| A cidade aqui é pequena e atrasada. A bem dizer, um lugar onde acontece pouca coisa – ou nada. Alguém como eu, que modéstia à parte tem alguma formação intelectual, precisa descobrir, a cada dia, um derivativo para não soçobrar em tal oceano de mesmice e lugares comuns. Eita, agora acho que exagerei no intelectualismo! Mas vamos em frente. Em primeiro lugar, é bom prestar atenção no nome que deram a isso aqui: Brejo Fundo. Mas já foi pior, antigamente era Vão do Buraco, ou apenas Buraco, só e simplesmente. Com uma sina assim, como diz um amigo daqui, o Nicanor, como é que uma cidade pode progredir? De fato, é um lugar perdido entre pouca coisa e coisa nenhuma. A verdadeira boia de salvação aqui, aliás, os dois coletes salva-vidas mais prestantes com que posso contar são, a meu ver, em primeiro lugar, o habito de ler, sim, porque a literatura é coisa salvadora de almas e, além disso, a observação cotidiana daquilo que acontece ao redor da gente. Podem achar que com isso estou fazendo profissão de fé como bisbilhoteiro, mas – juro – estou falando é de coisa mais nobre. A tal formação intelectual de que falei acima deriva do fato de eu ter me formado em Direito. Sim, sou advogado e como tal fui concursado como burocrata judiciário – ou se quiserem, serventuário, oficial de justiça, ou ainda, meirinho – sendo designado para trabalhar neste Fórum de Brejo Fundo. Eu queria ser, na verdade, Juiz ou Promotor, mas foi o que consegui, depois de um curso malfeito em uma faculdade do interior, com a necessidade acumular trabalho ainda pior, em termos de perspectivas e um curso bem errado de, digamos assim, Direito. Mas se me permitem, devo dizer: no serviço público já acumulei experiências, e o que conto aqui é totalmente baseado nisso. Antes de me embrejar aqui, exerci também atividades de fiscal de ICMS por alguns anos, passando por lugares os mais variados. Só com o nome Olhos D’água, estive em uns quatro. Rio do Peixe, dois ou três. Lugares sem nome (por falta absoluta de tal informação nas estradas), para mais de vinte. Brejo Fundo é primeiro e único até agora. Em alguns deles a informação mais firme que se poderia encontrar nas placas de estrada, aparentemente para designá-los, era borracharia. Quando não escrita com “x” no lugar de “ch”. O Fórum Carmosinda Pereira, onde dou expediente, fica lado a lado, isto é, no mesmo prédio, da Prefeitura Municipal, o que já demonstra que separação de poderes por aqui é uma coisa muito relativa, totalmente distante daquilo que sonhavam os constitucionalistas pais da pátria, fossem norte-americanos ou franceses. Aliás, não é demais lembrar que também a Câmara de Vereadores se situa aqui neste mesmo espaço. E a propósito, Dona Carmosinda foi uma prefeita daqui que conseguiu recurso para a construção do prédio há uns 20 anos atrás, mas que, apesar disso, acabou cassada pela Câmara de Vereadores, por suposta corrupção, e alijada totalmente da política. Mudou-se depois para a capital e ali, abriu uma loja de especializada em produtos da China, tendo como capital inicial, dizem, o produto da corrupção que praticou sem amarras na Prefeitura do Brejo, até ser cassada. Coisas da terra, não entrarei no mérito, longe de mim, Deus me proteja. Mas sem dúvida posso dizer que de tais personagens e ambientes sei muitas coisas; algumas curiosas, outras escabrosas. Sem querer naturalizar, outras tantas até divertidas. Sim, sei que tais personagens são eleitos pela população, de acordo com as regras que os gregos antigos inventaram, desde vários séculos antes de Cristo. Isso me faz respeitar a lida dos prefeitos, seus secretários e servidores em geral. Mas só até certo ponto, sem esquecer que esta gente nem sempre é bem compreendida pela população e especialmente por Juízes e Promotores, coisa de que me dou conta dia após dia – embora na maioria das vezes as excelências do Judiciário tenham alguma razão. Voltando ao meu colete salva-vidas, ou