Por que estou abandonando o Facebook? Há cinco anos finalmente cedi e aderi ao que já era rotina entre boa parte das pessoas com quem me relacionava: abri uma conta no Facebook.
Minha relutância, que tinha durado alguns anos, basicamente era ligada a certa implicância com o uso, a meu ver indevido, da palavra “amigo”, totalmente vulgarizada quando aplicada a qualquer pessoa, desconhecida ou não, que trocasse informações com você naquele espaço, assim chamado “rede social”.
Mas achava divertido – iniciava-se a época de Lava Jato, petrolão & impeachment – ver o a opinião das pessoas, surpreendendo alguns conhecidos em atos explícitos de negar ou ignorar coisas em que um dia tinham acreditado.
Mas quanto à minhas opiniões ali, confesso que nunca entendi direito o fato de que alguma coisa que eu publicava repercutia imediatamente. Outras, inclusive algumas que eu considerava interessantíssimas, passavam inteiramente desapercebidas. Aí tem coisa, pensei, mas não atinei exatamente o que era.
A publicidade me molestava, mas já estava acostumada com ela no gmail. Sabem aquela coisa de você falar com alguém sobre uma viagem que intenciona fazer e nos dias seguintes choverem anúncios de hotéis em sua página?
O incômodo, contudo, começou a ficar insidioso, quando via anúncios de carros, sapatos, TV, vinhos etc serem “recomendados” a mim por pessoas de minhas relações, embora, quando as inquirisse a respeito diziam não ter feito isso diretamente – e seguramente nem terem autorizado os robôs zuckerberguianos a fazê-lo.
No quesito da publicidade, as pulgas atrás de minha orelha se multiplicaram e se tornaram mais tóxicas quando tentei comprar um objeto a mim anunciado. Dei de cara que um site que não abria e cujas bandeiras de cartão de crédito eram fake; além do mais, uma parte do conteúdo era em alguma língua da China.
Aí tem, pensei mais uma vez…
Até então a minha crítica era difusa e pouco fundamentada. Mas então li uma matéria na Revista Piauí, número 132 de setembro 2017, que me abriu os olhos, Era um artigo de um jornalista e ensaísta inglês, John Lancaster (http://piaui.folha.uol.com.br/materia/voce-e-o-produto/) que me abriu os olhos de vez.
O nome era dos mais significativos: Você é o Produto¬ – referindo-se ao Facebook.
Algumas anotações que retirei de tal artigo seguem abaixo:
O tal site tende a separar e atomizar seus usuários em grupos de pensamento semelhante, fazendo com que sua suposta missão de “conectar” signifique, na prática, conectar pessoas com identidade de pensamento, formando assim “bolhas” de opinião, produzidas mediante filtros diversos. Isso, alerta o autor, tem impacto considerável na sociedade, aliás, cada vez mais fragmentada, fazendo com que a possível ideia que temos do que seja “nós” se torne cada vez mais estreita.
O negócio feicebuquiano é mais do que publicidade, pois se filia a uma linhagem de empreendimentos voltado unicamente à “captura e à revenda da atenção”. O domínio da psicologia dos indivíduos é fantástico no fb, locus onde se faz o possível para que “nos vejam como queremos ser vistos”. Neste ponto, Lanchester relembra Flaubert, que falava dos trens com ceticismo, por “permitirem que mais gente se desloque daqui para lá, encontrando-se com outros e sendo, juntos, os idiotas de sempre”.
O “Fakebook”. O autor lembra que na mídia, em geral, as notícias forjadas podem ser rebatidas e denunciadas. Já na grande rede social se a pessoa não integrar a comunidade à qual essas mentiras são direcionadas, é provável que nem tome conhecimento delas. O fato é que a empresa de Zuckerberg não tem qualquer interesse financeiro em só dizer a verdade, justificando o ácido título do artigo em pauta: “se o produto for de graça, você é que é o produto”. E ele adverte: “para o Facebook, que diferença faz se as notícias postadas são verdadeiras ou falsas? Seu interesse está no direcionamento dos anúncios, no targeting, e não no conteúdo que os acompanha”.
Assim, os verdadeiros clientes do fb não são os frequentadores do site, mas os anunciantes que aproveitam tal facilidade e se beneficiam da sua capacidade em direcionar anúncios a públicos receptivos. Como explica García Martínez, um dos autores citados no texto: “o Facebook só tem duas prioridades: o crescimento e a monetização”.
