Viagem ao Gerês, Portugal, 2025

Peneda-Gerês, um parque natural em Portugal. Eu já havia estado lá, em 2015, mas tive nova oportunidade, em março de 2025, de fazer uma viagem mais profunda, embora com a duração de apenas um dia, na companhia de meu amigo Eduardo Guerra, agora transformado em cidadão português. O Parque Nacional da Peneda-Gerês é uma área protegida, o único parque nacional em território português, situado no extremo norte do país, entre as regiões do Minho, Trás-os-Montes e a Galiza, passando ao outro lado da fronteira com a Espanha, onde é chamado de Xurés. É um território de serras e florestas sem fim e dele muito bem disse meu amigo Eduardo: eu pensei que conheci montanhas em Minas Gerais, minha terra, mas foi aqui que as vi de verdade. Ali nascem dois grandes rios portugueses, nenhum deles comparável ao Amazonas ou mesmo ao São Francisco, por certo, mas repletos de histórias e tradições: o Lima e o Cávado. Aliás, em Portugal, os rios sempre correm da fronteira com a Espanha (ou do próprio território espanhol) para o mar. No primeiro caso estão estes dois aí citados, além de outros) e na segunda versão o Minho e o Tejo, que possuem berço espanhol. O Gerês fica a nordeste de Portugal, tendo como cidades mais importantes dentro de seus limites Braga, Guimarães, Ponte da Barca, Arcos de Valdevez e Vila Real, além de outras. Esta área é considerada pela Unesco como Reserva Mundial da Biosfera, importante na conservação do solo, da água, da flora, da fauna e da paisagem. A prestimosa Wikipedia o define como uma das maiores atrações naturais de Portugal, pela rara e impressionante beleza paisagística e pelo valor ecológico e etnográfico, além da variedade de sua fauna, que inclui corças, lobos, cabras selvagens e aves de rapina, além de uma flora exuberante, na qual se sobressaem pinheiros, teixos, castanheiros e carvalhos. Pela área do parque passou uma antiga estrada romana, a Geira, que ia de Braga a Astorga, na região central da Espanha. Vamos por partes.

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Gerês e Peneda, qual a diferença? Fazem parte de um mesmo grupo de montanhas, uma mais ao Norte (Peneda) e a outra logo abaixo dela. É bom lembrar que não há montanhas muito altas em Portugal. Na serra da Estrela, por exemplo, uma daqueles Dom-João, teve que mandar fazer uma torre para que a altitude registrada chegasse a dois mil metros. Aqui no Gerês ela chega no máximo a 1700m, mesmo assim em poucos lugares.

Em saboroso linguajar autóctone eis como tal lugar Peneda é descrito em um texto lusitano:

<<O lugar da Peneda pertence à freguesia da Gavieira, concelho de Arcos de Valdevez, sendo muito conhecido pelo Santuário da Nossa Senhora da Peneda. A aldeia desenvolve-se sobretudo na margem esquerda do rio da Peneda, nas cotas mais baixas da vertente, libertando o sopé do vale, de solo mais fértil, para a veiga agrícola. O lugar tem um enquadramento paisagístico de rara beleza, do qual sobressaem o verde da veiga, o cinzento do granito e a localização improvável do monumental Santuário da Senhora da Peneda. Para além do Santuário, o local é também muito procurado pela imponente queda de água, com um desnível de 30 metros de altura, bem como pela fraga da Meadinha, muito conhecida entre os escaladores e caminheiros.>>

Cabe lembrar que não foi por estas bandas que estivemos desta vez, embora eu tenha passado por Arcos de Valdevez da outra vez.

Em tempo: Veiga em Portugal é o nome que se dá às áreas destinadas ao plantio de espécies de interesse econômico (uvas, frutíferas, trigo etc). 

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Aquela famosa frase do Grande Sertão: Veredas, sobre o melhor de uma jornada estar na travessia (“o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”) aqui se aplica à perfeição, embora as várias chegadas que fizemos também nos fossem agradáveis.  Com efeito, é uma natureza admirável, com um novelo de montanhas que não se acaba nunca, mas vai gerando outros novelos iguais, com belas e estreitas estradas que parecem a todo momento nos devolver a pontos de partida. A selva, nos parâmetros europeus, pode não ser nem de longe como as nossas matas Atlântica ou Amazônica, mas não perdem muito nas tonalidades do verde, na sombria umidade que as permeia, nos inúmeros e valentes rios que se despejam daquelas fragas. Valentia, é bom que se diga, domada por uma sucessão de represas, aqui transformadas em calmos lagos, pictóricos e memoráveis.