seja, a observação do que acontece ao meu arredor, ela me é facilitada pelo carrossel de oportunidades que o dia a dia do trabalho aqui me oferece, sendo vizinho, de corredor, de banheiro, de cantina, de calçada e de estacionamento das autoridades locais dos três poderes – ou de quem assim se considera. As coisas que me lembro aqui nem sempre são lisonjeiras para aqueles lá, os poderosos, sem querer demonstrar ao mundo dos leigos e não iniciados, com todo respeito, que seja eu um crítico intransigente da autoridade, pelo menos no plano municipal. Mas a verdade é que tenho histórias para contar – e não dá para ser bonzinho, passar o pano, como se diz. Antes que me perca nas ironias e críticas devo reconhecer algumas das virtudes, digamos, do poder local. A maior delas, certamente, é a proximidade que bem ou mal as prefeituras têm com o povão, com a real possibilidade de que quem precisa lhes bata à porta. Isso por si só diferencia os prefeitos e auxiliares diretos – para melhor – de algum burocrata em Brasília ou na capital do estado. Prefeitos roubam do erário? Sim, todo mundo sabe disso. Mas, convenhamos, quem seria mais perigoso: um prefeitinho que bem ou mal tem cidadãos e vereadores de oposição por perto, ou algum daqueles burocratas abrigados em remotas casamatas nas esplanadas da vida. Falando em casamatas, vamos por partes… Falo só do Executivo, mas se tiverem tempo para ouvir, posso incluir dúzias de casos do Legislativo e do próprio Judiciário também. Uma coisa de cada vez. |
Os gabinetes dos Prefeitos, por exemplo, são ambientes curiosos. Refrigerados ao ponto de escorrerem estalactites de gelo dos tetos. Mau gosto quase sempre presente, nos móveis, nos tapetes, nos decotes das secretárias, nos estampados dos sofás. Mas o que espanta mesmo é a quantidade de gente que faz ponto ali, por exemplo, das moçoilas de gabinete, especializadas em funções de convidar as visitas a entrar para o encontro com suas excelências, ou de servir água e café, aos motoristas das “aviaturas” chapa-branca, cuja presença, mesmo estacionadas em definitivo, suas excelências não dispensam.
Mas é sobre um segmento especial de tal fauna que quero falar aqui. Não sei bem a que se dedicam, só sei que costumam ser numerosos, gente com funções pouco definidas ou ordenanças, à espera, quem sabe, de uma ordem de cima que nunca se sabe quando virá. Seriam apenas amigos, aderentes, cabos eleitorais? Não se sabe quase nada deles, apenas que geralmente são muitos e constantes, indistintamente do sexo masculino ou feminino. Eles mostram sempre um ar de quem tem tarefas sérias a cumprir, olhando para o teto ou, no caso de alguns deles, para eventuais pernas e quadris femininos que por ali transitem. Mas para mim sempre foi um mistério saber exatamente a que se dedicam de fato.
Aquelas figuras sempre me lembravam um personagem de literatura. Pensei em Machado de Assis e Raul Pompeia tentando me lembrar, mas logo me dei conta e não foi difícil localizar nas minhas leituras um trecho daquelas afamadas Memórias de um Sargento de Milícias, de Manoel Antonio de Almeida, já com dois séculos de existência, mas que em tal quesito, atualíssimas. Com efeito, estava lá:
Passavam ali todos os dias do ano três ou quatro oficiais superiores, velhos, incapazes para a guerra e inúteis na paz, que o rei tinha a seu serviço não sabemos se com mais alguma vantagem de soldo, ou se só com mais a honra de serem empregados no real serviço. Bem poucas vezes havia ocasião de serem eles chamados por ordem real para qualquer coisa, e todo o tempo passavam em santo ócio, ora mudos e silenciosos, ora conversando sobre coisas do seu tempo, e censurando as do que com razão já não supunham do seu, porque nenhum deles era menor de 60 anos. Às vezes acontecia adormecerem todos ao mesmo tempo, e então com a ressonância de suas respirações passando pelos narizes atabacados, entoavam um quarteto, pedaço impagável.
