Eu me formei em medicina na UFMF em 1971. Cliniquei por alguns anos e depois resolvi me dedicar à Saúde Pública, tendo trabalhado em órgãos de gestão do SUS nas três instâncias da Federação, com destaque (e orgulho de minha parte) de ter sido, por duas ocasiões, Secretário Municipal de Saúde em Uberlândia. Participei das lutas da criação do SUS no país, nos anos 80 e 90. Por que estou dizendo tudo isso? Já nem sei mais… Melhor me calar…. Recentes acontecimentos envolvendo a profissão medica no país me deixam não só aborrecido, mas acima de tudo quase me obrigam a um silêncio envergonhado. Falo das recentes eleições para a composição, a partir dos estados, do Conselho Federal de Medicina. O que se viu ali representou o ápice de uma gestação ofídica, que já se denunciava desde os alvores da era bolsonarista, ou seja, a conivência e adesão gratuita e desavergonhada dos conselhos de medicina, capitaneados pelo CFM, ao negacionismo, ao reacionarismo e ao arrepio de diversas conquistas culturais e sociais da sociedade. Com efeito, de Norte a Sul do país, dos confins amazônicos aos enormes litorais, o que se viu foi a escolha, por parte dos médicos do país, de uma maioria de indivíduos bisonhos, conservadores e cegos às aspirações da sociedade . O bolsonarismo e seus efeitos deletérios, com efeito, não foram derrotados em novembro de 2022. Qual fênix, ou abutre, embora chamuscado, ensaia seus voos de mau agouro por toda parte. Não somos todos assim, nós médicos, claro. Mas agora, mais do que nunca, temos que buscar e nos apoiar naqueles que honraram as tradições de humanismo, de apego à ciência, de compromisso social que a medicina deveria carregar. Gente como Drauzio Varela, para falar de quem ainda vive e também Noel Nutels, Moacir Scliar e muitos outros, que já não estão mais aqui. Entre estes últimos aproveito a oportunidade para homenagear um médico especialmente notável: Mario Magalhães da Silveira.
Mário Magalhães da Silveira (1905-1986) foi o principal mentor da corrente de pensamento conhecida como sanitarismo desenvolvimentista que atinge seu momento de maior influência na III Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1963, às vésperas do golpe militar, que inviabilizou muitas das diretrizes emanadas de tal evento, aliás. Ele era um profundo crítico dos modelos de organização sanitária made in USA, bem como do centralismo e do verticalismo das campanhas sanitárias tradicionais no Brasil. Defendia, ainda, que pertencendo a saúde à esfera superestrutural, ela dependeria diretamente do desenvolvimento econômico e além disso, de forma totalmente inédita no país, a necessidade de se descentralizar e mesmo municipalizar a saúde pública, como estratégia para atender, de fato, as necessidades da população. Exímio no trato com números, ao contrário do que é comum entre os médicos, Mário se transformou em pioneiro do trato com variáveis econômicas e demográficas, podendo ser considerado como inaugurador da disciplina da Economia da Saúde no Brasil.
Como os gênios sempre em andam em boa companhia, Mário teve como companheira de vida a psiquiatra Nise da Silveira, que dedicou sua vida profissional à humanização da assistência em saúde mental no Brasil, tendo como uma de suas realizações o Museus de Imagens do Inconsciente,
Saiba mais sobre ele:
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Aqui no DF, dei meu voto a Beatriz MacDowell e Ricardo Martins. Perdemos. Mas tomo para mim as palavras de Darcy Ribeiro: fico aliviado de estar ao lado dos perdedores e não dos vencedores em tal peleja. Para finalizar: eu sei que é preciso me apaziguar com a Medicina e com estes rumos crepusculares que a mesma está tomando no Brasil. É preciso, sim… Tenho até certa saudade do tempo em que me pulsava forte a crença na profissão que eu um dia escolhi, cheio de ânimo e confiança. Assim, à maneira de Drummond, quando falava de seu desalento com a cidade que o viu florescer para a vida literária, poderia repeti-lo: Sossega, minha saudade. Não me cicies outra vez o impróprio convite. Não quero mais, não quero ver-te, meu Triste Horizonte e destroçado amor.
