito perigosa, mas muito mais do que isso. A vida no bando era um permanente enfrentamento de riscos, inclusive, na melhor das hipóteses, de perda hierárquica e na pior delas, de morte. Assim, pensamento estratégico, improviso e leitura acurada da realidade de nada valeriam se não trouxessem, ao mesmo tempo, uma correta avaliação de riscos em cada mínimo momento da poiesis jagunça.  Além de muita sorte, claro.

Sobre uma certa relativização das hierarquias dentro do bando, um mito da gestão contemporânea, há muitos exemplos. É claro que entre tal tipo de agentes, agindo totalmente fora da lei, isso não poderia ser levado às últimas consequências. Neste aspecto, Medeiro Vaz era um homem mais discreto, relaxando a hierarquia de forma muito ocasional e pontual, de forma determinada, aliás, pelo seu próprio estilo de vida, que fazia dele uma espécie de ermitão. Joca Ramiro tinha por hábito se confraternizar com seus jagunços de baixo escalão, se fazendo respeitar por eles e certamente obtendo com isso informações importantes, além de acumular o respeito que nunca lhe faltou no exercício do comando. Zé Bebelo era mais relaxado, dado seu tipo menos atento a convenções, mas acabou pagando um preço caro por isso, ao perder o posto de chefe para Riobaldo, entre outras razões, pela sua maneira descuidada de agir, mesmo que fosse bastante inteligente algumas vezes.   

A carga de simbolismo que os chefes carregavam conscientemente consigo, para difundir em momentos certos, também é digna de menção. Isso envolvia valores como autoridade, valentia, carisma, empatia. A valentia, aliás, se perfazia como um incomensurável valor, mas não era o único. A vida entre o bando, por certo, era permanentemente carregada de variados valores simbólicos, de ampla natureza, por exemplo, exercício da lealdade, amizade, solidariedade, além de outros.

O correto exercício da autoridade era parte de tal carga simbólica, certamente indispensável para manter a coesão e a disciplina em um grupo com tais características. A cena em que um dos jagunços do andar de baixo se espanta com o fato de que alguém tivesse questionado uma decisão de Joca Ramiro é bem um exemplo disso, complementado por Diadorim que vai demonstrar isso com outras palavras, que um valente como aquele chefe só poderia ser uma pessoa de bem. Quando Zé Bebelo resolve punir um recém chegado que lhe dirige um gracejo fora de propósito isso novamente se comprova, trazendo ao mesmo tempo, porém, uma contraprova para tanto, ao se deixar perder por comportamentos pouco aceitáveis em um verdadeiro chefe. Mas de toda forma, deve ficar claro que tal exercício permanente (e necessário) de autoridade geralmente quase sempre se fazia à maneira, por assim dizer, guevariana: sin perder la ternura.

A ampla aceitação pelos liderados era, naturalmente, parte essencial da liderança entre os jagunços. À maneira de cada um dos chefes, mais discretamente em Medeiro Vaz; escancarada como em Zé Bebelo; ou ainda intermediária, como em Joca Ramiro. Esta era uma boa prática de comando, que todos sabiam como executar – embora cada um à sua maneira – e cumpriam à risca.  

Carisma, como emblematicamente Joca Ramiro apresentava, de forma exponencial, aliás, nunca poderia faltar em um correto chefe jagunço. Mas não era tudo. Conhecimento também era essencial, seja de tipo mais transcendente, por exemplo de saber ler a alma dos subordinados e dos inimigos, ou mais objetivo, relativo à mudança do tempo, fluxo dos rios, cantos de pássaros, ausculta de ruídos de animais ou inimigos, interpretação dos sinais da natureza e outras coisas assim. É através de tal combinação que se fazia um perfeito Senhor da Guerra.

Jagunços, como quaisquer membros de grupos humanos, desde os funcionários de pequenas quitandas de esquina até aqueles da Microsoft, costumam se sensibilizar e se mobilizar ao lhes serem facultadas informações relativas à consciência dos objetivos para os quais são dirigidos seus esforços. Embora isso não seja sempre explícito na obra, certamente era uma questão chave nas ações de comando. No caso, não era apenas a glória e o reconhecimento simbólico que aqueles homens estariam a buscar, mas sim recompensas materiais palpáveis. Para tanto as chefias (ou lideranças) deveriam desenvolver especial estofo, combinando mais uma vez conhecimento e malícia.

Para finalizar, cabe a pergunta: estes capi sertanejos eram verdadeiros líderes ou apenas chefes? Na verdade tal distinção pouco se aplica ao caso deles ou, simplificando, eles eram o que eram, perfeitamente adaptados às condições do tempo e do ambiente em que viviam, nada mais. Capaz que fossem uma coisa e outra, ao mesmo tempo, todo o tempo. Academicamente um líder é aquele que guia, que divide responsabilidades, que mantém relações interpessoais tranquilas com seus subordinados e incentiva o progresso deles. Tudo muito bacana, mas em um bando de jagunços não é assim que funciona. Da mesma forma que no exército, na polícia, na contabilidade de uma empresa, em um centro cirúrgico.  

Mas isso, na verdade, representa um dilema – ou nem tão dilema assim – que o próprio JGR se encarregou de resolver:

 Uma coisa é pôr ideias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias… tanta gente – dá susto de saber – e nenhum se sossega: todos nascendo, crescendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza, ser importante, querendo chuva e negócios bons… De sorte que carece de se escolher…

Bebelo, Ramiro e Medeiro fizeram suas escolhas. Ninguém poderia dizer que se tivessem feito de outra maneira teriam feito melhor.

