Doze Vinténs: Estórias de Roça e Sertão

Doze vinténs. O significado de tal título o leitor descobrirá já na primeira página dos textos que seguem abaixo, depois do “leia mais”. O número doze, além disso, tem significado aqui, pois representa a quantidade histórias contidas (e contadas) na presente seleção. Podem interpretar o título também à luz dos dicionários, ou seja, essas estórias valeriam tanto quanto aquela antiga fração monetária, quase destituída de valor. Sobre serem “estórias de roça e sertão”, como também consta do título, me permito um esclarecimento adicional. Não é que eu seja um especialista em tais territórios, em termos físicos, geográficos ou literários. Nunca morei naquele interior mais radical de que algumas dessas narrativas se ocupam. Mas tenho família com tal origem, por gerações, inclusive aquela imediatamente anterior à minha pessoa. Assim, o que vai aqui são estórias que se passam neste vasto território, mais cultural do que físico, certamente . Mas pensando bem, faz muitos anos que tenho residência, na verdade, no vasto “sertão” dos planaltos interiores do Brasil, primeiro em Uberlândia depois em Brasília. Aliás, passei praticamente a metade de minha vida em tal localização geográfica. E assim, aprendi a gostar de cerrado; de paisagens achatadas, que alguns consideram monótonas, mas eu não; de rios que fluem de e para onde não se espera; de arroz com pequi; de horizontes abertos; de árvores tortas e nem por isso feias ou “erradas”, como diz meu amigo Nicolas Behr.  E assim apresento a vocês estes contos (se é que posso chamá-los de tal forma), que me deram muito prazer ao serem escritos, augurando que isso contamine os meus eventuais leitores também. Em tempo: “Doze Vinténs” não é um nome exatamente fictício . A bem da verdade, era este o nome da antiga fazendo do meu avô Altivo Drummond de Andrade, em Itabira, onde eu mesmo morei por alguns meses, antes de completar um ano de idade. Mas nenhuma dessas narrativas tem a ver diretamente com fatos reais, são todas totalmente ficcionais, com uma única exceção, naquela parte denominada de O Mato de seus Perigos, a qual, ao lerem, meus leitores saberão a razão disso..

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Catrumanos

Estavam ali no que restava de sombra no pequizeiro, defronte à pamonharia à beira da rodovia, já havia pelo menos uma hora, e a condução não aparecia. Logo naquele dia, sexta feira, em que era possível tirar uma folguinha, tomar uma cervejinha com os amigos no armazém da vila. E tirante isso, não tinham em toda a semana nadinha, uma nesguinha que fosse, de qualquer tempo livre, porque no sábado era dia de ir fazer compras, limpar o galinheiro, dar uma rastelada no quintal, que já estava até parecendo fazenda de viúva. E Nhá Sebastiana não ia deixar por menos, arreliada do jeito que era, a encher a paciência deles até ficarem cansados e, sem ter outro jeito, tocarem a fazer o serviço, sem reclamar. – O sol já vai embora e eles não aparece, disse o mais velho… – Todo dia é essa quizumba, repostou o outro.

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O Rio do Esquecimento

     Meu Tio e amigo. Hoje me dei conta que a minha vida tinha que mudar. Saí de casa sem saber para onde ir. Por sorte tinha algum dinheiro. Fui para a Rodoviária e por ali vaguei, por horas a fio. Cheguei ainda com a manhã fresca e por ali fiquei até a noite. Procurava um lugar para ir, se afastar de lembranças ruins, de uma vida que me trouxe tanto desgosto, nestes meus vinte anos. Eu, de fato, não sabia para onde ir, queria um lugar bem longe, afastado daqui, para nunca mais voltar. Na bilheteria tive o ímpeto de pedir uma passagem para o esquecimento, se isso fosse possível. Mas de toda forma ficou tarde para voltar atrás, pode acreditar, Tio.

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Mais contos (Continuação)

Foi assim: João vivia para seus perus. Mangavam dele os amigos, dizendo que havia, nas redondezas, uma moça loura que o olhava e queria conhecer, Lindalice. Esta, de verdade, não existia. Mas João, dito Porém, que só sabia de perus, milho e terreiro, transtornava-se. Queria porque queria. Os amigos, maldosos, não lhe diziam a verdade. Pelo contrário, traziam recados, propunham respostas, ofereciam para escrever cartas … Continuar lendo Mais contos (Continuação)

A história de Jacó

 Jacó, o vaqueiro desta história. Sim, ele mesmo, Jacó da Vereda Alta, filho de Isaque e neto de Abrão Borges. Jacó gostava de Raquel, filha de Lesbão, fazendeiro assentado no Buriti Seco. Jacó não era de enxada e foice, tinha orgulho de seu trato com o gado bravo, peão corajoso, segundo todos que o conheciam, com fama assentada da Vereda Alta ao Buriti Seco e … Continuar lendo A história de Jacó

Coisas tão vãs e tão mudáveis

Aqui vão mais alguns contos. Dei a eles o título acima inspirado no seguinte soneto de Sá de Miranda, contemporâneo de Camões.

O sol é grande, caem co’a calma as aves, / do tempo em tal sazão, que sói ser fria; / esta água que d’alto cai acordar-m’-ia
do sono não, mas de cuidados graves.
/ Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,/ qual é tal coração qu’em vós confia? / assam os tempos vai dia trás dia, / incertos muito mais que ao vento as naves. / Eu vira já aqui sombras, vira flores, / vi tantas águas, vi tanta verdura, / as aves todas cantavam d’amores. / Tudo é seco e mudo; e, de mestura, / também mudando-m’eu fiz doutras cores: / e tudo o mais renova, isto é sem cura!

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Registrado nas Efemérides (e outras histórias)

Aqui vai mais uma pequena seleção de contos meus. Desta vez são dez. Começa assim… <<Destas ruas de pedras lisas, que tantos pés esculpiram, as feridas nos morros se fizeram menos mortais e as mangueiras inundaram tudo com o cheiro seminal de suas floradas; das gelosias dos casarões alguém viu, mas sobre isso se calou….>> Acesse: Continuar lendo Registrado nas Efemérides (e outras histórias)

Amor infernal

Que caso mais esquisito o que eu tive com aquela mulher. Eu chamaria aquilo de um negro amor, não como uma expressão racista (porque hoje esta palavra exige cuidado pra ser usada), mas como uma coisa que mesmo durante toda sua presença em minha vida eu só queria que acabasse e que fosse esquecida. Um sentimento que se tem, quem sabe, pelos mortos desconhecidos e incapazes de outra vez se levantarem. Pedras de um caminho que cumpria serem deixadas para trás.

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