Gestão regional em saúde: uma revisão

SUSO presente texto, elaborado mediante contrato com a OPAS Brasil tem por objetivo, além da realização de uma revisão bibliográfica sobre o tema da gestão regional e gestão local em saúde, com foco nas diretrizes de regionalização e governança no SUS, seus avanços e desafios, responder a uma questão ampla, qual seja: a regionalização da saúde no Brasil, tal como colocada em documentos normativos mais recentes, derivados do Pacto pela Saúde de 2006, tem encontrado mecanismos apropriados de governança para se impor ao cenário da política pública?

A resposta preliminar é a de que tais mecanismos ainda pertencem a um terreno experimental e pouco consolidado, sendo além do mais fortemente determinados do ponto de vista normativo pelo Gestor Federal do sistema, distantes, portanto de uma situação de estabilidade ou sustentabilidade, ou de real compartilhamento de responsabilidades.

A experimentação, no caso, seria válida e desejável. Mas, ao mesmo tempo, a sustentabilidade ou, pelo menos, a relativa estabilidade do estatuto em foco, com vistas à governança, constituem desejáveis atributos, ainda não alcançados, em relação aos quais é necessário aprofundar e ampliar o conhecimento presente.

O texto se distribui ao longo de seis seções, a saber: (1) Conceitos gerais; (2) Contribuições da Nova Geografia; (3) Inserção na Política Nacional de Desenvolvimento Regional; (4) A questão federativa; (5) Regionalização na saúde: estado da arte; (6) Regionalização: fatores facilitadores, empecilhos, desafios e lições.

Foram selecionados quinze textos para a presente análise, a maioria publicados na literatura de saúde coletiva, mas também produtos de consultoria obtidos diretamente dos autores, além de documentos oficiais.

Leia o texto completo  abaixo ou acesse o link: PRODUTO 03 FINAL 31 OUT 15 FLAVIO GOULART:

OPAS – ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE / BRASIL / CONTRATO BR/CNT 1500328.002 (EMENDA) / PRODUTO 3

 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA RELATIVA AO TEMA DA GESTÃO REGIONAL E GESTÃO LOCAL EM SAÚDE, COM FOCO NAS DIRETRIZES DE REGIONALIZAÇÃO E GOVERNANÇA NO SUS, SEUS AVANÇOS E DESAFIOS

FLAVIO A. DE ANDRADE GOULART

BRASÍLIA, 31 de outubro de 2015

INDICE

 

TÍTULO PÁGINA
CONCEITOS 04
AS CONTRIBUIÇÕES DA “NOVA GEOGRAFIA” 07
A REGIONALIZAÇÃO DO SUS E A POLÍTICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL 09
A QUESTÃO FEDERATIVA 12
REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE: O ESTADO DA ARTE ATUAL 14
REGIONALIZAÇÃO: FATORES FACILITADORES, EMPECILHOS, DESAFIOS E LIÇÕES 16
SÍNTESE E CONCLUSÕES 21
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 24

INTRODUÇÃO

O presente texto, elaborado mediante contrato com a OPAS (BR/CNT 1500328.002 – Emenda) tem por objetivo, além da realização de uma revisão bibliográfica sobre o tema da gestão regional e gestão local em saúde, com foco nas diretrizes de regionalização e governança no SUS, seus avanços e desafios, responder a uma questão ampla, qual seja: a regionalização da saúde no Brasil, tal como colocada em documentos normativos mais recentes, derivados do Pacto pela Saúde de 2006, tem encontrado mecanismos apropriados de governança para se impor ao cenário da política pública?

A resposta preliminar é a de que tais mecanismos ainda pertencem a um terreno experimental e pouco consolidado, sendo além do mais fortemente determinados do ponto de vista normativo pelo Gestor Federal do sistema, distantes, portanto de uma situação de estabilidade ou sustentabilidade, ou de real compartilhamento de responsabilidades.

A experimentação, no caso, seria válida e desejável. Mas, ao mesmo tempo, a sustentabilidade ou, pelo menos, a relativa estabilidade do estatuto em foco, com vistas à governança, constituem desejáveis atributos, ainda não alcançados, em relação aos quais é necessário aprofundar e ampliar o conhecimento presente.

O texto se distribui ao longo de seis seções, a saber: (1) Conceitos gerais; (2) Contribuições da Nova Geografia; (3) Inserção na Política Nacional de Desenvolvimento Regional; (4) A questão federativa; (5) Regionalização na saúde: estado da arte; (6) Regionalização: fatores facilitadores, empecilhos, desafios e lições.

Foram selecionados quinze textos para a presente análise, a maioria publicados na literatura de saúde coletiva, mas também produtos de consultoria obtidos diretamente dos autores, além de documentos oficiais. 

CONCEITOS

A ideia de regionalização aplicada à saúde ganha corpo teórico conceitual a partir dos anos 1950, com foco na integração de serviços de complexidades diferentes e educação médica. O conceito primordial de região era definido pela OMS como área geográfica de um país que é o objeto de planejamento para desenvolvimento socioeconômico, coincidindo ou não com unidades administrativas e descrito por suas propriedades topográficas, demográficas, culturais, sociais ou econômicas. O conceito é reforçado nos anos 60, de forma imbricada com a descentralização, tendo a região como plataforma sobre a qual o planejamento de saúde pública se torna viável. No Brasil sua maior visibilidade se dá no final dos anos 60 e ao longo do 70 – era de planejamento por excelência – quando o conceito se torna então orgânico à proposta integração entre administração e planejamento.