Qualquer curiosidade sobre eles estava, portanto, ao alcance da mão esclarecer. Dois desses camaradas, os mais assíduos por sinal, adoravam atravessar o corredor e vir até setor do Judiciário para assuntar os temas do dia, desde mandados de prisão até as audiências de paternidade. Na verdade, tinham especial afinidade pelo café que era servido do nosso lado, de forma mais generosa e com mais qualidade do que no Executivo ou no Legislativo. Eram duas simpáticas criaturas, sessentões, meio barrigudos, carona gorda, sorriso fácil, conversa inesgotável. E o mais curioso: eram gêmeos, tendo sido no passado idênticos, atendendo pelos nomes de Arnoldo e Arnaldo. Foram com a minha cara e eu resolvi aproveitar a chance para fazer-lhes uma abordagem, digamos literária – ou sociológica.
Inventei para eles a história de que, como advogado, eu queria escrever um tratado sobre política, particularmente no nível municipal e que gostaria muito de saber como eram as funções e as características de cada agente da tarefa política. Vi então que, dois a dois, os olhos deles brilharam, com manifesta vontade de colaborar, talvez por acreditar que com isso suas tarefas ali no gabinete do Prefeito pudessem adquirir algum sentido. Por que não?
Nas primeiras conversas vi que Arnaldo (ou seria Arnoldo?) tinha um jeito mais direto e até abrangente o de tratar minhas perguntas. Logo pude perceber que daquela moita sairia alguma lebre. O outro, mais fechado, foi logo me perguntando se poderia responder por escrito. – Pode sim, com certeza, abreviei. O que eu queria de fato era conhecer aquele universo tão curioso, para não dizer outra coisa.
Alguns dias depois, assentei-me com Arnaldo debaixo do mulungu defronte ao prédio onde trabalhávamos e ouvi dele um depoimento bem completo.
Profissão, assim formal, me disse que nunca teve. Saiu da escola com 15 anos e nunca mais voltou. O pai queria que ele fosse padre, mas desde menino já tinha percebido que seu negócio era outro, o mesmo acontecendo com o gêmeo Arnoldo, que a família queria destinar à Polícia. Também não deu certo neste ramo.
Na política? Foi assim, o pai e dois dos tios sempre foram ligados nisso, como candidatos, ou mesmo cabos eleitorais. Eleição mesmo só um desses tios ganhou, e foi por um único mandato. Na verdade, o autêntico ramo de negócio de todos ali era ganhar eleição – para os outros – sem deixar de ter algum lucrinho também, que ninguém é de ferro. E como lucro, explicava o seguinte: uma beiradinha na mesa ou na antessala de quem fosse eleito. Antes isso era mais forte, dava melhor resultado, ele mesmo tendo sido secretário da Prefeitura numa ocasião, chegando até a morar na capital, trabalhando no gabinete de um deputado. Tudo isso foi por pouco tempo, porque depois as coisas foram piorando, quem acabava por pegar as melhores bocas eram os caras indicados pelos partidos, muitos vindos de fora e eles, os locais, cabos eleitorais de sempre, ficando apenas com as sobras, umas meias bocas muito sem-vergonhas, como aquela em que estava metido agora.
Ali no gabinete do Prefeito, sua função principal era acompanhar as visitas à Prefeitura, de políticos de outras cidades e de deputados, por exemplo. Não eram muitos visitantes, por certo, mas volta e meia aparecia algum, meio extraviado. Quando isso acontecia, já havia um carro para esta finalidade na garagem da prefeitura, um Opala velho, mas ainda prestante, que servira na primeira gestão do prefeito atual, 15 anos atrás, mas que ainda dava conta do recado. Outro dia, porém, tiveram que empurrá-lo para fazer o motor funcionar, mas por sorte o visitante era de pouca importância, um chefe de departamento de lixo de uma cidade próxima, que veio conhecer o lixão do Brejo. E o tal sujeito até ajudou a empurrar aquela furreca.
Bom mesmo, para ele, era a ocasião das festas, quando o povo comemorava o São João e apareciam uns artistas. Aí a coisa ficava animada. É claro que se fossem artistas famosos, quem cuidava disso era um Quinzinho, secretário do Prefeito, que ele considerava um cabra danado metido a besta, a se julgar o rei da boniteza. Para eles e outros bagrinhos, sobravam os artistas menos cotados, mas mesmo assim, me garantiu, dava para se divertir, depois de se apresentarem os artistas e quase sempre saírem para alguma farra.
