Esperando Bardot

Mulher é comigo mesmo. Já tive muitas – e para falar a verdade ainda me disponho a conhecer mais. Não. Não sou desses caras aí que ficam escondendo o jogo, se fingindo de santinhos. E nem daqueles que não arranjam nada na vida e dão para inventar histórias. Comigo, não. Se perco, faço a volta por cima – e depressa. O que me move é a beleza, a mais verdadeira que possa haver. Corro atrás disso sempre – e não me arrependo.

Julia, por exemplo, a americana. Magrinha, esguia, mas que corpo, meu Deus! Aquele olhar de gazela assustada. Eu a conheci na rua, subindo e descendo por Rodeo Drive. Pretty Woman, era como eu a chamava, porque até aprendi um pouco de inglês para usufruir melhor da companhia dela. Julinha sempre de minissaia, palmo e meio de coxas à mostra, aliás, seu traje predileto. E que pernas, Jesus Cristo! Aquilo mais mostrava do que escondia aquelas belas gambas, que lhe pareciam surgir desde logo abaixo das axilas, tão longas eram. E quando ela punha umas meias pretas, longas, até lá em cima… Nossa! Aquilo era de fechar o comércio, não só na Rodeo como nas adjacências, até os altos do Bosque Sagrado. Ela tinha lá umas histórias meio misteriosas no passado, o modo como ela ganhava vida, antes de conhecer um sujeito rico que cuidou dela por algum tempo. Mas quem se importa? Depois cheguei no pedaço e tudo mudou, modéstia à parte. Eu a ganhei e então ela foi minha, totalmente minha, de mais ninguém. Mas a vida dá voltas. Um dia me cansei daquele charme de Los Angeles, Hollywood, Beverly Hills. Enfarei daquilo tudo, eE não foi à toa. É que eu, simplesmente, tinha conhecido Emma. E nada foi como antes.

Tinha nome de ave, mas Deus do céu, um pássaro como aquele só no paraíso. Bonita? Não, diferente! Bem inglesa, pele bem alva, um pouco sardenta. Até aquelas ruguinhas ao redor dos olhos compunham seu charme. Emma é o seu nome. Eu a conheci em Carnaby Street, Portobello Road, um desses lugares charmosos, que não eram bem seu habitat – nem o meu para falar a verdade. Depois a vi no Covent Garden, ela trabalhava num teatro por ali, não como bilheteira ou algo assim, mas como atriz principal de uma peça que já estava em cartaz fazia três anos. Inglesa até não poder mais, daquelas mulheres que um homem não esquece, principalmente se compartilhar com ela um evening tea, que depois da tarde entra pela noite a fora e só termina no breakfast, entre lençóis. Shakespereana e jane-austeniana, especialista total. Todo o teatro inglês era dominado por ela, com rigor e maestria. Mas isso não fazia dela uma pessoa sisuda, pelo contrário, engraçada que só. Dei boas risadas com ela representando só para mim aquele Muito Barulho por Nada do bardo. E a partir de William S. caminhava, como quem vai à esquina, a alguma peça de Albee ou Miller. Versatilidade era com tal mulher. Ninguém melhor do que ela para representar mulheres fortes em peças datadas e adaptações literárias, de Jane Austen, por exemplo. Mais sublime ainda ao representar mulheres altivas e matronais, sem se desfazer de profundo senso de ironia. Isso é o que diz a crítica, mas discordo, sendo ela própria isso aí, não por figurar algum personagem. No cinema, dois Oscar ela ganhou, por merecimento – se é que tal troféu esquisito vale alguma coisa – mas o prêmio mais importante é o que lhe dei e darei para sempre, wonderful woman, great Emma: meu amor, com qual lhe homenageio e agradeço.  

Foi depois disso que me veio Claudia. Claudia Josefina Rosa, de cardinalícia beleza. Italiana temperada pelo sol mediterrâneo da Tunísia. Eu a conheci no mezzogiorno, filha da nobreza, fazendo parte do séquito de um certo Leopardo. Era então uma signorina Angelica Sedara, na corte das Duas Sicílias, e me tirou o sono durante muitos meses, até que finalmente a tive só para mim. Em uma toca povoada por Leopardos a felina verdadeira era ela. Capaz até de desprezar um Alain Delon, aquele, que mudaria tudo para que tudo continuasse como sempre esteve. Mas eu, por tanta graça e beleza, faria muito mais. Sempre lutei para ser – e fui – um homem realizado por tê-la comigo, não sendo tão nobre quanto os outros, mas sobretudo fiel e amante. Desta Claudia, minha mulher mediterrânea, posso dizer sem medo: que morena, que pernas, que quadril, que rosto, que cintura – meu Deus! O mais não louvo por respeito e pudor. Tanta coisa linda e apaixonante em uma mulher só, a revirar as profundezas de um homem, capaz de despertar nele o furor de um Vesúvio!  Esses olhos negros, enormes, tirariam qualquer um do sério; quando se voltavam para mim, me enlouqueciam. Ninguém poderia resistir ou ser curado daquilo. Eu sei, eu vi, eu senti.  E pude segui-la por todos os cantos do mundo, nas ruelas napolitanas e nos subúrbios pobres de Roma, dos dois lados do Tevere; por Itália, França, Europa, América e onde mais estivesse. Homens ricos, elegantes e bem-postos que estivessem com ela, deles há muito perdi a conta, pouco me importavam. Eu sempre soube que ao fim e ao cabo era a mim que ela se chegava. O fato é que nunca houve, em nenhuma parte do mundo, a qualquer tempo, do Egito bíblico à Roma do pós-guerra, uma mulher como aquela. Falar de cada pedaço da rica escultura de seu corpo implicaria em páginas e páginas de algum tratado nunca escrito sobre a beleza feminina. E seria totalmente em vão. Pena que a tive por pouco tempo; eu não poderia competir com a força do cash americano. Mas pude viver a maior ventura e os dias mais gloriosos a que um homem pode sonhar com Claudia, extraordinária mulher. Um ícone! E ela esteve comigo, me dedicou o melhor de seu sorriso e de sua sensualidade. Abri mão dela, um dia, por absoluto espírito democrático. Não me julgava merecedor de ter uma deusa de tal estirpe sem dividi-la com alguém. Por sorte, a este tempo, me apareceu Sonia…

