A janela indiscreta

Eu bem vi que o porteiro tentava me avisar de alguma coisa. Não dei muita atenção, pensei que ele falava dos pivetes que andam por ali. Com estes já estou acostumado, não levam a melhor comigo. Mas dessa vez o perigo era outro, uma calçada escorregadia. E assim eu fui parar no chão. Ato contínuo, no Pronto Socorro. E agora em casa estou eu, com a tíbia partida, mínimo vinte dias de repouso forçado, me arranjaram até uma cadeira de rodas, para me locomover pela área na qual um simples degrau se interporia como uma muralha.

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Pereira procura

Tinha verdadeira mania em procurar por amigos antigos e parentes em geral. Quando viajava, então, este traço se exacerbava. Mas não raro os procurava também em lugares inusitados, como em listas telefônicas, placas de túmulos, ou mesmo em convites de formatura, através dos sobrenomes dos formandos. Certa vez, na formatura de uma neta como advogada, atazanou-a durante vários meses para que indagasse se um José Pereira Neto, que constava na relação de formandos, não seria descendente de um primo distante, com o mesmo nome. A moça tentou ignorar o pedido, mas ele não lhe deu descanso, até que ela lhe disse que perdera o colega de vista, irremediavelmente. Mesmo assim, quando podia, voltava ao assunto.

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Humanos em demasia…

Persisto na veleidade de escrever contos. Podem me criticar pelo resultado insatisfatório. Mas indago: não é treinando que se aprende? Aqui juntei escritos meus ao logo do ano de 2023, nos quais, mesmo sem intencionalidade direta, contei histórias de gente diferente, para tentar ser sucinto. Inspiração? Casos de minha carreira médica, lembranças de fatos e de pessoas que conheci ao longo da vida, frutos de minha imaginação – tem um pouco de tudo isso. Este último ingrediente talvez seja mais constante do que os outros e isso com certeza indica um caráter menos auto-biográfico e mais psico-analítico nos meus escritos. Mas por favor vão desculpando, eu assumo que sou assim… Aqui vai uma dúzia de testemunhos sinceros disso.

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Conta de mentiroso (Sete histórias inventadas)

Incorrigível, eu. Persisto em minha veleidade de escrever contos. Ou talvez devesse usar outro verbo: perseguir? Mas não desisto. Isso me faz lembrar Augusto Matraga, o personagem de Guimarães Rosa, que repetida a todo momento em sua luta contra a maldade do mundo: vou para o céu nem que seja debaixo de porrete. Pois que venham a mim as pauladas da crítica, ou pior do que isso, de ser ignorado. Mas persisto, e apresento aqui estas sete histórias totalmente inventadas. Aliás, para falar um pouquinho de verdade, pode ser que mesmo esta invenção seja de fato inventada. Vão desculpando…

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