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Nota final: este texto não tem nenhuma (mas nenhuma, mesmo…) pretensão de se acrescentar às teorias vigentes em Administração ou Liderança. É apenas um exercício de escrita, mais um entre muitos possíveis, que minhas repetidas viagens ao Grande Sertão sempre me provocam.

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DECÁLOGO DE JOCA RAMIRO (continuando a brincadeira…)

  1. 1. POR ONDE PASSAR, DEIXE SUA MARCA – E CULTIVE AS BOAS AMIZADES.

Joca Ramiro – grande homem príncipe! […] Assim era Joca Ramiro, tão diverso e reinante, que, mesmo em quando ainda parava vivo, era como se já estivesse constando de falecido. […] Por vingar a morte de Joca Ramiro, vou, e vou e faço, consoante devo. Só, e Deus que me passe por esta, que indo vou não com meu coração que bate agora presente, mas com o coração de tempo passado…” […] Mas Joca Ramiro veio de lá, em alargados vagarosos passos, queria correr o acampamento, saudar um e outro, a palavrinha que fosse, um dito de apreço e apraz. O andar dele-vi certo: alteado e imponente, como o de ninguém.

  • 2. CUIDE DE SUA APARÊNCIA, NUNCA APAREÇA MAL ENJAMBRADO.

E corri lembrança em Joca Ramiro: porte luzido, passo ligeiro, as botas russianas, a risada, os bigodes, o olhar bom e mandante, a testa muita, o topete de cabelos anelados, pretos, brilhando. Como que brilhava ele todo. Porque Joca Ramiro era mesmo assim sobre os homens, ele tinha uma luz, rei da natureza. […] Adrede Joca Ramiro estava de braços cruzados, o chapéu dele se desabava muito largo. Dele, até a sombra, que a lamparina arriava na parede, se trespunha diversa, na imponência, pojava volume. E vi que era um homem bonito, caprichado em tudo. Vi que era homem gentil.

  • 3. APARÊNCIA NÃO É TUDO, TEM QUE TER CONTEÚDO TAMBÉM.

Dito que Joca Ramiro era um chefe cursado: muitos iguais não nascem assim – dono de glórias! […] Aquela turma de cabras, tivesse sorte, podia impor caráter ao Governo.

  • 4. PENSE ESTRATEGICAMENTE EM TUDO O QUE FAZ.

E eu, que já ia contar mais, do diverso, das peripécias que meu padrinho dizia que Joca Ramiro inventava no dar batalha, então eu como me concertei em mim, e calei a boca. […] Mas conheço Joca Ramiro, sozinho que pensa as partes.

  • 5. NÃO BASTA PARECER BOM; TEM QUE SER REALMENTE BOM

Perguntei a ele se Joca Ramiro era homem bom […]uma pergunta dessa decerto que nunca esperou de ninguém. Acho que nem nunca pensou que Joca Ramiro pudesse ser bom ou ruim: ele era o amigo de Joca Ramiro, e isso bastava. […] . E perfez: – “Não sabe que quem é mesmo inteirado valente, no coração, esse também não pode deixar de ser bom?!”

  • 6. ESCOLHA AS PESSOAS CERTAS PARA AS TAREFAS CERTAS.

Você queria homens bem comportados bonzinhos, para com eles a gente dar combate a Zé Bebelo e aos cachorros do Governo?!”

  • 7. FAÇA COM QUE SUA PRESENÇA SEMPRE MARQUE A DIFERENÇA.

 E aqueles outros: o Hermógenes, Ricardão? Sem Joca Ramiro, eles num átimo se desaprumavam, deste mundo desapareciam – valiam o que pulga pula. […] Viesse, Joca Ramiro podia detalhar o podre do são, recontar seus brabos entre as mãos e os dedos. Podia, devia de mandar embora aquele monstro do Hermógenes. […] E, quando ele saía, o que ficava mais, na gente, como agrado em lembrança, era a voz. Uma voz sem pingo de dúvida, nem tristeza. Uma voz que continuava.

  • 8. RESPEITO A GENTE NÃO MOSTRA E NEM COBRA; A GENTE TEM OU NÃO TEM

“Dê respeito, chefe. O senhor está diante de mim, o grande cavaleiro, mas eu sou seu igual. Dê respeito!” – “O senhor se acalme. O senhor está preso…” – Joca Ramiro respondeu, sem levantar a voz.

  • 9. O VERDADEIRO LIDER É O QUE SABE A HORA DE DAR A PALAVRA FINAL

Ah, Joca Ramiro para tudo tinha resposta: Joca Ramiro era lorde, homem acreditado pelo seu valor. […] Assim Joca Ramiro refalou, normal, seguro de sua estança, por mais se impor, uma fala que ele drede avagarava. Dito disse que ali, sumetido diante, só estava um inimigo vencido em combates, e que agora ia receber continuação de seu destino. […] – “Resultado e condena, a gente deixa para o fim, compadre. Demore, que logo vai ver. Agora é a acusação das culpas. Que crimes o compadre indica neste homem?” […] Assim Joca Ramiro era homem de nenhuma pressa. Se abanava com o chapéu. Ao em uma soberania sem manha de arrocho, perpasseou os olhos na roda do povo.

  1. 10. TEM HORA DE ATACAR, TEM HORA DE CALAR, TEM HORA DE FESTEJAR

E assaz muita cachaça se tomou, que Joca Ramiro mandou satisfazer goles a todos – extraordinária de boa. O senhor havia de gostar de ver aquela ajuntação de povo, as coisas que falavam e faziam, o jeito como podiam se rir, na vadiação, todos bem comidos, entalagados.

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