Mais recentemente a regionalização incorpora a ideia das redes integradas de atenção à saúde, associando-se aos conceitos de coordenação e continuidade do cuidado, com presença inédita de novos componentes gerenciais e subjetivos, tais como “colaboração” e “interdependência”, opondo-se, assim,a uma formulação de índole mais burocrática.

No SUS, o processo de regionalização define região de saúde em termos de base territorial de planejamento, levando em conta suas características demográficas, sócioeconômicas, geográficas, epidemiológicas. Trata-se de uma concepção de região mais flexível do que as tradicionalmente adotadas, mas mesmo aí não se escapa de certa tendência de tratar as regiões como unidades de intervenção e ação do Estado, sem maior espaço para a participação da sociedade. Adiciona-se, assim ao conceito, a consideração das redes de articulação regional porventura existentes e capazes de contribuir para o fortalecimento da identidade regional. A regionalização deve também contribuir para a ampliação da participação comunitária e da democratização. Com efeito, dentre todas as políticas públicas, é no setor da saúde que a regionalização se apresenta de forma mais complexa e até mesmo polêmica, por envolver amplos segmentos, por implicar naparticipação coletiva, além de contribuir para o aprimoramento democrático.

O uso do conceito de região sob as perspectivas acima remete ao conceito associado de consciência regional, ou seja, relativa às características simbólicas de uma dada região, assumidas coletivamente a partir da combinação de elementos físicos ehumanos inerentes à região, podendo ser considerada, também, produto das imagens dominantes que emergem ao longo do tempo, de dentro e defora da região, que definem um lugar e um tempo que as pessoas adotam e passam autilizar, aceitando-as ou rejeitando-as para assim, expressar a identidade regional. Decorre, daí, uma identidade regional, dada pelo compartilhamento das experiências epor sua manipulação através da memória, sendo afetadas por variáveis sociais e individuais diversas, tais como classe,gênero, etnia, política, religião e linguagem. A “identidade” de uma região, todavia, deve ser diferenciada analiticamente entre aquela “ideal”, geralmente atribuída externamente e aquela manifesta pela própria sociedade civil, que se refere, de fato, a uma identidade proveniente da expressão de experiências pessoaisno território, constituindo, assim, expressão pessoal ou coletiva de experiências, representando uma real consciência regional.

Conceito associado ao de territorialidade e mais especificamente à sua gestão pelos atores sociais é o de consensualismo. O processo de gestão regional, particularmente aquele praticado no SUS é repleto de pressuposições de que as deliberações (dos Colegiados de Gestão, no caso) devem se dar sempre por consenso. Aliás, consensualismo é tema tradicionalmente associado ao federalismo, mas não deve ter a sinonímia de unanimidade.Com efeito, o consenso ocorreria quando uma proporção significativa de membros de determinada coletividade possui acordo quanto a valores, prevenção de conflitos, mediante sentimentos de afinidade recíproca e social. Consensos implicam, sobretudo, em  acordos, não sob temor de coerção. Assim, para haver consenso, o desacordo deve ser considerado uma possibilidade tão natural quanto o acordo – e isso o diferencia essencialmente da unanimidade.

Possuem interesse direto relativo ao objeto ora em foco as teorias sobre a construção de relações cooperativas. Segundo o referencial do rational choice, os indivíduos tendem a fazer escolhas que maximizem seus ganhos individuais, o que significa que a atitude de cooperação e escolha pelo bem comum pode também ser atraente quando resultar em benefícios maiores ou mais duradouros. Aspecto relacionado é o chamado dilema da ação coletiva, que diz respeito aos limites e obstáculos que os grupos enfrentam para garantir o provimento de bens que beneficiem os coletivos a que pertencem. Sua eficácia em produzir benefícios mais amplos dependeria, por exemplo, do tamanho das comunidades (as menores tendem a cooperar mais…) e da existência de regras claras de punição e desestímulo ao “caroneiro” ou “free-rider” (aquele que não contribui para o bem comum, mas usufrui dos benefícios).

Sobre os motivos pelos quais certas instituições obtêm êxito na ação coletiva e outras não, apontam-se variados fatores que afetariam favoravelmente a escolha individual em favor do coletivo, por exemplo, aclara definição dos limites da instituição, a participação ampliada na definição das regras, a adoção de sanções aos transgressores, bem como os mecanismos menos onerosos para a solução de conflitos, entre outros aspectos.

Também merecem destaque em tal arcabouço teórico as contribuições da chamada teoria do capital social nos dilemas da ação coletiva.  Putnan, autor seminal neste campo, define que o capital social é constituído pelas “características da organização social como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas”. Assim, sociedades que possuem capital social valorizam práticas de confiança interpessoal e se tornam mais capazes de alcançar bens comuns e a cooperação voluntária. Em outras palavras, o capital social reforça e promove a cooperação espontânea, gerando um círculo virtuoso. O trabalho de Putnan sugere ainda que um Estado descentralizado é mais eficiente, responsável, transparente e capaz de maximizar os investimentos, embora isso não resulte necessariamente em saldos positivos no alcance da equidade e na redução das desigualdades entre as regiões.

Em síntese, o capital social favorece a cooperação espontânea e que a confiança é o seu componente central. A confiança seria um produto das tradições cívicas e das relações de reciprocidade na vida social. As diversas oportunidades de interação entre os atores sociais possibilitariam meios para aumentar a confiança e possibilitar colaborações futuras, oferecendo mecanismos para a superação da lógica da ação coletiva baseada no interesse pessoal. Em suma, a solidariedade e a confiança interpessoais e a existência de organizações sociais constituem elementos colaborativos para o bom desempenho das instituições. É necessário, também, compreender que o Estado pode ser um fomentador do capital social, especialmente quando intervém sobre a qualidade das suas instituições ou sobre a redução das desigualdades sociais.