E ela saiu do nada. Ou melhor, eu a vi um dia, morena fagueira com olor a cravo e a canela, a subir em telhados. Baiana, paulista, brasileira e sobretudo universal, como o são as mulheres realmente lindas. É bem verdade que a vi ao lado de uns bigodudos machões. Mas até nisso eu os suplantava. Daquele italiano, Marcelo-não-sei-das-quantas, eu confesso que tive ciúmes, mas logo vi que aquilo não tinha futuro como relação amorosa, era apenas trabalho. E me pus a acompanhá-la, onde quer que fosse, com ela nasceu o verbo Tietar e eu fui dos primeiros a conjugá-lo. Pereio pensa que a seduziu, mas não contava com a astúcia amorosa de quem chegou antes dele. Eu te amo? Quem disse (e ouviu) isso em primeira mão fui eu. Sonia dos mil ofícios: teatro, televisão e cinema, como se diz, feitos com uma mão nas costas. Aliás, devo admitir, mulheres assim, e muitos instrumentos, inclusive na cama e na mesa, sempre me fascinaram. Sincera como ela só, certo dia me disse que não mais se despiria na minha frente por sentir que os seios lhe estavam muito caídos. Mas felizmente arrematou: você espera eu me deitar e então pode acender a luz – mas só o abajur. Modéstia dela. Mulher esplendorosa, capaz de ser ao mesmo tempo uma dama, uma freira, uma prostituta; solteira, casada ou viúva. Moreninha brejeira, puta aposentada, médica de família, mãe de família proverbial. Dona Flor de muito maridos, mas nem todos de verdade. Isso quando não subia em telhados, como quando a conheci, na figura de morena tão brasileira, com a pele e cheiro ao cravo e à canela. Os malditos americanos mais uma vez me roubaram, com seus seriados comerciais, que encheram esta mulher de dólares, mas não retiraram a admiração de um cara de bom gosto como eu. Vez em quando nos vemos, mas agora, confesso, apesar de estar envelhecendo, me vejo interessado em mulheres mais novas. No Edifício Aquarius algumas vezes já estive com ela, mas ao tal lugar de Bacurau evito ir. Não gostei daquilo lá, me deu gastura. 

E aí me apareceu esta Penélope. Entre tantas belezas que vi nela e antes dela, fui fatalmente atraído por aqueles olhos de cabra tonta. Ou de ressaca, sei lá. Disputei-a ferozmente com um tal de Javier, mas foi tarefa difícil, perdi. Fui forte, mas não tive vez. Tivesse eu em mãos um daqueles cilindros de ar comprimido a disparar projéteis certeiros e fatais no crâneo de alguém, eu mostraria a ele. Mas arrastei a minha Cruz no encalço de Penélope por Madrid, Barcelona, Paris e Nova Iorque. E mais longe iria por aqueles olhos inverossímeis.

Fazendo um balanço em minha vida amorosa, atualmente cheguei à conclusão que a mulher inesquecível de fato, para mim foi Brigitte, aquela criada diretamente por Deus para ressignificar o senso estético dos homens. Ela povoou minha adolescência, tantos anos atrás. Fruto proibido que eu apenas pressenti, sem poder tocar, mas que não me sai da memória e pela qual sinto um frio na barriga (e um calor mais embaixo) até hoje. Ah, Brigitte, minha bebê de sempre. Eu te perdoo pelo que seus detratores chamam de devoradora de homens. Você pode até ter tido uma inclinação como esta, mas isso foi antes, bem antes, de conhecer a pessoa certa. Mesmo este último que te acompanha, meio facistão, surgido depois que você se desencontrou de mim, deve ter alguma qualidade que a leve a estar com ele. Mais de cem amantes, entre eles mulheres: a lista das infâmias a seu respeito nunca parou de crescer. Mas eu bem sei que não passam de invencionices de invejoso. Aqueles playboys que lhe quiseram botar as patas, como alguns zaguris e sachs não sabiam de nada, e por isso te perderam, como tantos outros. Bem melhores do que eles são estes cães que você protege agora.  Sua pele, seus olhos, seus lábios, seus seios, suas coxas, seu ventre – devo dizer com o pudor que me é peculiar – deixam nas catacumbas da beleza todas aquelas mulheres que estiveram comigo. Nenhuma se equipara a você. Eu não te desprezei, você é que fugiu de mim, Brigitte. Por mais que te busque nos arcanos dos anos 60 não mais te encontro.  Aquela mulher enrugada e de olheiras fundas, que cuida de cachorros e ataca ferozmente os muçulmanos, não pode ser você. Deve ser mais uma invenção desta imprensa suja. Para mim Brigitte, você reina. Aliás, nunca deixou de ser minha rainha triunfante. Minha procura não ficará em vão. Em algum lugar desta vida – ou de alguma outra – estarei sempre a esperar você. Se de novo lhe encontrar, juro, não lhe perco mais. Devotamente seu.

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Minha homenagem à eterna BB, que nesta data, 29 de dezembro de 2025, partiu desta vida.

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