O Redentor

Não foi nada não, lhe asseguro. Os pipocos que o senhor ouviu não foram de briga de homem. É coisa minha mesmo, gosto de praticar a pontaria, quase todo dia faço isso. Agora, com o preço da munição pela hora da morte – desculpe a brincadeira – está ficando mais difícil, mas mesmo assim não deixo de dar meus tirinhos, sempre num barranco aqui do quintal, para não acertar ninguém – Deus me livre.

Já fiz disso profissão e acho que até criei fama. Mas agora o que me interessa são essas galinhas, essa horta de couves, algum leitão que engordo para o Natal. Armas quase não tenho mais, só uma zinha a Flobé, quase um cisco de carabina, brinquedo de menino perto do que já tive nas mãos, em tempos passados. Mas isso já acabou para mim, total: o senhor fique sabendo.

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O Matador

Eu mato sim: baratas. E também elimino formigas, percevejos, escorpiões. Estou me especializando em lesmas, há uma praga delas aqui na cidade. Acho que é uma profissão de grande interesse para a sociedade.

Mas não vim parar aqui como escolha minha, principal. Eu tentei vestibular para biologia e também veterinária e não consegui passar, Isto é, passei numa escola particular. Mas quem é que dá conta de pagar mensalidade de dois ou três mil reais numa faculdade? Quem vem de escola pública, sabe como é? Eu precisava trabalhar, ganhar a vida.

Criei uma empresa de mentirinha, a Baratinha. Digo isso porque a empresa sou eu mesmo, não tem CNPJ nem nada. Eu, meu celular, minha bombinha e minha bicicleta. E Deus no céu. Pagamentos, só por pix.

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Coisas entre o Céu e a Terra

Há mais coisas, Horácio, entre o céu e a terra, do que sonha nossa vã filosofia. Hamlet – Shakespeare (Ato I – Cena V)

Logo que viu aquele negro jovem e corpulento, com um tosco cartaz escrito a pincel atômico com seu nome, a esperá-lo na calçada do aeroporto, sentiu de imediato certa empatia pela figura. Em cada movimento seguinte viu confirmada suas impressões, nos votos de boas-vindas, na mala que lhe foi retirada pressurosamente das mãos, na indagação se havia feito boa viagem. Quando entrou no carro havia a sua disposição pastilhas de menta e água mineral, meio quente, mas sempre um agrado, pensou, mas que mais ainda lhe aumentou a simpatia pelo motorista, que o conduziria para uma viagem noite a dentro.

Estava ali para uma visita técnica à prefeitura do município, situado a quase 200 km daquela cidade polo, para onde o avião trouxera. Era bem acostumado com este tipo de viagem e as recepções que lhe faziam costumava ser variadas em termos de qualidade, mas aquela lhe parecia estar entre as mais calorosas que já experimentara.

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Aqui vai mais um conto…

A JANELA INDISCRETA

Eu bem vi que o porteiro tentava me avisar de alguma coisa. Não dei muita atenção, pensei que ele falava dos pivetes que andam por ali. Com estes já estou acostumado, não levam a melhor comigo. Mas dessa vez o perigo era outro, uma calçada escorregadia. E assim eu fui parar no chão. Ato contínuo, no Pronto Socorro.

E agora em casa estou eu, com a tíbia partida, mínimo vinte dias de repouso forçado, me arranjaram até uma cadeira de rodas, para me locomover pela área na qual um simples degrau não se interporia como uma muralha.

Meus pensamentos iniciais foram para James Stewart, o fotógrafo acidentado no filme de Hitchcock, A Janela Indiscreta, que acaba descobrindo um crime, graças à sua observação dos vizinhos. Em sintonia com ele tenho à minha disposição apenas esta janela nos fundos de casa, pois não sou fotógrafo, muito menos profissional. Neste quesito, aliás, tenho apenas a câmera do celular, embora não chegue a dominar todos os recursos que ela me oferece. Ah, sim: me falta também uma boa Grace Kelly. Mas aí seria querer demais.

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Filosofia e Pipocas

Vai aí um novo conto de minha autoria (ou, pelo menos, uma tentativa de fazê-lo)… Começa assim: Eu vendo pipoca na rua, em portas de colégio, de preferência. Não nasci fazendo isso, pelo contrário, estudei, cheguei até o curso médio, fiz concurso para banco e nisso trabalhei alguns anos. Depois os donos, trambiqueiros como eles só, deram um tombo no mercado e eu fiquei desempregado. Eu e mais uns dois mil… Se você gostou desta introdução, siga em frente.

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Um conto (mais um…)

Tenham paciência. Estou aposentado, sem muitas coisa para cuidar. Assim, escrevo uns contos. Aqui vai mais um. Apresento-lhes QUADRILHA MODERNA, inspirado no poema Quadrilha de Carlos Drummond de Andrade. e vão desculpando a ousadia…

João amava Teresa que amava Raimundo / que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili / que não amava ninguém. João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história.

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