REFERÊNCIAS

  • Antonio Carlos Gil; René Henrique GötzLicht; Nancy ItomiYamauchi. Regionalização da saúde e consciência regional. HYGEIA, Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde – Hygeia, 2(3):35-46, Dez 2006 Página
  • Daniel de Araujo Dourado; Paulo Eduardo Mangeon Elias. Regionalização e dinâmicapolítica do federalismosanitário brasileiro. RevSaude Publica 2011;45(1):204-11
  • Glauco Knopp; Flávio Alcoforado Governança social, intersetorialidade e territorialidade em políticas públicas: o caso da OSCIP Centro Mineiro de Alianças Intersetoriais (CEMAIS). Paper apresentado ao III Congresso Consad de Gestão Pública. s/data
  • Guilherme Arantes Mello Ana Luiza d’Ávila Viana. Uma história de conceitos na saúde pública: integralidade, coordenação, descentralização, regionalização e universalidade. História, Ciências, Saúde– Manguinhos, Rio de Janeiro, v.19, n.4,out-dez. 2012, p. 1219-1239.
  • Iracema Benevides. Cooperação e solidariedade como princípios subjacentes ao SUS In Tasca, Renato (coord.): Redes e regionalização em saúde no Brasil ena Itália. Lições aprendidas e contribuições para o debate. Brasília, OPAS, 2011

AS CONTRIBUIÇÕES DA “NOVA GEOGRAFIA”

A Geografia clássica sempre teve SEU enfoque limitado às localizações espaciais. Tal situação, contudo, de há muito se alterou, acompanhando o incremento da complexidade da realidade social, e dos processos concernentes dinamizados pela técnica, pela ciência e pela informação. No âmbito da mudança está também o processo de globalização atual, que coloca lugares distantes em reciprocidade, unifica distâncias pela informação, ou pelo dinheiro, pelos sistemas técnicos e políticos. Advém, então, uma nova geografia, adequada a uma nova realidade social, exigindo novas concepções e renovações do arcabouço teórico respectivo.

No Brasil, um expoente dessa nova corrente de pensamento, o geógrafo Milton Santos, desde a década de 1970, se propôs compreender o espaço geográfico como ente dinamizador da sociedade e não simplesmente palco onde ocorrem as relações sociais, com materialidade ativa em relação às relações que nelese dão. Assim se nega a ideia de um “espaço banal”, onde não importam as diferenças humanas e das diversas instituições, sua força, suas empresas, seu poder. O espaço geográfico é então definido pelo seu papel ativo e motor, resultado de um processo histórico com base material e social das ações humanas. A nova geografia busca a compreensão não puramente do território puro e simples, mas sim do território usado, “híbrido de materialidade e ações, entre trabalho morto e trabalho vivo, entre forma e conteúdo, entre o meio construído e o movimento da sociedade”. O território usado compreende conteúdos, não sendo simples continente e nele é possível recuperar um enfoque totalizador, comprometido com um saber que dá conta da realidade concreta. Assim tal conceito se mostra como importante fundamento para outra perspectiva sobre regionalização.

A regionalização seria, potencialmente, uma delimitação do território usado, feita a partir de critérios técnicos e políticos que buscam coerência nas diferenciações espaciais e que têm por objetivo a instrumentalização política da dinâmica territorial. Porém, no Brasil, as divisões regionais produzidas – em regra geral, solicitadas pelo Estado para servirem à formulação e implementação de políticas públicas, satisfazendo uma razão estratégica do interesse requerido pela divisão, embora terminem por prejudicar a efetividade das políticas propostas e mesmo acirrar as desigualdades.

Discutir a regionalização implica na compreensão do conceito de território e sua variante, o conceito de territorialidade. Assim, o conceito de território compreende aspectos como conteúdo, meio e processo de relações sociais, em cuja abordagem há que se considerar, simultaneamente, as articulações e interações entre as variadas dimensões sociais, o processo histórico e a multiplicidade de dinâmicas territoriais. Uma grande complexidade rodeia o conceito, ao englobar natureza e sociedade, objetos e ações, formas espaciais e relações de poder, recursos ambientais e infraestrutura, interações econômicas, socioambientais, políticas e culturais, processos, continuidades e descontinuidades, escalas (local, regional, nacional, global), materialidade e imaterialidade. O território, assim, é algo uno e múltiplo, singular e plural, além de ao mesmo tempo se constituir como espaço vivo, abstrato e concreto.

A territorialidade refere-se, portanto, às relações que se processam nos territórios, remetendo ao cotidiano da população; às relações entre o Estado, a sociedade civil organizada e cidadãos, que com interações políticas, econômicas, sociais e simbólico-culturais transformam o território em um ente vivo, de acordo com o referencial teórico desenvolvido pelo geógrafo brasileiro Milton Santos, referindo-se a espaços geograficamente delimitados, recortados, porém em uso,  vivo, interpretado e modificado pelos atores e em contínua transformação.

Implicação direta da teoria é a de que a construção das regiões de saúde deve ser entendida para além de seu componente puramente administrativo, ao se acompanhada pelo incremento da consciência regional por parte da sociedade. Isto significa alcançar e consolidar uma efetiva identidade regional de base física, material e simbólica, com a fixação de uma imagem da região tanto relativa a seus habitantes como entre os de outras regiões. Com base nessas considerações, surgem orientações práticas para a delimitação das regiões, que incluem, além da identificação de redes de articulação regional já existentes, o aproveitamento de elementos simbólicos capazes de contribuir para o fortalecimento da identidade regional e o alcance de um patamar mínimo de densidade institucional.

