No auge da seca o cerrado é capaz de coisas extraordinárias, como a florada do cega-machado. E ela não vem sozinha, entrando em cena ainda com os ipês exorbitando sua amarelice, concorrendo com os ipês-rosa, embora estes sem dúvida sejam mais modestos do que ela e antecedendo, por pouco tempo, a alvura de neve de outros ipês e também explosão variegada de sapucaias e cagaiteiras. É um tempo de farra florística e cromática na qual ninguém ousaria botar defeito! Vamos ver o que nos dizem os tratados botânicos.

O Cega-Machado, cientificamente conhecido como Physocalymma scaberrimum, da família Lythraceae, é árvore de porte razoável, com até 25 metros de altura, cascuda, com folhas que caem durante a estação seca, com seu caráter mais notável representado pelas inflorescências de 10-18cm de comprimento, com frutos (cápsulas) contendo sementes muito pequenas, aladas e arredondadas, produzidas em quantidade exuberante. É planta que gosta de sol, de caráter pioneiro, exclusiva de matas de transição para o cerrado (cerradões), sendo também frequente de forma isolada em áreas de pastagens. Está presente em todo o nordeste do Brasil, além de estados da região Centro-Oeste. Suas flores são muito vistosas e de coloração lilás, surgindo no auge da seca, ente agosto e novembro, variando sua coloração entre o rosa mais claro, praticamente branco ao quase violeta. Seu nome vem de sua madeira pesada (densidade de 85g/cm³), muito dura ao corte, resistente e moderadamente durável.
O cega-machado é uma das espécies que marca, ano após ano, o calendário florístico do Planalto Central, no qual, pelo menos daqui do DF, a mão do homem fez suas intervenções. Fico às vezes pensando que uma planta como esta, tão exuberante, representa boa maneira de não sucumbirmos totalmente às agruras da estação seca aqui no planalto, que não raramente chega a quase percentuais de apenas um dígito, ou quase isso, além de nos oferecer dias que parecem não fluir dentro da secura do ar. Assim, creio ser vantajoso para nós, os seres humanos, nos ligarmos a essas variações da natureza ou, pelo menos, aprendermos a acompanhar e mesmo ansiar por elas.
Assim, a cada momento do calendário anual temos presentes da natureza a nos confortar, por exemplo, em ordem cronológica:
- Em janeiro e parte de fevereiro temos a explosão amarela das canafístulas, que alguns também denominam de cambuís.
- Em março e abril, que se abram alas para as paineiras, ditas também barrigudas, que colorem a nossa vida de tons variados de rosa e até mesmo de branco, além de nos presentearem com uma espécie de nevada formada pelas leves plumas de suas sementes aladas.
- Maio e junho as raras paineiras que ainda mantêm sua florada, são substituídas em seu festival de flores pela honrosa companhia dos ipês roxos, que vêm para durar, no mínimo dois ou três meses.
- Em julho, aqui e ali ainda de forma tímida, mas preparando uma entrada em cena ampla e gloriosa para o período seguinte, chegam os ipês amarelos.
- Em agosto, com a seca inclemente e dias de céu impavidamente azul, embora ainda seja inverno, faz um calor dos diabos, é momento em que o reinado absoluto é dos ipês amarelos.
- Na virada para setembro o festival é exorbitante: o roxo, em diferentes tons, do cega-machado e do jacarandá-mimoso; a alvura dos ipês correspondentes; a beterraba das sapucaias; a pálido espetáculo dos ipês-rosa; a imitação glamorosa das cerejeiras japonesas realizada pela caipiríssima cagaita.
- Outubro é mês de descanso, pelo visto, mas aqui e ali já surgem novos personagens, por exemplo, a florada tímida e delicada das sucupiras brancas.
- Como nem tudo é autóctone ou endêmico por aqui, que venham as cores quentes dos flamboyants, entre o amarelo, o laranja e o vermelho, que aparecem entre outubro e em novembro, sem esquecer da indefectível carga amarela das sibipirunas.
- E em dezembro, retomando o ciclo sempre esperado e festejado, é hora de as canafístulas voltarem à cena.
