Matéria Médica

Medicina tem a ver com literatura, sem dúvida, no mínimo por fornecer no cotidiano de seus profissionais, principalmente para aqueles que são bons observadores, um manancial imenso de situações que certamente favorecem a produção de textos diversos, sejam romances, novelas crônicas, poemas – ou, em último caso, anamneses. Mas será que a carreira médica impele de fato seus praticantes, mais do que outras profissões, a serem escritores? De fato, há muitos médicos que se transformam em escribas, alguns até exponenciais, como Guimarães Rosa e Miguel Torga, por exemplo, mas há também advogados, engenheiros, professores, para não falar daqueles que não possuem profissão definida ou nem se lembram mais daquela que um dia exerceram, por se sentirem, desde sempre, escritores, pura e simplesmente. Drummond, por exemplo, era farmacêutico, Monteiro Lobato advogado e Jorge Amado nem formado era.  Alguns mais críticos poderiam dizer que os médicos, para além de sua profissão de origem, talvez se interessem mais pelas atividades agropecuárias, pela política, ou pelos negócios em geral, do que propriamente pela literatura.

Nem sempre é assim, entretanto, conforme o meu caso particular demonstra. Eu sempre gostei de escrever, fui considerado, desde o curso primário, um aluno que se destacava em tal quesito. Tinha, além do mais, um forte antecedente familiar a me impulsionar, o fato de ser sobrinho-neto de Carlos Drummond de Andrade, irmão mais novo de meu avô Altivo, ele também um homem de letras, embora de trajetória de alcance bem menor do que a do irmão. Já na vida adulta, quando havia relatórios de reuniões de trabalho a fazer, atas de assembleias e coisas assim a escolha sempre recaía sobre meu nome – e é claro que não era por acaso – ou seja, não tanto por minhas qualidades de escriba, mas porque bem ou mal só restava eu para fazer aquilo. Nas anamneses clínicas, creio que caprichava de maneira especial. Não é que eu desse um passo à frente na hora da escolha do “ateiro” ou relator pelo grupo, mas o certo é que também não engatava a marcha a ré nessas horas. O fato, entretanto, é que com a idade avançando comecei a escrever com mais constância e cuidado formal, até mesmo de forma profissional, ganhando até uns trocados como relator de eventos na área de saúde pública. Tudo isso sem fazer muito esforço, diga-se de passagem, porque o fazia com prazer e não me faltarem convites para tanto, durante um largo tempo em minha vida. E hoje? Dificilmente faço tais coisas pro-labore, mas para minha realização e especial alegria, executo-as apenas por espontânea vontade, pro-bonum, de maneira totalmente livre e solta, sem outra compensação que não seja a de atender a mim mesmo. Minha explicação é mais ou menos a seguinte: ao invés de pagar psicólogos ou psicanalistas para entender o mundo e a mim mesmo, escrevo. Simples assim! E aqui vão alguns exemplares daquilo que um dia Drummond, certamente num aceso de desgosto com a própria vocação literária, denominou demel nojento. São 20 textos, 17 deles sob a forma de contos e mais três como pequenas peças para representação teatral, entretanto totalmente virgens neste aspecto. Enfim, aqui fala um médico que ama a literatura e que se pretende escritor, a escrever textos que tratam de temas de alguma forma ligados à medicina. Os leitores que me julguem, mas confesso que só o ato de colocar à luz estes escritos e arrebanhar qualquer meia dúzia de gente a me dar atenção já é para mim bastante satisfatório. Encontrar leitores, ainda mais!

Assim, eu falo entre outras coisas, de doentes e doenças, principalmente na esfera mental, de situações curiosas da prática da medicina, de dilemas da condução dos serviços de saúde, de casos exemplares disso ou daquilo, de crises profissionais e existenciais de médicos, com pitadas de acontecimentos que eu vivi de fato na minha vida profissional. Uma miscelânea mesmo, sem maior responsabilidade ou ordenamento.