Deve estar claro, ainda, que o estabelecimento da região como parte de um sistema de regiões, com atributos bem definidos e associados à consciência regional da comunidade, requer essencialmente a atuação de adequadas instâncias de representação, debate e deliberação, que sejam capazes de promover a articulação dos vários atores presentes no cenário da região. Só assim podem se transformar os territórios em “entes coletivos”, capazes de dar sustentação política ás ações que as beneficiam. No caso brasileiro, não é demais alertar para a tradição de organização política centralizada e dependente, com o típico Estado pesado, com uma sociedade civil sem força e clientelismo.

Como decorrência de tais abordagens originadas da geografia contemporânea, infere-se que as políticas, programas ou projetos públicos em geral tornam-se mais efetivos se forem territorializados, no sentido de serem apropriados e incorporado ao cotidiano de seus destinatários, que se constituir como agentes do processo. Somente a participação qualificada e informada da sociedade na definição e no acompanhamento do planejamento de seu futuro e na orientação da alocação dos investimentos públicos e privados, visando ao desenvolvimento e à organização mais equilibrada do território, com base em suas demandas, limites e potencialidades, poderá viabilizar o aperfeiçoamento e a efetividade da ação pública.

Assim, o desafio é o de promover e aperfeiçoar a práxis da governança social, de forma que se obtenha cada vez mais impactos positivos sobre os territórios (e sobre a territorialidade), no que concerne ao desenvolvimento e à democracia local. Nesse sentido, o conceito de governança social territorial com bases locais/regionais, indica a necessidade de ação coletiva democrática operacionalizada por meio de redes, envolvendo os principais grupos de interesse locais e regionais (embora não exclusivamente). A lista de tais atores é extensa por natureza: prefeituras, associações de moradores, igrejas, clubes, empresas etc.

REFERÊNCIAS

  • Ana Luiza d’Ávila Viana; Nelson Ibañez; Paulo Eduardo Mangeon Elias; Luciana Dias de Lima; Mariana Vercesi de Albuquerque; Fabíola Lana Iozzi. Novas perspectivas para a regionalização da saúde. São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 92-106, jan./jun. 2008
  • Antonio Carlos Gil; René Henrique GötzLicht; Nancy ItomiYamauchi. Regionalização da saúde e consciência regional. HYGEIA, Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde – Hygeia, 2(3):35-46, Dez 2006 Página
  • Glauco Knopp; Flávio Alcoforado Governança social, intersetorialidade e territorialidade em políticas públicas: o caso da OSCIP Centro Mineiro de Alianças Intersetoriais (CEMAIS). Paper apresentado ao III Congresso Consad de Gestão Pública. s/data

 A REGIONALIZAÇÃO DO SUS E A POLÍTICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL

A Política de Desenvolvimento Regional (PNDR) no Brasil foi lançada pelo Ministério da Integração Nacional em 2003 e institucionalizada como política de governo por intermédio do Decreto nº 6.047/2007, tendo como objetivo central reduzir desigualdades entre as regiões além de promover a equidade no acesso a oportunidades de desenvolvimento. Sua elaboração se dá em contexto de retomada da importância do planejamento no País.

A partir de 2013 algumas questões-chave passam a ser colocadas para o debate social e federativo, com foco em maior equilíbrio regional do país, abrangendo aspectos tão diversos como: governança, financiamento, elegibilidade de territórios, vetores do desenvolvimento regional sustentável, entre outros aspectos. O fato concreto é que, desde 2013, ocorrem esforços de articulação e sinergia com os Ministérios do Meio Ambiente; Cidades; Comunicações; Saúde; Cultura; Desenvolvimento Agrário; Ciência, Tecnologia e Inovação; Pesca e Aquicultura; Educação; Minas e Energia; Turismo; Transportes; e Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

A regionalização do SUS seria de matriz distinta da matriz da economia e do planejamento regional aplicado ao Brasil. Alguns conceitos podem ser firmados sobre a regionalização do SUS, de forma comparativa com a PNDR: (a) a regionalização no SUS tende a ser vista como estratégia da descentralização e bastante voltada ao processo de gestão; na PNDR, ela ocupa o papel de delimitar e selecionar espaços prioritários para a ação do Estado Nacional, o que implica não considerar, no âmbito da PNDR, os que não atendem aos critérios da delimitação de regiões; (b) em contraste com a PNDR, a regionalização no SUS não seleciona nem prioriza regiões, mesmo porque o sistema se guia pelo princípio da universalidade; (c) a regionalização no SUStem caráter processual, político e institucional; já regionalização na PNDR desempenhe papel distinto, na medida em que seu conteúdo seria próprio de políticas setoriais e que como política regional deve garantir que frações do espaço territorial sejam objeto de ação compatível com sua posição no conjunto do território nacional; (d) o sentido da descentralização sempre foi permanente no SUS, antes traduzido como municipalização (‘autárquica’),depois considerada inviável como processo de descentralização, fazendo com que a regionalização passasse a ser reconhecida como de grande valor para promover a descentralização rumo a ‘regiões’ supra municipais.

