Eu a vi pela primeira vez na cantina da faculdade onde eu iria cursar uma disciplina indispensável ao meu doutorado. Morena, alta, de cabelos longos e olhos profundos, possuía uma beleza misteriosa, meio mediterrânea, sei lá, talvez misturando, traços árabes e italianos. Descobri logo após que seria minha colega de classe e eu, curioso em saber mais sobre ela, pois que me encantaram aqueles olhos profundos, com poucos minutos de conversa descobri que era formada na área de Humanas, trabalhava em serviço público e estava ali, de retorno à faculdade em que se formara, para se aperfeiçoar e alcançar uma promoção, nada mais. Nada de carreira acadêmica, como eu. Na sequência, fiquei sabendo de sua origem interiorana, denunciada pela maneira como pronunciava os “r”, sendo também um tanto tímida e de conversação restrita ao essencial.
Ai meu Deus, a solidão sempre fora má conselheira para mim e quando eu vi já estava armando o laço para ela. Bem que ela tentou me evitar. Foram alguns meses de labuta para convencê-la a sair comigo, nem que fosse para um cafezinho depois do expediente. Até que usei a arma fatal: que ela me procurasse quando – e se – estivesse interessada em se relacionar comigo. Era justamente o que faltava: em quinze dias ela cedeu, me ligou, foi para minha casa e aí “rolou”, como se diz.
E começou tudo muito bem. Mas de minha parte, pelo menos, faltava algo, como em outras histórias que eu tinha vivido: uma real inclinação, um drive, algo que me atingisse de maneira mais profunda e, por que não dizer, avassaladora. Sempre fui apaixonado pelas paixões…
Mas ainda assim engatamos um namoro e não deixamos de aproveitar a vida, em viagens, sessões de cinema, jantares, caminhadas. Papos repletos de lugares comuns, de minha parte e também da dela. Ideologicamente divergíamos, como era meu costume, ela acreditando em chavões partidários, eu na minha habitual postura gauche, desconfiando das ideologias, dos partidos e, principalmente, dos militantes.
Ela, a caminho dos quarenta, queria um filho; eu, com mais de cinquenta e três filhos criados, não. Creio que agiu por conta própria e fez a sua parte: engravidou. Eu não aceitei. Foi grande o sacrifício que se seguiu. Não foi fácil, para ela principalmente.
Nisso me atravessa no caminho mais alguém. E vinha com tudo. Até um avião pegou, certo dia, para estar comigo uma simples tarde de domingo. E a recém-chegada era uma intelectual, doutora, diretora, escritora, o escambau. Como resistir? Eu fui, eu vi, eu experimentei. Mas em pouco tempo recuei e afinal voltei para a morena dos olhos fundos mediterrâneos…
Mas continuava a faltar algo. Foram dois anos de encontros e desencontros. No meio deles, uma nova gravidez, dessa vez aceita por mim, com entusiasmo, por sinal.
Um convite para trabalhar e morar em outra cidade acabou por nos aproximar, pois experimentamos, finalmente, coabitarmos, perto da morada de sua família, com maiores facilidades para acompanhamento da gravidez que já ia avançada.
O que mais posso dizer a não ser o que já disse? Foi um amor exemplar? Longe disso, de minha parte, pelo menos. O que sei é que estou ligado a ela pelo resto de minha vida, por ter me dado os grandes presentes que iluminam minha velhice, esses dois filhos que tanto amo. O resto é vida vivida.