Que tipo de farra? Seria bom nem contar com detalhes, me disse ele, porque rolam também umas poucas-vergonhas bem cabeludas. No tal do Moinho de Ouro, por exemplo, uma antiga fazenda ali perto da cidade, na qual o dono cansou de tomar prejuízo e resolveu arrendar para uns caras que vieram de fora. Criaram lá uma espécie de cabaré, com música de disco, roda de viola e depois de uma certa hora, a presença de uma muiezada de fazer gosto – e gasto. Esta era a parte mais divertida, mas também complicada, porque era preciso disfarçar o tempo todo do povo da oposição, principalmente de uma vereadora inimiga, a tal da Zuzu, que ele designou como uma pecinha sem graça e sem valor, gente de esquerda, que não vale nada.
Aquilo era o normal na entressafra, como ele denominava o tempo em que não há eleições a vista, nem as daqui do município, nem aquelas para deputado e governador. Mas quando elas chegavam, aí o bicho pega, tem que ficar muito esperto, correr atrás de eleitor o tempo todo, andar por cada biboca que até Deus duvidaria que existisse. Mas gostava disso, sem dúvida: porque é nessas horas que eu mostro o meu valor. Nisso aí se incluía distribuir cestas básicas (que a primeira dama preparava), passes de ônibus, consultas no SUS – essas coisas por assim dizer “normais”.
Garantias? Nenhumas… Coisa complicada tal profissão. Pra ter garantia, me disse, era preciso ganhar a eleição, o que nem sempre acontecia, claro. Na penúltima, por exemplo, ficaram na mão – e na penúria. Mas depois era sempre possível dar a volta por cima. Em relação às próximas, daí a dois anos, contudo, tinha fortes dúvidas.
Dava pra ganhar um dinheirinho? Ficou em dúvida se poderia de fato revelar tal coisa… Lembrou que eram contratados, ele e os demais, sem concurso, e que recebiam mixaria, um salário mínimo e pouco – e olhe lá. Mas eles, os de cima, arranjam sempre umas vantagens, pagamento de diárias por exemplo, sem que se precisasse de fato viajar. Deus o livrasse de viajar de verdade, porque se fosse assim o dinheiro não pagaria nem um PF em uma birosca qualquer. Ouvia sempre dizer também que havia uma turma contratada sem obrigação de vir trabalhar, mas que no final do mês deixavam uma parte do ganho com o Secretário do Prefeito e com este dinheiro, ou parte dele, melhoravam um pouco o valor que recebiam. É o que diziam, ele não tinha certeza, nunca vira de perto aquilo acontecer, nem tinha como, claro.
Quis saber de mim, que era um homem da Justiça, se havia algum jeito de ser diferente, com o tanto de fiscalização que colocam em cima das prefeituras hoje em dia. Por ele, pensava, tinha que ser assim mesmo.
Dito isso, concluiu: o que sei é que tenho que me virar. Dar uns trocados para a Maria ir à venda, abastecer o Corcel II que tenho, pagar uma cesta para minha mãe. Como é que eu ia viver? Acho que meu trabalho é de muita responsabilidade. Sério!
Arnoldo, o irmão-gêmeo de Arnaldo, me mandou um texto, pouco mais que um bilhete, rabiscado em papel almaço amarrotado, sobre o qual me avisou: olha, o senhor pode dar uma ajeitada nisso que está escrito aí, porque eu infelizmente sou de pouca letra.