As análises da literatura indicam que no SUS ocorreu um retardo no processo de regionalização, já que a descentralização e a regionalização avançaram com diferentes velocidades. É assim que resultado específico da regionalização, a saber, a delimitação de regiões conhecidas como ‘regiões de saúde’ difere, metodologicamente, do que se observa na PNDR, na qual a ‘região’ é fruto da aplicação de critérios com características definidas, formando assim uma massa de municípios filtrada a partir de critérios uniformes, permitindo sua classificação em ‘prioritárias’ e ‘não prioritárias’; de tal forma que apenas parte do território nacional faz parte da intervenção da PNDR. Já da parte do SUS, se descentraliza a escolha e o emprego de critérios de regionalização, na medida em que cabe aos estados definir as regiões de saúde, de forma independente de critérios nacionais pré estabelecidos, não cabendo igualmente os rótulos de ‘prioritário’ e ‘não prioritário’.

Implicação imediata é a de que todo e cada um dos municípios brasileiros participam de uma ou mais ‘regiões de saúde’. O Estado, pela PNDR, se compromete a atuar em regiões prioritárias; já no SUS, ele se obriga a atender a todos os cidadãos em todas as regiões. No caso da saúde, se é para atender a todos, mediante o princípio da universalização, de igual forma (equidade), não há regiões prioritárias, mas apenas variação de cardápios de serviços oferecidos.

Assim, se a regionalização é o processo, baseado em critérios, de identificar porções do território que sofram disparidades inaceitáveis para a sociedade e que precisam de um aporte especial e apropriado para que o processo de desenvolvimento seja igualmente proveitoso para todos, então, do ponto de vista teórico e metodológico, o que é utilizado no SUS não é propriamente regionalização, uma vez que toda e qualquer porção do território nacional integra, necessariamente, uma ‘região de saúde, equivalente a área de abrangência ou de atuação de uma instituição. Em outras palavras, “a ‘regionalização’ utilizada pelo SUS gera, tecnicamente, ‘agrupamentos’ de municípios ou ‘áreas de influência’ de suas instalações prestadoras de serviços de saúde”. Isso não deve ser tomado como um demérito à Política Nacional de Saúde nem para o SUS, tratando-se, apenas, de evidenciação da polissemia da expressão ‘regionalização’.

Outra questão levantada é a da regionalização submetida ao ‘filtro’ da eficiência, ao protagonismo das autoridades municipais e estaduais e à ampliação e acesso aos serviços de saúde, em busca de sistemas de saúde mais eficientes, em que os governos assumam efetivamente seus papéis nos respectivos territórios. A saúde se constituiria, assim, como um canal de ‘educação política’, o que, certamente, terá seus resultados de médio e longo prazo, espraiando-se para além dos limites da própria saúde. Em suma, não seria tarefa simples vincular diretamente saúde com desenvolvimento regional. Sobra, evidentemente, a via indireta e de médio prazo.

Uma avaliação da PNDR (2011) poderia ser aplicada ao SUS, mostrando em linhas gerais, o seguinte: (a) o arranjo político do presidencialismo de coalizão e a parcela das forças políticas que se entronam como oligarquias regionais formam o pano de fundo do PNDR, vista como paladino da equidade e das oportunidades latentes na economia. Mas evidentemente não estaria qualquer governo disposto a fazer valer tal objetivo, que implica em conviver com conflitos latentes e explícitos, pois, inevitavelmente, o modelo político citado imprimiria sua marca nas instituições públicas que cuidam das políticas, inclusive a regional; (b) o cálculo dos ganhos e perdas do exercício da atividade política, feitos tanto para o presente quanto para o futuro se fez no sentido de encaminhar a solução para um núcleo político-partidário com interesses mais próximos dos do partido do Presidente da República. Assim, ao persistir a orientação partidária de entregar a gestão de tal política no Ministério da Integração, a um partido aliado, a atividade coordenadora e articuladora da PNDR estará sendo sacrificada hoje, e sempre, ou seja, o fortalecimento da PNDR, na ausência da revisão do modelo de coalizão, dependerá da solução do conflito entre meios e fins; (c) uma verdadeira “torquês política” se impõe no cenário, com uma de suas mandíbulas condicionada aos interesses do partido político dominante; a outra impondo um condicionamento operativo que condiciona a implementação das ações públicas à vontade individual dos detentores de emendas parlamentares, sem atender eventuais programações dos fóruns locais e regionais ou das instâncias centralizadas do governo federal, mas sim dos parlamentares; (d) no ‘atacado’ e no ‘varejo’ a PNDR estaria condicionada a decisões de caráter político-partidário, agindo como “ferida exposta” das políticas de equidade no contexto da acumulação capitalista, o que não substitui o conflito distributivo, mas amplia a visão e dá o grau de complexidade na concepção e gestão de políticas distributivas.

O quadro síntese seguinte mostra uma análise comparativa das regionalizações no âmbito do SUS e da PNDR:

Tópico SUS PNDR Notas
Escala dominante das regiões Uniescalar, supramunicipal Multiescalar, até a macrorregional A busca do cidadão por saúde ‘rompe’ os limites das regiões do SUS?
Critérios de regionalização Nacionalmente não unificados Nacionalmente unificados SUS: a cargo dos estados
Há regiões prioritárias? Não Sim
Financiamento Unicamente as ações de Estado Ações de Estado + fundos para iniciativa privada
Há regiões especializadas? Não Um pouco O SUS, ao ser visto como um sistema hierarquizado, mostra, regionalmente, que a relação entre seus nódulos periféricos é virtualmente nula.
Finalidade Universalização

Descentralização

Equidade

Redução das desigualdades

Exploração das potencialidades

Questões – A PRE é o parâmetro e as PRI devem se adaptar à PRE? A PRE está esgotada e o caminho são as PRI?

– Deve haver convergência de PRE e PRI rumo a um novo paradigma e não a disputa para uma se submeter à outra?

