Tive inéditos momentos de “queridinho” quando cheguei em Uberlândia, para ser o professor de Doenças Infecciosas e Parasitárias, em 1975, na recém-nascida e de nome redundante Escola de Medicina e Cirurgia. O fato é que agradei tanto, que no final do ano, tendo sido professor de duas turmas sucessivamente, uma “da vez” e a outra em atraso com a matéria, fui lembrado pela representação dos alunos no colegiado da faculdade como eventual indicado do corpo discente para a direção da instituição. Era demais para mim, bem o sei, mas devo dizer que me fez muito bem para a autoestima.
Mas felizmente tais proponentes tiveram a sabedoria de se dobrar a outro nome, no caso, Arnaldo Godoy de Souza, um dos fundadores da faculdade e velha raposa política, mas portador de grande e benfazejo carisma, perfeitamente talhado para uma missão assim. Chegou aos meus ouvidos, dias depois, que outro dos fundadores, José Olympio de Freitas Azevedo, que havia se afastado do dia a dia acadêmico por desavenças grupais internas, compareceu à tal reunião em que meu nome foi apresentado. Eu nem o conhecia pessoalmente, mas apenas pelo nome que ainda ecoava nos corredores. E ele não deixou por menos: quem é esse sujeito que eu nem conheço que vocês já querem indicar para diretor, assim sem mais nem menos? Um de seus adversários, presente, não perdeu a oportunidade de ironizar, criticando-o por ter se afastado das atividades docentes e que, por isso mesmo, nem mesmo saber quem era o jovem professor que os alunos tanto apreciavam ao ponto de recomendar seu nome para o cargo máximo da instituição. Tudo teria ficado por isso mesmo, até que um dia…
Creio que era um domingo. Eu estava em casa distraindo as crianças. O telefone toca. Era José Olympio, pigarreando nervosamente, coisa que mais tarde descobri ser um tique de ansiedade nele. Queria porque queria conversar comigo. Urgente. Na sua ansiedade acabou dizendo o motivo: queria me pedir desculpas. E eu não conseguia saber exatamente por que. Afinal haviam se passado meses desde que proferiu aquela frase infeliz. E ele veio, com cortesia e humildade, agora mais calmo. Disse que realmente cometera um erro, mas que logo tivera outras informações sobre a minha pessoa e que julgava agora que eu era totalmente merecedor do cargo. Aliás, completou, a faculdade estaria em mãos muito melhores se fosse eu o diretor (não nos esqueçamos: ele pertencia ao grupo rival a Arnaldo Godoy). Ri muito, agradeci e lhe reiterei que não precisava se preocupar, por não houver derrota para mim, que nem pleiteara aquilo e, muito antes pelo contrário, a sensação que tinha era de alívio em não ter sido escolhido na ocasião.
Ato contínuo me convidou e a Eliane para uma festa de sua família e me apresentou a muita gente graúda em Uberlândia, inclusive ao futuro prefeito Zaire Rezende, que tinha com ele relações de família, com quem acabei indo trabalhar como Secretário Municipal de Saúde em seus dois mandatos. Nem sempre tivemos sintonia ideológica. J. O. era simpatizante do velho Partidão, honrando a memória do pai, Afrânio de Azevedo, deputado federal pelo mesmo na Constituinte de 1946. Tinha como lógica política aquela história de se abrir a alianças heterodoxas, mesmo com os inimigos de ontem, se a causa fosse justa. Eu, nem tanto. Mas perdoemos, o que se viu mais tarde, com a esquerda no poder, foi exatamente isso.
O que de fato importa é que entre nós sempre prevaleceu uma relação de amizade e muito respeito. Aquela manhã de domingo, entre um pigarro nervoso e outro, mostrou para mim a têmpera humana daquele cara, capz de ser humilde sem afetação. Lamento muito as últimas notícias que tive de José Olympio, preso ao mundo escuro e sem comunicação da Doença de Alzheimer ou alguma síndrome assemelhada. Mas ele deixou sua marca na história da Faculdade de Medicina da UFU e da própria cidade de Uberlândia, sem dúvida.
Hoje, 31 de maio de 2025, fiquei sabendo que ele descansou, merecidamente.