O texto, uma vez ajeitado por mim, dizia o seguinte:
Meu trabalho aqui é de resolver os problemas do Prefeito e do Secretário da Prefeitura. Por exemplo, receber uns aluguéis, pagar as contas deles e outras coisas assim. Uma vez por semana fazer a feira e levar até a casinha de uma senhorinha que é amiga do Prefeito, a Stela, onde ele vai quase todo final de tarde, para espairecer um pouco da luta brava que é tomar conta de um lugar como este. Tenho também de acompanhar, quando me chamam, as batidas de um Azevedão, policial aposentado que cuida da segurança do prefeito. Olha que aqui as coisas são barra-pesada. Algumas das saídas do Azevedão, por exemplo, têm que ser feitas com mais dois ou três cabras decididos do lado dele, e eu sou um deles. Porque volta e meia a coisa se resolve aqui é bem na base do pé na porta. Ganho pouco, mas acho que é o que a Prefeitura pode pagar. O Azevedão às vezes faz uma complementação para mim, mesmo sem eu pedir, mas eu sei que ele tira muito mais em algumas das empreitadas que pega, porque tem uns malandros aí que pagam para não ir presos ou para não levar uns bons tapas. Atendo a dona Hortência, também, que é a mulher oficial do prefeito. Faço compras, busco encomendas. Ela ganha muitos presentes, por exemplo, na época das licitações da Prefeitura, mas exige que sejam buscadas no meio da noite, para não chamar a atenção de alguém mal intencionado. Acho que ela está certa; o povo aqui é muito falador. Acho que é assim que funciona. Não tenho mais nada a dizer, ou melhor, a escrever. Espero que o senhor fique satisfeito. Agradeço e peço licença para encerrar esta conversa, que já está me deixando preocupado. Permite?
Quanto informação, meu Deus! Mas não resisto, por conta própria, acrescentar umas coisinhas … Nicanor, meu primeiro-amigo aqui, responsável pelo controle da dengue no município, me relatou situações problemáticas e impeditivas no controle da endemia, com necessidade de mudanças substanciais, no entanto quase sempre rejeitadas liminarmente pelo Prefeito, sempre sob argumento do tipo: com isso aí não posso mexer. Coisas banais como aplicar fumacê, alocar mais gente numa área de infestação brava de pernilongos, remover ou mudar funcionários de lugar, afastar de vez algum inadimplente. E em “isso aí” se poderia incluir o tanto o marido de uma vereadora (ou vice-versa), ou um cabo eleitoral, um médico que colaborou na última eleição ou simplesmente algum outro intocável, sem que se explicitem razões, digamos, republicanas, ou pelo menos lógicas, para tal qualificação.
Nas conversas de café, percebi também que a ida de algum assessor ou outro funcionário para reunião fora do município, costumava fazer o tempo fechar, pois com certeza confiança e autonomia são palavras que não costumam constar do dicionário da autoridade municipal, sendo trocadas por submissão e dependência. Isso não valia, claro, para o próprio Prefeito, para a Primeira Dama, para o Primeiro Secretário Quinzinho.
Dá para imaginar: com intocáveis de um lado e uma multidão de “desempoderados”, de outro, fica realmente difícil, se não impossível, fazer alguma coisa que preste.
E já que se falou em Primeira Dama… Aqui é preciso fazer justiça, pois assim como a presença de corruptos na administração, as besteiras de tais personagens não seriam, nem de longe, uma prerrogativa municipal. Mas que como diz o adágio espanhol, que elas existem, existem, e aliás aprontam de tudo, desde terem sala ao lado do marido-prefeito, de onde comandam, formal ou informalmente, segmentos inteiros da máquina pública, até distribuírem, por conta própria, medicamentos adquiridos pela Prefeitura, sabe-se lá mediante quais critérios. Ah, sim, sem esquecer do comando das ambulâncias, aquelas “aviaturas” que, como se sabe, foram feitas para transportar eleitores, não exatamente pacientes.
História sublime sobre essas indefectíveis criaturas da política brasileira: certa vez, quando eu era ainda auditor, fui apresentado a uma espécie de atlas ou almanaque onde constavam as informações mais importantes sobre municípios, coisas como nome do prefeito, partido do mesmo, população, economia local, recursos públicos disponíveis, IDH, orçamentos, instituições locais, área em km2 etc. Até aí, tudo bem, mas havia outra informação surpreendente: o nome da primeira dama e sua data de seu aniversário! Para que seria? Os floristas e a fábrica de chocolates Kopenhagen, na melhor das hipóteses, poderiam informar.
Para encerrar este desabafo, recorro a meu amigo Nicanor, este misto de mata-mosquito e filósofo: Quem não vigia se atrofia. Cidadão que é cidadão mesmo não dá moleza pra governo. E eu completo: mas para isso é preciso que vigiados e vigias adquiram vergonha na cara. E que se revoguem, se houver, disposições contrárias.
Voltando a Arnoldo e Arnaldo: são apenas humildes testemunhas e vítimas da falta que a tal vergonha na cara nos faz, desde sempre.
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