– O MI deveria se responsabilizar por realizar ‘conferências do desenvolvimento regional’ em escalas territoriais de menor abrangência para ‘abastecer’ os projetos setoriais de demandas?

– A PNDR deveria ser uma ‘política vazia’ no sentido de que, no limite, convenceu seus pares da importância do ‘regional’ e abriu mão de controlar recursos, apenas ideias e capacidade de coordenação?

– A transversalidade do SUS deveria estar da PNDR?

– O ‘regional setorial’ tende a privilegiar a demanda e o ‘regional’ da PNDR tende a privilegiar a oferta?

– Interação: ‘setorial’ pelo conteúdo e ‘regional’ pela coordenação e integração de políticas?

REFERÊNCIAS

  • Mauro Marcio Oliveira. A Regionalização Aplicada à Política Nacional de Saúde – Estudo de Caso do SUS em Minas Gerais Texto fornecido pelo autor(Relatório do 2º Produto: Identificação e Justificativa do Estudo de Caso SR – Secretaria de Desenvolvimento Regional, do Ministério da Integração Nacional). 2015
  • Mauro Marcio Oliveira. PNDR. Avaliação da Política Nacional de Desenvolvimento Regional. Brasília, Ministério da Integração Nacional, 2011.
  • MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL. Política Nacional de Desenvolvimento Regional – PNDR. Sumário executivo. Brasília, s.d.

 A QUESTÃO FEDERATIVA

Existiria, de fato, um federalismo sanitário brasileiro? A história da federação brasileira é até certo ponto esclarecedora, ao mostrar um caminho inverso ao da maior parte dos estados federais constituídos. Com efeito, em seu desenvolvimento, o federalismo brasileiro experimentou ciclos de centralização e descentralização, mas que em todos os casos foram caracterizados pela hegemonia das oligarquias regionais na condução política da Nação.

A Constituição de 1988 instituiu um federalismo de modalidade cooperativa no Brasil e trouxe a novidade do ingresso definitivo dos municípios como entes autônomos. Consolidou-se, dessa forma, uma condição historicamente construída do poder local na organização do Estado brasileiro, com transferência de encargos e recursos para os governos municipais responsabilizarem-se pelo provimento de bens e serviços aos cidadãos. O SUS foi criado nesse contexto, fruto do reconhecimento do direito à saúde no Brasil, como instituição de caráter federativo orientada pela descentralização político-administrativa. Esta forma de organização política setorial pode ser adequadamente designada federalismo sanitário brasileiro.

Os processos de descentralização, regionalização e construção de redes no SUS devem ser analisados à luz de tal modelo federativo, constituindo-se um caso com muitas particularidades. Sua principal característica é a existência de uma dupla condição de autonomia e interdependência entre o governo federal e as unidades que compõem a Federação. O federalismo brasileiro, com seu tipo ideal cooperativo e intragovernamental, tem sua âncora na Constituição de 1988, na qual se pressupõe a cooperação e a partilha solidária do poder entre as esferas de governo, o que não impede que tais princípios e conceitos filosóficos sejam inadequadamente aplicados à prática política. Deve-se considerar, ainda, que conceitos como solidariedade e cooperação podem ter diferentes interpretações dependendo das inclinações ideológicas dos envolvidos e que são variados os caminhos para o alcance desses ideais.

Deve ser ressaltado, acima de tudo, que a política de saúde é uma arena complexa, em que os princípios ideológicos são um capital valioso, mas facilmente esquecidos frente à necessidade de gerar resultados palpáveis.

O fato é que após a Constituição Federal de 1988 os municípios brasileiros passaram a ser considerados como membros efetivos da Federação, com real transferência de poder, autonomia, financiamento e atribuições correlatas, nas mais diversas políticas. Entre as novas responsabilidades, os municípios passaram a responder pela organização e prestação de serviços de saúde para sua população. Assim, a definição das atribuições, limites, recursos e competências de cada esfera de governo sobre a saúde do território compartilhado, ainda é objeto de contenciosos, não totalmente resolvidos pelos instrumentos normativos (numerosos, por sinal) presentes no cenário. Portanto essa concepção federativa, inovadora por um lado, carece, entretanto, de ser mais bem estruturada e aperfeiçoada por mecanismos e instrumentos de coordenação e cooperação.

Vale lembrar que a descentralização das políticas públicas e das funções estatais em geral tem longa história no Brasil, passando por períodos de maior ou menor intensidade e avanço. De maneira geral, após a Constituição Federal de 1988 uma tendência descentralizadora passou a fazer parte da maioria das políticas públicas sociais no Brasil, com reflexos palpáveis na distribuição dos recursos federais aos demais membros da Federação. Dois fatores, pelo menos, devem ser considerados em tal processo: a arraigada história de centralismo presente em nossas instituições, desde o período colonial, bem como o caráter altamente peculiar da federação brasileira, com forte autonomia dos estados e dos municípios. Assim, pode-se dizer que a descentralização no SUS (ainda) é um fato jurídico e normativo mais do que um fato social ou político.

Decorrência marcante disso é a fragmentação e mesmo o desequilíbrio existente nas relações entre os entes federativos, o que faz com que a descentralização da saúde no Brasil se constitua em processo ainda inconcluso, com fortes influências culturais e muita complexidade inerente, sem impedimento de que se tenha acumulado importantes avanços. Tal assimetria de poder entre os entes federados é, portanto, um dilema mal equacionado, tendo como problema adicional a vigência de relações não exatamente cooperativas entre os membros federativos. É assim que a descentralização no sistema de saúde padece de forte desigualdade, tanto de fundo político, como social e econômico.

