A história de Jacó

 Jacó, o vaqueiro desta história. Sim, ele mesmo, Jacó da Vereda Alta, filho de Isaque e neto de Abrão Borges. Jacó gostava de Raquel, filha de Lesbão, fazendeiro assentado no Buriti Seco. Jacó não era de enxada e foice, tinha orgulho de seu trato com o gado bravo, peão corajoso, segundo todos que o conheciam, com fama assentada da Vereda Alta ao Buriti Seco e … Continuar lendo A história de Jacó

Pavana para uma Princesa Morta

Ela nos chegou em um dia de abril, quase 10 anos atrás. Veio desconfiada, com o rabinho meio recolhido ao meio das patas, o olhar atento a tudo que ia em volta. A desconfiança durou pouco, entretanto. Quando percebeu a receptividade dos três humanos que a esperavam, um grande, que ela logo percebeu ser o Alfa e dois pequenos, menino e menina, relaxou e se entregou. Encontrando a porta do carro aberta, subiu no banco dianteiro imediatamente, como se ali fosse o lugar dela, desde sempre.

Continuar lendo “Pavana para uma Princesa Morta”

Holocausto também é coisa nossa…

Nenhuma glorificação no título acima, claro, mas como a palavra Holocausto entrou na moda, graças a uma declaração polêmica (mas nem tanto…) de Lula, acompanhada do lançamento pela Netflix de um documentário chamado Holocausto Brasileiro, baseado em livro homônimo da jornalista Daniela Arbex, trago o assunto, sob este último enfoque, para nosso post de hoje. O filme descreve a história de agressões e mortes no antigo Hospital Colônia de Barbacena-MG, no qual ao longo quase um século de funcionamento foram registradas cerca de 60 mil mortes de pacientes, sem falar das incontáveis internações compulsórias. No documentário, Daniela entrevista pessoas ligadas direta ou indiretamente ao HCB (ex-pacientes, ex-funcionários, gente da saúde mental e testemunhas diversas). No início tudo corria de acordo com regras, digamos, mais “humanitárias” (cabem aspas), inspiradas em Philippe Pinel, precursor das reformas psiquiátricas ao tempo da Revolução Francesa. Contudo, na sequência, a instituição começou a receber um número vultoso dos considerados “loucos”, seja por familiares ou pela comunidade. O livro de Daniela Arbex revela que talvez apenas uns 30% de tais pacientes tinvessem diagnóstico real de doença mental, mas passaram a compor um vasto contingente de “indesejados”, entre eles mendigos, homossexuais, dissidentes políticos e moças desvirginadas. O meu contato com isso foi o fato de ter feito o curso de medicina na UFMG, no qual os cadáveres “utilizados” nas aulas de anatomia eram, em sua maioria, egressos de tal “loucocômio”, chegando ao anfiteatro da faculdade de maneira pouco ortodoxa e totalmente desumana. Vai aí um texto de minhas memórias (Vaga, Lembrança. Brasília 2001) que mostra meu contato, mesmo à distância, com esta tragédia, como o leitor verá nos parágrafos finais.

Continuar lendo “Holocausto também é coisa nossa…”

O SUS: histórias que ninguém contou

Todo mundo tem um amigo, parente ou conhecido que esteve em uma unidade do nosso sistema de saúde e saiu de lá com alguma reclamação a fazer. Mesmo diante de tais argumentos eu tenho sido desde sempre um defensor do SUS, aliás, participei de sua construção, como militante do Movimento Municipalista de Saúde, gestor público, docente e pesquisador universitário. Isso não tem impedido, todavia, que … Continuar lendo O SUS: histórias que ninguém contou

Mais um que se vai…

Quando vejo as fotos feitas por um fotógrafo itinerante, que atendia pelo curioso nome de Pantaleão Alcaraz, e visitava o Colégio Estadual (e talvez muitas outras escolas também) para documentar as turmas, a cada ano, surpreendo-me com o fato de que apenas me lembro do nome daqueles adolescentes, perfilados junto a suas carteiras escolares, em poses ora circunspectas, ora apalhaçadas. Mas pelo menos de um ou dois desses colegas sempre me lembro, e entre eles Saulo da Matta Viana Barbosa, ou Saleba, que fez comigo a quarta série e mais algum outro ano, qual, exatamente, não me lembro mais. E há uma razão muito simples para tanto: ficamos amigos na ocasião e, mais do que isso, voltamos a nos encontrar em Brasília, muito tempo depois, reatando a velha amizade da juventude. Além disso, éramos relativamente vizinhos, ambos habitando o vasto e emblemático território da Barroca, em BH. Eu na rua Selênio, já na vertente para a Nova Suíça e ele nos altos da Cura D’Ars, próximo à antiga caixa d’água. Isso nos possibilitava voltarmos juntos das aulas, caminhando, apesar da longa distância e em pleno sol de meio dia, bem uns 4 km entre o Santo Antônio, onde ficava o Colégio Estadual e a nossa Barroca. E nem é preciso dizer que naqueles périplos peripatéticos bem que nos esforçamos em resolver os problemas, seja do colégio, da Barroca, da cidade ou mesmo do mundo. Saulo era mais lido do que eu, de modo que eu apreciava, de fato, sua companhia, entre outras razões para me ilustrar. Mas a verdade é que possuíamos forte sintonia um com o outro, daquele tipo que não há como explicar muito.

Continuar lendo “Mais um que se vai…”

Coisas tão vãs e tão mudáveis

Aqui vão mais alguns contos. Dei a eles o título acima inspirado no seguinte soneto de Sá de Miranda, contemporâneo de Camões.

O sol é grande, caem co’a calma as aves,
do tempo em tal sazão, que sói ser fria;
esta água que d’alto cai acordar-m’-ia
do sono não, mas de cuidados graves.

Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
qual é tal coração qu’em vós confia?
Passam os tempos vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.

Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d’amores.

Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
também mudando-m’eu fiz doutras cores:
e tudo o mais renova, isto é sem cura!

***

Sem maiores explicações.

Continuar lendo “Coisas tão vãs e tão mudáveis”

Humanos em demasia…

Persisto na veleidade de escrever contos. Podem me criticar pelo resultado insatisfatório. Mas indago: não é treinando que se aprende? Aqui juntei escritos meus ao logo do ano de 2023, nos quais, mesmo sem intencionalidade direta, contei histórias de gente diferente, para tentar ser sucinto. Inspiração? Casos de minha carreira médica, lembranças de fatos e de pessoas que conheci ao longo da vida, frutos de minha imaginação – tem um pouco de tudo isso. Este último ingrediente talvez seja mais constante do que os outros e isso com certeza indica um caráter menos auto-biográfico e mais psico-analítico nos meus escritos. Mas por favor vão desculpando, eu assumo que sou assim… Aqui vai uma dúzia de testemunhos sinceros disso.

Continuar lendo “Humanos em demasia…”

Conta de mentiroso (Sete histórias inventadas)

Incorrigível, eu. Persisto em minha veleidade de escrever contos. Ou talvez devesse usar outro verbo: perseguir? Mas não desisto. Isso me faz lembrar Augusto Matraga, o personagem de Guimarães Rosa, que repetida a todo momento em sua luta contra a maldade do mundo: vou para o céu nem que seja debaixo de porrete. Pois que venham a mim as pauladas da crítica, ou pior do que isso, de ser ignorado. Mas persisto, e apresento aqui estas sete histórias totalmente inventadas. Aliás, para falar um pouquinho de verdade, pode ser que mesmo esta invenção seja de fato inventada. Vão desculpando…

Continuar lendo “Conta de mentiroso (Sete histórias inventadas)”