E a Medicina, a que será que se destina?

Ao começar a escrever esta memória, lembrei-me de uma letra de música de autoria do grande Aldir Blanc, que aliás usei em meu convite de aniversário quando completei 50 anos idade, em 1998. Chama-se 50 anos – Bodas de Sangue e foi musicada pelo pianista Cristóvão Bastos, se não me engano. Dizia assim: Eu vim aqui prestar contas / De poucos acertos / De erros sem fim / Eu tropecei tanto as tontas / Que acabei chegando no fundo de mim / O filme da vida não quer despedida / E me indica: ache a saída. Posso até relativizar esta história de erros e acertos, tropeços, despedidas, sangue, prestação de contas. Não quero ser dramático. Mas de fato, aquilo que o também médico Aldir escreveu me leva a pensar no filme de minha vida, particularmente diante dos 50 anos que completei na prática de medicina – de uma determinada modalidade, mas sempre Medicina. Mas vamos lá.

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Família

Família, família / Papai, mamãe, titia / Família, família / Almoça junto todo dia / Nunca perde essa mania…

A conhecida letra dos Titãs, talvez de Arnaldo Antunes, um mestre de poesia, sensibilidade e ironia, tudo junto ao mesmo tempo, fala dos vários lados que toda família tem, seja como afeto ou tédio. Como todas as famílias, a minha é assim também. Aliás, como todas elas, a minha é também única. As coisas, com ela, são sempre as mesmas, mas sem que isso percam sua originalidade e um forte sentido positivo, de pertencimento, palavra que representa, afinal, a parte melhor e insubstituível de poder viver no seio de tal instituição, sempre criticada, mas ao mesmo tempo desejada. Não preciso dizer mais nada. Trago aqui uma galeria familiar pessoal extensa, que cronologicamente parte do passado até chegar aos novíssimos descendentes, meus netos, incluindo também aqueles que ao meu grupo mais próximo vieram aderir, como genros e nora.

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É pouco, mas é o que me foi dado viver…

Fala por mim Luiz Vaz de Camões: Erros meus, má Fortuna, Amor ardente…

Erros meus, má Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que já as frequências suas me ensinaram
A desejos deixar de ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.
De Amor não vi senão breves enganos.
Oh! Quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!

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Extraordinary people

Não são poucas as pessoas que marcam, de perto e de forma profunda, a vida da gente. Isso depende de como elas são observadas, claro, pois achar gente assim depende muito de saber prestar atenção naqueles que nos rodeiam. Selecionar algumas delas, para figurar dentro de tal galeria de “notáveis” pode não fazer justiça a muitos, ou até mesmo tratar indevidamente a alguns que talvez não o sejam. Vamos combinar, então, um conceito a ser aplicado no caso presente: notável, aqui, traz implícito um complemento: para mim, ou no meu entendimento. Mesmo assim, bem sei, pode ser uma classificação injusta, pois a muitos outros, cuja notabilidade também fosse digna de menção, talvez eu tenha falhado em percebê-la. Dito isso vamos em frente. Aqui vai uma pequena galeria pessoas, sejam colegas de escola e faculdade, companheiros da profissão, professores, alunos, gente, enfim, de quem me aproximei por razões diversas e que me deixou lembranças.

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Triste (mas nem tanto) Horizonte

Drummond se indagava: “por que não vais a Belo Horizonte? a saudade cicia e continua, branda: Volta lá.” Sem maiores pretensões de querer me comparar com o poeta-maior, devo admitir que às vezes tal pergunta também me passa pela cabeça. Assim como ele, vivi um tempo na cidade e depois me mudei, para voltar ali apenas esporadicamente. Neste aspecto, contudo, levo por assim dizer uma vantagem sobre ele, que viveu lá, ao que me parece, no máximo uma década, quando eu ali passei os primeiros 22 anos de minha vida. E, ao contrário dele, volto lá no mínimo duas ou três vezes ao ano, sem me fazer de rogado, por ainda ter na cidade filha, netos, irmãos, sobrinhos, e principalmente uma mãe. De modo que não me seria coerente proferir como ele um carrancudo: Não. Não voltarei para ver o que não merece ser visto, o que merece ser esquecido, se revogado não pode ser. Confesso que às vezes me sinto assim, meio gauche com a cidade, portador de duas alegrias quando vou até lá: a de chegar e a de sair, não sei qual das duas a mais significativa. Mas não posso negar que ali passei anos bem felizes, mas não somente isso, foi nela que pude fazer toda minha formação escolar, profissional, intelectual, amorosa, espiritual. No meu caso particular, com efeito, não dá para esquecer aquela urbe provinciana saudável, de carnes leves pesseguíneas e para tanto, realmente, nem preciso me esforçar. Penso que um pouco de minha sintonia (não direi admiração e nem mesmo amor…) com Belo Horizonte pude trazer à luz em meu livro de memórias Vaga, lembrança (ver link) e resgato aqui alguns trechos que falam da minha relação com esta cidade, afinal, detentora de um horizonte que definitivamente não me traz tristeza e muito menos algum amor mal resolvido ou destroçado. Aqui vai…