Os resultados da descentralização em contexto de desigualdades, como ocorre no caso brasileiro, também são contraditórios.  A Constituição de 1988 e o panorama legal e normativo subsequente incentivou intensivamente – e com relativo sucesso – maior participação dos governos locais na provisão de serviços de saúde. Entretanto, sendo muito complexas e desiguais as relações entre os diferentes níveis de governo, a experiência de descentralização no SUS, na verdade, desnuda constrangimentos e limitações diversos, fazendo com que esta seja menos eficiente do que aquela que ocorre em nações mais desenvolvidas e igualitárias.

A forma de descentralização em saúde assumida pelo Brasil teve a tendência de se constituir como municipalização autárquica, em que os limites, inclusive geográficos e as parcas potencialidades municipais constrangem o alcance do sistema de saúde. O foco posterior do processo em regiões, nas quais se exercitariam autonomamente as funções de provisão e compra de serviços, ainda pode ser considerado um fenômeno contracultural na realidade brasileira, mesmo que a referida autarquização demonstre estar em vias de esgotamento, ainda mais em panorama de ações pouco cooperativas entre os gestores da saúde.

 

REFERÊNCIAS

  • Daniel de Araujo Dourado; Paulo Eduardo Mangeon Elias. Regionalização e dinâmicapolítica do federalismosanitário brasileiro. RevSaude Publica 2011;45(1):204-11
  • Iracema Benevides. Cooperação e solidariedade como princípios subjacentes ao SUS In Tasca, Renato (coord.): Redes e regionalização em saúde no Brasil ena Itália. Lições aprendidas e contribuições para o debate. Brasília, OPAS, 2011

 REGIONALIZAÇÃO DA SAÚDE: O ESTADO DA ARTE ATUAL

A regionalização de ações e serviços de saúde no SUS está essencialmente vinculada à organização federativa brasileira e às suas expressões no âmbito sanitário. Conseqüentemente, a dinâmica política desse processo reflete uma busca do equilíbrio entre centralização e descentralização, que exprime a essência mesma do federalismo. Nesse sentido, é em 2006, com o Pacto pela Saúde, que se desenvolvem com mais vigor importantes alterações no processo de planejamento regional do SUS, tendo como pano de fundo um novo modus operandi das relações intergovernamentais no campo da saúde. Embora os instrumentos anteriores de indução federal tenham sido conservados com o Pacto, a orientação normativa dele derivada ofereceu, sem dúvida, melhores condições para o exercício de uma descentralização para a esfera estadual, legitimada nas CIB. Adicionalmente, inaugura-se o deslocamento da gestão regional para os CGR (depois CIR), de forma a reforçar o processo decisório compartilhado e cooperativo, com foco nas regiões.

Portanto, é certo que tal proposta de regionalização da assistência à saúde seja corretamente apontada como efetivo resultado de duas décadas de maturação política e institucional do sistema de saúde, constituindo um modelo eficazde exercício do federalismo cooperativo no país. É um modelo que comporta tensões, mas a identificação destas, bem como das potencialidades do modelo, contribuiu para o equacionamento da contradição histórica entre centralização e descentralização, facilitando a modelagem de mecanismos de cooperação e coordenação interfederativa.

A análise do processo de descentralização e regionalização no SUS em período mais ampliado, ou seja, toda a década de 2001 a 2010 confirma muitos desses resultados favoráveis, particularmente quanto ao enfoque regional estabelecido, que fez da região de saúde o lócus privilegiado para lidar com a dimensão territorial da universalização da saúde. Teria sido possível, assim, promover ganhos na política, no planejamento, no financiamento, na gestão e na organização técnica do sistema, assegurando a ação mais eficaz do Estado na garantia do direito à saúde.

Em momento mais recente, ou seja, a partir de 2010, ocorreu associação mais decidida entre a diretriz de regionalização e a de redes de atenção à saúde, tornando ainda mais complexa a ideia de regionalização. A capacidade de induzir mudanças e garantir a universalização a partir das redes e regiões de saúde, entretanto, ainda dependeria da conformação do sistema e das políticas de saúde nos estados, panorama em que impera a desigualdade e a assimetria.

Do ponto de vista das grandes regiões do país, é claro que o andamento da política não tenha sido uniforme, em vista não só das situações geográficas peculiares, como daquelas associadas à forma de organização política do território. Assim, verificam-se diferentes estágios desse processo nos estados, tendo em vista os contextos peculiares (histórico-estrutural, político-institucional e conjuntural); a direcionalidade (ideologia, objeto, atores, estratégias e instrumentos), bem como as próprias características do processo (institucionalidade e governança).

Em síntese, é possível dizer que essa institucionalidade das regiões de saúde tende a ser mais forte e sua governança mais cooperativa e coordenada naquelas unidades federativas onde existe tradição de planejamento regional, de priorização da regionalização, além de forte atuação das secretarias estaduais no planejamento. Além disso, tais contextos tendem a ser mais favoráveis nas áreas mais populosas, densamente urbanizadas, concentradoras de tecnologias, de profissionais, de fluxos materiais e imateriais, equipamentos e recursos públicos e privados de saúde.

Assim, pode-se afirmar que a regionalização no SUS de fato caminhou no sentido de criar regiões cooperativas, baseadas na solidariedade organizacional, na integração de redes e fluxos, na cooperação e coordenação intergovernamental. A região de saúde mostra, assim, uma perspectiva cooperativa, na medida em que a garantia da integralidade depende da solidariedade entre as regiões, como estratégia para enfrentar as desigualdades socioespaciais e garantir aos cidadãos o acesso a todos os serviços e ações ofertados pelo SUS no território nacional.

