Até há poucos anos atrás este nome era de conhecimento circunscrito aos moradores de Brumadinho, na região metropolitana de BH e, fora disso, no máximo aos viajantes ou trabalhadores da Estrada de Ferro Central do Brasil, por denominar uma estação da mesma, em tal município. Senhor Tim, um inglês de nome Timothy, dos primórdios da mineração do ferro no século 19 na região, talvez seja uma possível origem de tal nome, mas há outras explicações, que não caberia detalhar agora. O fato é que hoje todo mundo sabe o significado dessa denominação. Vamos ver o há na web sobre tal empreendimento diz:
<<O Instituto Inhotim é a sede de um dos mais importantes acervos de arte contemporânea do Brasil e considerado o maior museu a céu aberto do mundo.[1][2] Está localizado em Brumadinho (Minas Gerais), uma cidade com 38 mil habitantes, a 60 quilômetros de Belo Horizonte. O Instituto Inhotim localiza-se dentro do domínio da Mata Atlântica, com enclaves de cerrado nos topos das serras. Situado a uma altitude que varia entre 700 metros e 1 300 metros acima do nível do mar, sua área total é de 786,06 hectares, tendo como área de preservação 440,16 hectares, que compreendem os fragmentos de mata e incluem uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), com 145,37 hectares. A instituição surgiu em 2004 para abrigar a coleção de Bernardo Paz, empresário da área de mineração e siderurgia, que foi casado com a artista plástica carioca Adriana Varejão, e há 20 anos começou a se desfazer de sua valiosa coleção de arte modernista, que incluía trabalhos de Portinari, Guignard e Di Cavalcanti, para formar o acervo de arte contemporânea que agora está no Inhotim. Em 2014, o museu a céu aberto foi eleito, pelo site TripAdvisor, um dos 25 museus do mundo mais bem avaliados pelos usuários.>>
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Pois bem, no último mês de agosto estive por lá – e não foi a primeira vez, talvez a terceira ou quarta. Se gostei da visita? Não posso negar que sim, mas vou começar com um spoiler: mais do que das extravagâncias miliardárias dos artistas que ali expõem, apreciei, mais uma vez e como sempre, a exuberância da natureza que ali se vislumbra, nem toda ela totalmente endógena, mas ainda assim espetacular. Aos poucos vou me explicando, e assim aqui vão minhas anotações de viagem, em forma de conta-gotas (algumas um tanto amargas, pero sin perder la ternura).
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Para chegar ali, cabe dizer que é quase inacreditável ser preciso enfrentar algumas dezenas de km de estrada sofrível, pontilhada por crateras, crivada de quebra molas e açoitada por um tráfego insano, se ali – logo ali mesmo – há uma estação ferroviária da antiga Central do Brasil, que liga o lugar diretamente a BH. É que neste quesito há outras artes em jogo, representadas pela exploração do minério que os chineses e outros povos além-mar consomem avidamente, para alimentar os fornos de suas aciarias e, na sequência, nos devolver sob a forma de automóveis, trilhos, locomotivas, vergalhões e muitos artefatos mais.
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Voltando às extravagâncias artísticas referidas acima: coisa boa é trabalhar sem precisar de se prender a orçamentos. Veja-se, por exemplo, a exposição de duas ou três dúzias de fotografias um ilustre retratista, com foco em gente e respectivas manifestações folclóricas, além de algumas instalações, que parecem panos ao vento em algum varal, abrigada com exclusividade total em uma casamata luxuosa, cujo custo talvez se justificasse se fosse para abrigar alguma Monalisa ou Demoiselles D’Avignon… É assim que começa a nos buzinar nos ouvidos a pergunta que vai se repetir ao longo da visita a outros pavilhões de tal museu a céu aberto (às vezes não tão aberto): quanto custa? Quem paga tudo isso? Para um pai de artista, bem o sei, trata-se de uma indagação verdadeiramente sincericida – mas o fato é que não consigo obter resposta tranquilizadora para isso, bem como sobre alguma forma superá-la.
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Mas, pensando bem, está tudo muito correto. É preciso, de fato, expandir o contato das pessoas comuns, não apenas dos iniciados, com a Arte, mesmo em suas modalidades mais sofisticadas ou mesmo herméticas. Mas sei-não, me é impossível abandonar a ideia de que aqui talvez haja um bocado de desperdício. Pior ainda se houver renúncia fiscal ou alguma forma de utilização ou desvio de dinheiro público. A tal casamata que abriga fotos bem comprova tais sinceras preocupações.