TÍTULO / SUMÁRIOLINK (CLICAR)
MATÉRIA MÉDICA Um médico idoso e aposentado faz uma análise retrospectiva de sua vida profissional durante uma escala prolongada em um aeroporto…Matéria médica – Vereda Saúde
A PACIENTE DO LEITO CATORZE Uma história de amor em uma enfermaria de oncologia, retratando os dilemas de um médico e de sua paciente sobre a vida e a morte…A paciente do leito catorze – Vereda Saúde
A JANELA INDISCRETA Um homem acidentado e recolhido a uma cadeira de rodas acompanha com curiosidade e surpresas a vida de seus vizinhos…A janela indiscreta – Vereda Saúde
O APOCALIPSE SEGUNDO JB Um pobre rapaz portador de um sério distúrbio mental vaga pelas ruas de sua cidade ouvindo vozes e sendo oprimido por acontecimentos estranhos…O Apocalipse segundo JB.docx
PROMISED LAND NOW Uma viagem pelo Brasil profundo, misturando religiosidade, mistérios, sexo, opressão, moléstias amazônicas e algo mais…Promised Land.docx
O CRIDO E O HAVIDO Um homem doente, impedido de sair de casa e tomar sol, escala um garoto para observar o mundo em seu lugar… O crido e o havido – Vereda Saúde
BOI DE CARRO Um médico idoso reflete de forma pessimista e derrotada sobre sua vida de clinico no interior…Boi de carro.docx
HUMANOS EM DEMASIA As histórias de duas criaturas de perfil fora do convencional perfilam esta narrativa…Humanos em demasia… – Vereda Saúde
CONTINUAÇÃO Um pobre roceirinho, meio abilolado, recebe, no final da vida, a visita do Amor…Continuação.docx
UM DIA NA VIDA DE R. ROMANOVITCH Pesadelos na vida de um possível psicopata influenciado pela leitura de Dostoiewski, que se vê atormentado por culpas terríveis…Um dia na vida de R. Romanovitch – Vereda Saúde
EU SOU ASSIM Um garoto portador de uma síndrome rara narra suas aventuras e descobertas, com ênfase na música, no bem viver e no amor…Eu sou assim.docx
AMOR EM TEMPOS DE PANDEMIA Um aviso de morte, uma longa viagem pela noite a dentro e a revelação de uma história de amor e traição…Foi assim (Amor em tempos de pandemia) – Vereda Saúde
O BARBEIRO VALDEMAR Um falso paciente psiquiátrico divertido e ao mesmo tempo misterioso, em uma história de desfecho imprevisível…O barbeiro Valdemar.docx
CONVERSA NO BOTEQUIM Um homem quase centenário relata aos amigos os seus segredos para uma vida serena e harmoniosa…Conversa no botequim.docx
AMARCORD DE SABORES Um diabético internado em UTI por incúria com a alimentação, mas que só pensa em comida…Amarcord de sabores.docx
A MORTE ACIDENTAL DO ELETRICISTA (Teatro) Um homem morre ao trocar uma lâmpada em um hospital, surgindo daí uma tragicomédia de erros e omissões…A Morte acidental do Eletricista – Vereda Saúde  
NÃO FICA UM MEU IRMÃO (Teatro) Uma rocambolesca interação entre profissionais de saúde, um paciente, um advogado e uma faxineira, com revelações incriminadoras…Não fica um, meu irmão… (Farsa sanitária em dois atos) – Vereda Saúde  
UM DIA NA VIA DE FILOMENA DIAS (Teatro) Uma gerente de Unidade de Saúde atormentada pela burocracia, pela politicagem, pela cultura dos usuários e pela anomia permanente do setor saúde …Dramas sanitários: entre o banal e o trágico – Vereda Saúde  

3 comentários sobre “Matéria Médica

  1. Este texto (ainda não abri os indicados na listinha do final) já foi adorável pela simplicidade e transparência.
    Tenho um irmão médico que adora literatura como leitor, mas não escreve… pelo menos até agora… quem sabe depois de ler os seus…
    Sou professor, trabalho como Supervisor de Ensino, e também me esbaldo na hora de escrever relatórios e pareceres.
    Já fui melhor cronista, para mim mesmo, daquilo que anda fora de mim, como conceitua Fernando Sabino.
    Agora, doutor, como parece que estou saindo de uns anos difíceis, andei pensando em voltar a rabiscar alguma coisa… e, de repente, tropeço no seu texto que fala muito da minha experiência.
    Grato pelo seus texto.
    Vou enviar para meu irmão.

  2. Uns dias atrás escrevi um comentário sobre o Matéria Médica, mas que não ficou registrado, talvez por ter ficado longo demais.
    Em essência eu dizia que, como professor, a profissão também me leva a “olhar fora de mim” (definição de crônica de Fernando Sabino), ainda que eu tenha passado uns anos de acidez.
    Belo texto, e os demais também.
    A vida de cada pessoa merece ser olhada com os olhos da literatura.
    Grato.

Deixar mensagem para primeiracronica Cancelar resposta