A internet foi “antecipada” por um brasileiro, nos anos 20…

PROFECIA OU ANTECIPAÇÃO?

LOBATOOs Estados Unidos têm, pela primeira vez em sua história, um presidente negro, já em segundo mandato. Apesar de já decorridos cinco ou seis anos, isso ainda tem sabor de grande novidade. Curiosamente, entretanto, um escritor brasileiro fez tal previsão, há mais de 80 anos. Em 1926, precisamente. Naquele ano Monteiro Lobato lançou um romance – o único de sua carreira de escritor – de verdadeira ficção científica (e futurista), com título por si só sugestivo: O Presidente Negro, com um subtítulo: romance americano de 2228.

O livro já começa inovando, contando histórias que se encaixam umas nas outras, à maneira das matriochkas russas. O narrador, Ayrton Lobo, pequeno empregado do comércio que pensa valer mais do que na realidade consegue ser, sofre um acidente de estrada, é recolhido a uma mansão rural, ali conhece um cientista, Benson, e sua filha Jane (por quem se apaixona, aliás), toma contato com uma máquina de observar o futuro, o porviroscópio, formidável aparelho inventado por Benson, capaz de produzir tempo artificial, e assim segue a história…

A família Benson, temerosa de que o porviroscópio pudesse favorecer espíritos desonestos, uma vez posto à inteira disposição da humanidade, vive recolhida no anonimato em sua propriedade rural, situada em Nova Friburgo (RJ), onde se dedica a fazer perscrutações, ou como Jane prefere dizer, cortes anatômicos, no futuro.

Em um destes cortes surgem revelações espantosas, por exemplo, sobre a futura invenção da rádio comunicação, que permitirá às pessoas trabalhar em casa, ler seus jornais sem precisar ir à banca da esquina, fazer compras igualmente sentados em suas cadeiras. Nesta nova era, o serviço, o teatro, o concerto é que passarão vir ao encontro do homem, com espantosa transformação das condições do mundo.

Lobato, verdadeiro iluminista que era e, como tal, sempre otimista com relação ao futuro da humanidade, talvez exagere um pouco ao prever que a radio comunicação possibilitaria a volta do andar a pé, tornando desnecessário o uso de veículos, pois a roda, a maior invenção mecânica do homem e hoje domina soberana, terá seu fim. Só faltou dizer que junto com o fim dos engarrafamentos, adviria uma era em que a felicidade humana finalmente se tornaria não só possível como permanente. Mas não deixou de prever acertadamente a verdadeira compulsão da caminhada, não exatamente como libertação, sim como exercício, vigente hoje em toda parte, principalmente nas grandes cidades.

E a viagem continua… Além da rádio comunicação, seriam inventados também o rádio transporte e a rádio sensação, criando assim uma nova etapa na trajetória do homem, menos maravilhosa do que desnorteante para as nossas idéias atuais, com as coisas tomando às vezes rumo muito diverso do que a lógica, com ponto de partida no estado atual, nos faria prever.  Existiria melhor descrição para os pressupostos do que já conhecido hoje como realidade virtual?

Vejam que primor as conseqüências do rádio transporte para as tarefas do jornalismo e da escrita em geral: pelo sistema atual, o colaborador ou escreve em casa o seu tópico ou vai escrevê-la na redação; depois de escrito, passa-o no compositor; este o compõe e passa-o ao formista, este o enforma e passa-o ao tirador de provas; este tira a s provas e manda-o ao revisor; este o revê e envia-o ao corretor; este faz a emendas e … a coisa não acaba mais. Porém, com o auxílio da nova tecnologia, toda esta complicação desapareceu. Cada colaborador radiava de sua casa, numa certa hora, o seu artigo, e imediatamente suas idéias surgiam impressas em caracteres luminosos na casa dos assinantes. Um só ponto de exclamação é certamente muito pouco para homenagear um gênio como o de Lobato, que viu tudo isso há mais de 80 anos!!!

É uma verdadeira reforma, se não da natureza, pelo menos da história. Lobato ainda vai além, em sua talentosa brincadeira: imagina a instituição das férias conjugais, para resolver de vez o problema dos casamentos mal sucedidos; a criação da cidade de Erópolis, destinada a práticas hedonistas, além do teatro onírico, no qual os sonhos das pessoas seriam transformados, graças às novas tecnologias, em imagens. Nem tudo é perfeito, entretanto: sintonizado com as idéias dominantes em sua época, enxerga e defende o conserto das mazelas do mundo por práticas de eugenia. Mas disso, certamente, já foi perdoado.

Ah, sim, falávamos de um Presidente Negro nos Estados Unidos…   Jim Roy, um negro de gênio, uma figura atlética de senegalês, supera todas as barreiras e se lança candidato a presidente em 2228. Após lutas renhidas com adversários internos e externos ao seu partido, vence a batalha. E a América finalmente cede ao poder de um diferente! Mas ele em pouco tempo irá perceber que tinha caído, na verdade, em uma armadilha, de fundo eugênico, preparada habilidosamente, pela maioria branca conservadora e intransigente, que tinha apenas entregue alguns anéis, porém sem perder qualquer dedo. Mas isso os leitores saberão com mais detalhes se lerem O Presidente Negro, que está sendo relançado agora, assim como toda a obra de interesse adulto deste escritor brasileiro realmente imortal e sempre atual que é Monteiro Lobato.

Monteiro Lobato foi um gênio em várias dimensões. Neste ano de 2008, em que se completam 60 anos de sua morte, vai aqui esta homenagem ao inventor da literatura infantil brasileira, ao polemista infatigável, ao visionário, ao homem que sempre remou contra a corrente, ao empresário cujo capital principal era o idealismo, à alma gêmea de Emilia. Sobre o Presidente Negro a pergunta que fica é: foi profecia e imaginação? Ou não seria, de fato, uma antecipação?

Um comentário sobre “A internet foi “antecipada” por um brasileiro, nos anos 20…

  1. Dr Flavio
    So poderia de sua autoria uma maravilha dessa direto e reto li estou relendo continua nos blindado com estes belos escritos
    Abraços

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