Três Marias
A primeira delas é personagem da minha infância. Convivi com ela pelo menos até os dez anos de idade. Era uma daquelas pobres garotas nascidas na roça, negra ainda por cima, que alguma pessoa da cidade, supostamente bondosa, ou caridosa, pegava “para criar”. Tal foi o caso dela, sobre o qual minha mãe, que via em tal atitude algo muito honroso para si, não se furtava a dizer algumas vezes: “sei que me dá muito trabalho criar uma menina que nem é da família, mas é o que posso fazer por gente tão pobre”. E por falar em trabalho, vale a pena lembrar a quem isso afetava de verdade. Ela acordava antes de nós todos, para preparar o Toddy matinal, passar margarina nas fatias de pão, fiscalizar a nossa escovação de dentes, nos aprontar para a escola ou nos deixar prontos para começar o dia com roupas trocadas, fraldas retiradas, boca limpa. Não era pouca coisa, éramos quatro na ocasião, com disposições e manias diferentes, que às vezes faziam com que tais operações matutinas adquirissem uma morosidade enorme, a desafiar a paciência de qualquer um. Mas não a dela, que o máximo que fazia contra nós era ameaçar contar tais novidades para nossa mãe, sem concretizar, todavia, tal disposição a maioria das vezes.
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