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Para ir ao Gerês é preciso, antes, saber de que se trata e de como apreciar esta interessante obra humana: a Espigueira. Parece que em alguns textos ela é tratada no masculino: Espigueiro, também conhecido(a) como canastro, caniço ou hórreo. Pois bem, trata-se de uma estrutura característica, não só de Portugal, mas de todo o noroeste da Península Ibérica, construída em pedra e madeira, assentada sobre pilastras de pedra, com a função de armazenar espigas de milho, favorecendo a sua secagem através de aberturas laterais e também protegendo-as do ataque de pássaros e roedores. Para barrar os roedores, as pilastras de sustentação são equipadas com discos de pedra do tamanho de pneus, uma loucura. Poderia ser lata também, mas como a pedra sempre foi, historicamente, muito abundante por ali, assim são feitas. No mais, como o milho requer que seja colhido no outono, que na Europa corresponde aos meses de abril, maio e junho, o seu grão precisa estar arejado para subsistir ao inverno. As (os) espigueiros(as) podem ser encontrados em toda a região Norte de Portugal, em particular no Minho, mas também na vasta região de Peneda-Gerês. Quem andar por ali há de encontrá-las em toda parte, como se fossem pequenas capelas espalhadas pelos campos, ou mesmo ao redor do casario. Curiosamente, seu aspecto lembra, às vezes, as sepulturas, posto que muitas vezes são adornadas com pequenas cruzes, também de pedra, em suas cumieiras. Mas é algo que tem a ver com a vida, não com a morte.

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A região do Gerês não tem densidade populacional alta, devido a suas características montanhosas e pedregosas. Aqui e ali se veem pitorescas aldeias, formadas por algumas dezenas de casas, ou nem isso, quase sempre construídas em pedra. Tivemos oportunidade estar em duas delas, Capril e Fafião (interessante como muitas aldeias portuguesas têm nomes no aumentativo, como Marvão e Piódão, por exemplo, além desta Fafião). Esta Fafião é um lugar ajeitado. No alto da serrania, em paisagem agreste, cercada de vegetação rasteira, na qual predomina a urze, com pedras por todos os lados, sempre assolado por tremenda ventania . A vista para todos os quadrantes é magnífica, da mesma forma que a disposição de seu casario, distribuído ao longo de três ou quatro ruas inclinadas, sempre a mostrar paredes de pedra muito bem polidas e assentadas. O pessoal ali trata a pedra como se fosse manteiga… A maior parte das casas abriga moradores, talvez gente que ganha sua vida no local, como fazendeiros, ou mesmo pessoas de fora que chegam ali para curtir a natureza, de forma permanente ou através de aplicativos de aluguel. Chamou-nos especialmente a atenção o simpático restaurante situado no centro da aldeia, que certamente é voltado mais para turistas do que para os locais, onde se pode comer um bom prato de carnes, embutidos e legumes, aquilo que por aqui e por lá se chama cozido, em ambiente muito agradável e com o excelente serviço de duas funcionárias africanas, também muito simpáticas e agradáveis. A outra aldeia, Capril, é mais modesta, mas sua dúzia de casas se completa com outras construções pelos morros, além de uma pequena rua perpendicular onde existe uma igreja no estilo românico e um cemitério. Tudo muito formoso. São lugares de se voltar. 

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Fafião ainda nos oferece outra atração: o Fojo dos Lobos. Esta palavra fojo tem tudo para ser um arcaísmo, ou alguma coisa que só é conhecida atualmente em Portugal. Mas está nos dicionários modernos, daqui e de lá, significando simplesmente armadilha ou artefato para captura de animais. Mas há armadilhas e armadilhas, além de arapucas diversas. No caso, o tal fojo é um poço cavado no chão, mas rodeado, em forma de um amplo “V” formado por muros de pedras. A ideia motriz é (ou era) a seguinte: os lobos – um terror na antiga sociedade pecuarista de ovelhas – eram conduzidos (ou espantados) em direção ao vasto funil formado pelos muros, até avançarem para o ponto mais estreito do mesmo, onde havia um grande fosso a aguardá-los, dentro do qual eram abatidos a pauladas. Terrível, não é? Mas o fojo é coisa da Idade Média, deve ter sido abandonado quando do advento da pólvora e das armas que a mesma permitiu serem inventadas.