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Inhotim será um programa realmente completo e apetecível no dia que incluírem no cardápio da visita, tão pomposo e detalhista no caso das obras de arte, na visão dos tais curadores, informações botânicas e ecológicas sobre a natureza que as rodeia, mesmo que não seja com detalhes, digamos, profissionais.
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Detalhe (positivo) e interessante: muita diversidade humana por aqui. Jovens, muitos jovens, inclusive em excursões escolares. Muita gente mais velha, como eu, para quem os carrinhos elétricos representam literalmente uma mão na roda, embora dependam de taxas não de todo desprezíveis. Tem também pessoas que pelo seu jeitão, roupas e atitudes, talvez não pertençam – nem de longe – às classes média e alta da Zona Sul de BH.
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Mas grita a pergunta: e a turma raiz do funk e do sertanejo, será que realmente gostaria disso aqui?
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Estes açudes bucólicos, de águas tão verdes… Não seriam compatíveis com o ferro nas montanhas ao redor, que daria a elas uma previsível coloração ferruginosa? Coloração fake, me parece. Mas no meio de tanta “arte”, que também merece dúvidas e até mesmo aspas, podem e devem passar por totalmente reais e assim incorporados, de forma coerente, à paisagem geral.
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Dizem (algumas línguas malfazejas…) que aqui rolou muita isenção fiscal, o que não deixa de ser uma muralha para se ocultar corrupção. Mas em nome da Arte será que tá valendo? Já a moldura do velho leão da MGM avisava: Ars gratia artis… Mas de fato não sai de graça.
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E viva essas moças e rapazes do Vale do Paraopeba, de Bonfim a Betim, passando por Brumadinho e outras comarcas alhures, que encontram meio sólido e digno de ganhar a vida aqui em Inhotim, seja guiando os carrinhos elétricos, vendendo lembrancinhas sofisticadas e caras nas butiques, servindo em elegantes cafeterias e restaurantes, até mesmo ajudando pessoas a entenderem de maneira mais abrangente o que é Arte.
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Pra que serve um curador, afinal? Acho divertidos aqueles textos que ladeiam as obras aqui expostas. Seu hermetismo é notável, às vezes até cômico. Explicam o inexplicável ou o que simplesmente não necessita de explicação. Acrescentam complicação diante do óbvio – ou do irrelevante. Diante deles me lembro de Drummond, que ao tomar conhecimento de uma tese de doutoramento na USP sobre aquele seu poema da pedra no meio do caminho exclamou algo como: eu me senti um monstro de obscuridade e trevas. E arrematou lembrando que escrevera aquilo apenas para chocar a burguesia de seu tempo, nada mais.
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Adriana Varejão, artista e Bernardo Paz, empresário: de tal casamento nasceu Inhotim. Isso parece dar uma quadrinha, quem sabe um haikai ou mesmo letra de samba, por exemplo: vem Varejão, vai Paz; muito artista por aqui, não sabe bem o que faz…
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Inhotim pelo menos demonstra que o Vale do Paraopeba não é apenas o desastre do Córrego do Feijão, no qual a mineração, em janeiro de 2019, matou mais de duzentas pessoas e dizimou a vida de peixes e outros seres vivos em uma vasta extensão do rio. Aqui, seja como for, há vida, há emprego, há uma atividade econômica que não polui e nem mata.
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Curiosidade geográfica: o Funil do Paraopeba, onde um rio que vem calmamente fazendo seu curso por um largo vale, de repente atravessa uma montanha, à procura de seu Chico de destino. Quem souber que explique.
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A dolorosa realidade da cidade de Mario Campos, obrigatório trajeto para se chegar até aqui. Que lugar mais desajeitado, meu Deus! Uma sucessão de quebra-molas, com casas mal ajambradas, sem praças, sem parques, sem calçadas, sem outros sinais de conforto urbano e vida digna. No meio de tudo um cruzamento de estrada de rodagem com linha de trem. O rio está logo ali, mas do outro lado dele o antigo e lúgubre leprosário de Santa Isabel, hoje Citrolândia. Será que isso algum dia isso vai tomar jeito? Nem com uma dúzia de projetos como este de Inhotim tal dilema seria resolvido, acredito.
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Curiosidade estradeira: por aqui passa o caminho ferroviário para o Rio de Janeiro, que já foi novo; mas por aqui segue, ao mesmo tempo, o velho caminho rodoviário para São Paulo. E daí? Nada…
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Metástases da grande cidade são os condomínios fechados pelo vale do Paraopeba a fora. Para o bem e para o mal; miséria e redenção.
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Mais INHOTIM…