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Principalmente nasci em Itabira

Para mim tal cidade, já há muitos anos (ou décadas) não é mais nem mesmo apenas uma fotografia na parede como disse Drummond. A foto que me ornamentou paredes, feita por mim mesmo em uma câmara pré-histórica, nos anos 60, há muito se perdeu, em algum pacote de mudança ou roída pelos cupins, da mesma forma que fizeram com a maioria das capas de long-plays que eu guardava fervorosamente, sem nunca ouvi-los. Mas voltemos à cidade. Frequentei Itabira, onde nasci em 1948, na minha primeira infância, por volta de 1954 ou 1955, passando dias memoráveis na casa de meus tios Virgílio e Marita. Depois, talvez pelos compromissos de meu pai, iniciando negócios próprios em BH, ficamos- toda a família – por alguns anos sem aparecer por lá.

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Três Marias

A primeira delas é personagem da minha infância. Convivi com ela pelo menos até os dez anos de idade. Era uma daquelas pobres garotas nascidas na roça, negra ainda por cima, que alguma pessoa da cidade, supostamente bondosa, ou caridosa, pegava “para criar”. Tal foi o caso dela, sobre o qual minha mãe, que via em tal atitude algo muito honroso para si, não se furtava a dizer algumas vezes: “sei que me dá muito trabalho criar uma menina que nem é da família, mas é o que posso fazer por gente tão pobre”. E por falar em trabalho, vale a pena lembrar a quem isso afetava de verdade. Ela acordava antes de nós todos, para preparar o Toddy matinal, passar margarina nas fatias de pão, fiscalizar a nossa escovação de dentes, nos aprontar para a escola ou nos deixar prontos para começar o dia com roupas trocadas, fraldas retiradas, boca limpa. Não era pouca coisa, éramos quatro na ocasião, com disposições e manias diferentes, que às vezes faziam com que tais operações matutinas adquirissem uma morosidade enorme, a desafiar a paciência de qualquer um. Mas não a dela, que o máximo que fazia contra nós era ameaçar contar tais novidades para nossa mãe, sem concretizar, todavia, tal disposição a maioria das vezes.

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Vaga, lembrança (Memórias)

Resolvi escrever minhas memórias. Pretensão demasiada, talvez… Acontecimentos que vivi não foram poucos, claro, afinal quase são quase 75 anos de vida. Mas importantes mesmo foram: meu comparecimento à inauguração de Brasília em 1960; minha opção para o Colégio Universitário em 1966, deixando para trás a verdadeira zona de conforto do Colégio Estadual; minha bolsa de estudos nos States, em 1970; minha opção, junto com Eliane, de deixarmos outra zona de conforto, em BH, para ir para o Oeste, para o interior, em 1974; ter sodo Secretário Municipal de Saúde em Uberlândia, em 1983 e depois em 2003; a opção por morar em Brasília, em 1991; minha participação, hoje meio esquecida, no Movimento Municipalista de Saúde nos anos 80; a construção de minha casa “definitiva” nas Taboquinhas, 2010-11; além, é claro – e principalmente – do nascimento de cada um dos meus cinco filhos, Daniela (1974); Mauricio e Fernanda (1976); Flavinho (2003) e Sophia (2006). Mas o que produzi de importante, de fato, em termos de alcance social ao longo de minha vida? Não se trata de modéstia, foram poucas coisas mesmo. Mas em três delas ninguém me tira o orgulho de ter participado, diretamente, com muita crença e afinco. Primeiro, o tal movimento municipalista, no qual ajudei a fundar duas entidades hoje da maior relevância na política de saúde no Brasil, os Conselhos de Secretários Municiais de Saúde de MG e Nacional (Conasems). Tem também o estágio dos alunos de Medicina da UnB em Ceres, depois de três décadas de afastamento da Faculdade deste tipo de atividade, lá encontrando pessoas certas para viabilizá-lo. Por último a criação e a operação do blog Saúde no DF, cujo slogan é A Saúde no Distrito Federal tem jeito! no qual, em cinco anos ininterruptos de funcionamento, já botei para circular mais de 300 matérias, todas de minha autoria. Só não me perguntem pela real repercussão e influência disso na política de saúde desta cidade. Um dia, quem sabe… Mas se você estiver interessado, vire a página e prossiga na leitura…

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Não foi uma vida qualquer…

Viver mais de cem anos, para quem acabou de nascer, pode até ser considerado uma coisa fácil. Na atual geração muitos conseguirão isso sem maior esforço, graças às vacinas, aos cuidados médicos, às informações abundantes, à água tratada e à boa alimentação. Haverá sempre alguém que mesmo assim não chegará lá. Faz parte da vida… Mas outra coisa é ter nascido em 1919, quando mundo … Continuar lendo Não foi uma vida qualquer…