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A paisagem sempre agreste do Gerês tem sua marca principal nos píncaros cinzentos de granito que nos rodeiam por toda parte. Não deixa de ser um cenário meio triste, sem deixar de ser pictórico. Entremeados a estes, terrenos de pouca ou nenhuma árvore, a não ser raquíticos pinheiros e a vegetação rasteira e espinhosa das urzes, sempre abundante, da qual, aprendemos, as abelhas retiram o pólen para fabricar um afamado mel. Mais uma prova de que de onde menos se espera podem sair coisas boas.

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Ali ao pé de uma serra próxima a Fafião, pudemos visitar a Ponte do Diabo, uma resistente obra milenar, do tempo dos romanos. Reza a lenda, ou pelo menos as placas que existem por ali, que as tropas francesas de Napoleão foram barradas nesta passagem. Aliás, li algo assim também em Amarante, bem mais ao sul. Pode ser uma coisa e/ou outra, ou nenhuma das duas. Mas o curioso é que ali no Gerês a narrativa é clara: foi a luta dos populares que barrou os terríveis franceses. De toda forma, em um país cujo rei havia fugido covardemente para o Brasil, sem deixar um governo visível, quem poderia fazer de fato alguma coisa seriam realmente os tais populares.  Viva o povo português, portanto.

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Ao descermos para a Ponte do Diabo uma cena imprevista. Subindo a ladeira, em sentido contrário, havia uma fileira de motos – em termos brasileiros uma motociata. Mas nosso susto durou pouco, era um simples e pacífico passeio sobre duas todas, que se estancou, com os motores devidamente desligados, para aguardar a nossa passagem. Brasileiros escaldados têm medo de água fria…

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Aqui no Gerês, mais uma vez, me surpreendo com a qualidade das moradias rurais em Portugal. Já havia percebido isso em outras parte do país, por exemplo, no Alentejo, na Serra da Estrela, no Minho como um todo. Fico imaginando se quem mora nessas casas são os fazendeiros ou seus empregados. No Gerês, com tanta pedra e morros, com certeza não haveria lugar para atividades agrícolas muito rendosas, talvez o turismo seja dominante. Isso me indica que talvez parte dessas casas sejam de pessoas da cidade que as utilizam para momentos de lazer ou, quem sabe, residem ali, mas trabalham em alguma cidade próxima. De toda forma este me parece um aspecto que é frequente em todo o país . Para não falar das boas casas simplesmente fechadas, quase hermeticamente, que se veem por toda parte. Sobre essas já obtive uma explicação: tratam-se de investimentos que os muitos portugueses emigrados para os diversos países mais ricos fazem em suas aldeias natais e que ficam fechadas esperando seu regresso definitivo, que nem sempre acontece, ou suas eventuais férias anuais. ]

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Outra impressão que marca brasileiros em passeio por Portugal: os rios, de qualquer tamanho, impecavelmente limpos, não poluídos. Talvez seja esta a melhor lembrança que se pode levar daqui. No Gerês isso se aplica a cem por cento dos cursos d’água.

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E para terminar a saborosa memória dos nomes de lugares em Portugal, no caso, de extração geresiana: Arcos de Valdevez, Fojo de Lobos, Póvoa do Lanhoso, Soajo, Lindoso, Fafião, Capril, Terras de Bouro, Montalegre, São Bento da Porta Aberta, Castro Laboreiro, Cubalhão, Pitões das Junias, Portela do Homem, Miradouro da Boneca… e por aí vai.

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Agora a iconografia:

Estrada em Fafião

Arquitetura românica em Cabril

O Fojo dos Lobos, Fafião

Uma Aldeia portuguesa, com certeza: Cabril

Os píncaros cinzentos do Gerês (e eu em azul)

De novo os píncaros (e o frade misterioso)

Um amigo geresiano.

Para não dizerem que ele não foi contemplado na presente iconografia: meu companheiro de viagem Eduardo

A Ponte do Diabo

FIM

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