Como se sabe, o que é fake news para uns, é verdade para outros e, sobre isso, o fb se empenha na verdade é em evitar qualquer responsabilidade pelo conteúdo do seu site, com possível exceção de conteúdo sexual, em que demonstra um rigor extremo. Bizarra é a escala de prioridades ali praticada, parecendo fazer sentido apenas no contexto estadunidense, no qual mesmo ligeiras sugestões de sexualidade são logo taxadas de impureza moral. Até mesmo fotos de mulheres amamentando seus filhos são banidas! Mas mentiras de toda ordem e propaganda mesmo enganosa, estas podem circular à vontade.
Outro problema: conteúdo forjado e roubado abundante na rede, sem que a empresa se incomode. Há estudos mostrando que boa parte do conteúdo em vídeo do site é roubado de seus criadores, por exemplo, aquele realizado pela produtora alemã de filmes Kurzgesagt, demonstrando que, em 2015, mais de 70% dos vídeos mais assistidos no Facebook eram roubados.
E prossegue Lanchester: “Um observador neutro poderia se perguntar se o Facebook é cumpridor em relação aos criadores de conteúdo. É óbvio que ele precisa de conteúdo, porque é o que seu site exibe: conteúdo produzido por terceiros. O único detalhe é que ele não faz muita questão de que alguém mais, além dele próprio, ganhe dinheiro com esse conteúdo. Ao longo do tempo, essa atitude vem tendo consequências profundamente destrutivas para as indústrias criativas e de mídia. O acesso a um grande público – esses inéditos 2 bilhões de espectadores – é uma coisa ótima, mas o Facebook não demonstra a menor pressa em ajudar qualquer outro a faturar com isso. Se os fornecedores de conteúdo acabarem indo à bancarrota, talvez o problema nem seja tão sério. Continuam a existir, nos dias que correm, muitos fornecedores dispostos a colaborar: em certo sentido, qualquer pessoa que frequente o Facebook trabalha para ele, agregando valor à empresa.
Chocantes são as dimensões do alcance de tal Leviatã: “Em 2014, o New York Times fez as contas e descobriu que a humanidade vinha gastando, por dia, 39 757 anos coletivos no site. Jonathan Taplin assinala que isto equivale a “quase 15 milhões de anos de mão de obra gratuita por ano”. E isso num momento em que o Facebook tinha apenas 1,23 bilhão de usuários”.
Amigos, acordem, agora digo eu. O Facebook conhece a identidade e o telefone de cada um de seus “clientes/produtos” e ainda é capaz de seguir você em cada site que visita, cada link que abre, independentemente de clicar alguma coisa. E ele faz parcerias com empresas tradicionais de crédito, sabendo desta maneira tudo que todo mundo já comprou com o cartão de crédito! E toda essa informação é usada para uma finalidade, em última análise, altamente rasteira: vender coisas por meio de anúncios online.
Zuckerberg tem formação em psicologia, além de ciência da informação. Mas ele não trabalha com algum tipo de “psicologia de quintal”. Suas justificativas de “conexão” e de “comunidade” são balelas, não passando de racionalizações a posteriori. “E é por isso que a necessidade de crescer sempre foi tão fundamental para a empresa, cujo comportamento em muitos aspectos lembra antes um vírus que um negócio. Crescer, multiplicar-se e monetizar. Por quê? Não há um porquê. A resposta é porque sim”.
John Lanchester acena para uma possibilidade interessante, à qual estou aderindo e convido todos os meus amigos (aqueles de verdade, não no sentido feicebuquiano) a fazê-lo também: a maior ameaça para o Facebook talvez seja a eventualidade do desligamento em massa de seus usuários e na história das redes sociais já houve pela menos um caso, o do MySpace, em que as pessoas mudaram de ideia, com desligamento em massa e em altíssima velocidade.
É preciso denunciar, acima de tudo, que o modelo de negócios do Facebook se assenta na vigilância. E tem mais: está provado cientificamente que a frequência à tal rede do mal provoca infelicidade… Aliás, em 2014, cientistas sociais da empresa haviam manipulado os feeds de notícias de certos usuários para avaliar os possíveis efeitos sobre as suas emoções. O artigo resultante da experiência, publicado nos Proceedings of the National Academy of Sciences , era um estudo sobre o “contágio social”, ou a transmissão de emoções entre grupos de pessoas, resultante de uma modificação na natureza das notícias vistas por 689 003 usuários do Facebook.
Por essas e por outras é que declaro em alto e bom som: Facebook adeus! Tõ fora! Fui…

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