Viagem ao Brasil Real

BRASIL REAL FOTONo século XIX foram marcantes as viagens de europeus pelo Brasil, estimulados pelo exotismo de nossa terra e pelas facilidades então abertas pela abertura do país às chamadas “nações amigas”. Na época, Saint-Hillaire, Langsdorff, Burton, Von Martius e muitos outros narraram aos seus compatriotas ávidos de informações suas observações sobre aquele mundo ignoto, em tons que variavam do maravilhado ao perplexo.

A era das viagens ao Brasil, entretanto, não acabou. Eu mesmo tenho feito algumas, por Minas Gerais e também por Goiás, passando por lugares tão variados como Andrequicé, São João da Aliança, Serro, Niquelândia, São Gonçalo do Rio Preto, Vila Propício, Senador Modestino Gonçalves, Forte, Itamarandiba, Cavalcanti, Capelinha, Muquem, Araçuaí, Padre Bernardo, Itacambira, além de outras comarcas remotas e pouco conhecidas. Conto agora a vocês uma parte do que vi e senti, no que poderia chamar de autênticas viagens ao “Brasil-Real”.

Em primeiro lugar, as estradas. Ah, as estradas do Brasil-Real! Elas são simplesmente solúveis em água, de tal forma que, uma vez atacadas pela chuva persistente, fica difícil afirmar onde realmente se encontra aquilo que um dia foi chamado de “estrada”.

E o que faz o povo do Brasil-Real? De tudo um pouco para continuar sobrevivendo. Há poucos empregos fixos fora do setor público. As pessoas plantam suas rocinhas de subsistência, tiram carvão (quando sobra alguma árvore na paisagem), mantêm um gado vasqueiro, se empregam no agronegócio. Os mais jovens realizam um périplo anual a São Paulo e outros lugares, em busca de trabalho, na época do corte da cana de açúcar, por exemplo. Dinheiro mesmo, com o qual as famílias possam contar regularmente, só o do programa Bolsa Família e o dos aposentados – aliás, estes últimos, pessoas muito estimadas e valorizadas nas plagas do Brasil-Real.

A maioria dos brasileiros-reais é pobre, muito pobre. Uma pequena parte, porém, é rica, muito rica. Os políticos, quase sempre pertencentes ao segundo grupo, são mestres em auferir seus votos baseados em promessas que geralmente não podem ou não querem cumprir. Nada de novo, portanto.

No Brasil-Real, Dilma é a “mulher do Lula”, se não de direito, pelo menos de fato. De imposto de renda ninguém ouviu falar; o mais próximo que se conhece disso é o dízimo que as igrejas pentecostais (numerosíssimas, por sinal) costumam arrecadar, sabe-se lá a partir de que excedente monetário. Música apreciada ali é a dita “sertaneja”, que muitos acreditam fazer parte da cultura mais verdadeira e legítima daquelas paragens, ignorando o fato de que toda ela costuma ser produzida em estúdios da capital paulista, a partir da detecção de “nichos” de mercado, por especialistas em marketing, não necessariamente por pessoas com formação musical. As crianças são numerosas no Brasil-Real, sendo suas mães nada mais do que outras igualmente crianças! Já seus pais, nem sempre se sabe ao certo quem sejam.  E por aí vai.

No país em questão, já não correm mais os tempos em que automóvel era algo que “ninguém sabe se é homem ou se é muié”, como dizia uma velha cantiga, mas é certo que, quando não possuem um Corcelzinho ou um Opala dos velhos tempos, os brasileiros-reais consomem, como meio preferencial de transporte, em padrão quase chinês, as motocicletas. Onipresentes estas, melhores que os jumentos e éguas do passado, mas bastante hábeis em mandar seus ginetes para o hospital – quando não para o necrotério. É uma gente que aprecia, de fato, a modernidade: as ruas das cidades, mesmo pequenas e pobres, não deixam de ostentar lojas e mesmo bancas espalhadas pelas calçadas nas quais toda uma vasta gama de bugigangas eletrônicas, made in algum-lugar, pode ser adquirida: de despertadores a microtevês, de aparelhos digitais de medir pressão a raquetes eletrônicas de matar mosquito. Sem falar nos indefectíveis telefones celulares, cujas contas, onde existe acesso, certamente subtraem de seus proprietários a possibilidade de consumo de outras comodidades mais úteis, de mais proteínas para suas famílias, por exemplo.

Quando comparamos o Brasil-Real com o Brasil que as aparências nos revelam, principalmente a nós que residimos em regiões mais desenvolvidas do País, as diferenças parecem ser marcantes. Nossas estradas (em que pese os buracos) permitem trânsito o ano inteiro, nossa agricultura e nosso comércio fornecem empregos (embora menos do que o necessário), nossa renda média per capita é substancialmente melhor, nossos políticos têm reduzido, a cada eleição, sua capacidade de iludir o povo, principalmente porque este demonstra estar cada vez mais consciente de seus direitos – embora com algumas recaídas…

E na saúde, como se arrumam os moradores do Brasil-Real? Há ali enormes dificuldades em se conseguir uma simples consulta, principalmente se for medianamente especializada. Apesar disso, a taxa de cesarianas é elevadíssima! As filas das unidades de atendimento dobram esquinas, já nas madrugadas. Os indicadores de saúde estão estacionados em patamar africano. Mas neste campo, creio que nós, os mais “desenvolvidos”, ainda estamos próximos do Brasil-Real. Mesmo entre nós, a “saúde para todos” vem sendo substituída pela “saúde para quem pode pagar”, modulada pela disponibilidade do mercado e não pelas necessidades gerais. Para encerrar, afirmo que o Brasil das aparências, pelo menos no campo da saúde, está muito próximo, lamentavelmente, do Brasil-Real…

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