Analisando com maior detalhe o processo da regionalização nos diversos estados brasileiros, é possível apontar, tendo em vista as categorias de institucionalidade e governança, uma tipologia da regionalização em saúde, com dois tipos polares. Um primeiro, de maior maturidade da institucionalidade, associado a um quadro de estabilidade institucional e de integração e governança coordenada/cooperativa entre os atores. No outro extremo, grande indefinição não só quanto ao papel dos atores, mas também dos acordos entre eles, em um quadro de governança conflitiva ou indefinida. Nesse último caso, dominante no cenário, as estratégias de política de saúde mostram-se frágeis e pouco mobilizadoras em prol da regionalização.

Não se pode negar, todavia, que a análise da regionalização em saúde nos estados brasileiros, nos anos recentes, denota mudanças qualitativas no exercício de poder, que se traduzem, por exemplo, pela introdução de novos atores (governamentais e não governamentais); pelo surgimento de novos objetos, regras e processos, orientados por diferentes concepções e ideologias; pela maior relevância dos Gestores Estaduais do SUS na condução da regionalização, com fortalecimento das suas instâncias de representação regional; pela criação de novas instâncias de coordenação federativa (CGR/CIR); pela ampliação dos modos de organização e representatividade dos Gestores Municipais nas CIB, além do aprofundamento dos acordos intergovernamentais estabelecidos.

A regionalização se associaria, assim, em cada estado, às dinâmicas territoriais, às características do desenvolvimento econômico, às políticas de saúde anteriores, ao grau de articulação existente entre os representantes das SMS e da SES, com maior divisão de responsabilidades gestoras e elaboração de desenhos regionais mais adequados. Os resultados da mesma apontam, ainda, para ganhos de institucionalidade, mesmo na presença de contextos histórico-estruturais e políticos-institucionais desfavoráveis. Percebe-se, acima de tudo, a necessidade de fortalecimento do enfoque territorial no planejamento governamental e da integração de políticas setoriais a de desenvolvimento regional de médio e longo prazo, sendo essa uma condição fundamental para ampliar e assegurar o acesso da população aos serviços de saúde de diversos tipos, em termos de universalidade e integralidade.

REFERÊNCIAS

  • Daniel de Araujo Dourado; Paulo Eduardo Mangeon Elias. Regionalização e dinâmicapolítica do federalismosanitário brasileiro. RevSaude Publica 2011;45(1):204-11
  • Flavio A. de Andrade Goulart. A descentralização da saúde na década de 90. In Tasca, Renato (coord.): Redes e regionalização em saúde no Brasil ena Itália. Lições aprendidas e contribuições para o debate. Brasília, OPAS, 2011
  • Iracema Benevides. Cooperação e solidariedade como princípios subjacentes ao SUS In Tasca, Renato (coord.): Redes e regionalização em saúde no Brasil ena Itália. Lições aprendidas e contribuições para o debate. Brasília, OPAS, 2011
  • Luciana Dias de Lima; Ana Luiza d‘Ávila Viana; Cristiani Vieira Machado; Mariana Vercesi de Albuquerque; Roberta Gondim de Oliveira; Fabíola Lana Iozzi; João Henrique Gurtler Scatena; Guilherme Arantes Mello; Adelyne Maria Mendes Pereira; Ana Paula Santana Coelho. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Ciência & Saúde Coletiva, 17(11):2881-2892, 2012

REGIONALIZAÇÃO: FATORES FACILITADORES, EMPECILHOS, DESAFIOS E LIÇÕES

Nas duas últimas décadas observaram-se, sem dúvida, aprimoramentos marcantes das relações intergovernamentais na implementação do SUS. O Pacto pela Saúde, após quase uma década de sua emissão, continua representando um movimento de inflexão nos mecanismos de coordenação federativa na política de saúde, dada a valorização das esferas subnacionais e a criação de novas instâncias regionais.

Entre os desafios presentes no cenário pós Pacto, existe ainda alguma insuficiência qualitativa nas relações entre gestores, fazendo com que a adesão dos governos subnacionais ao Pacto tenha ocorrido sem que a regionalização fosse de fato fortalecida. Da mesma forma, os colegiados regionais (CGR, depois CIR) tiveram funcionamento irregular em muitas regiões, sem maior estrutura e recursos para o desenvolvimento de suas atividades, ficando ainda a descoberto a implantação de novos fluxos e modos de relacionamento entre tais colegiados e as comissões intergestores estaduais.

Aspecto costumeiramente lembrado é da desarticulação entre os processos de planejamento e de pactuação intergovernamental nos estados, com pouca valorização dos instrumentos de planejamento regional.

Aponta-se ainda, como fator desestabilizador para o processo de descentralização, a relativa fragilidade do modelo de intervenção federal embutido na proposta do Pacto, com insuficiente valorização do planejamento nem nível nacional, para além do mote de “base local e ascendente”, por existirem atributos próprios do planejamento em âmbito territorial mais do que local. É lembrada também a necessidade de ser desenvolver mecanismos que favoreçam a ampliação da participação social e institucional, além do estabelecimento de relações coordenadas e cooperativas entre governos, organizações e cidadãos nos espaços regionais.

Problemas de ordem estrutural também permeiam o cenário, como é o caso das marcantes desigualdades territoriais existentes no Brasil, que dificilmente podem ser resolvidas apenas pela intervenção de estados e municípios, mesmo articulada, ou da atuação do governo federal. Isso deveria envolver, também, esforços financeiros adicionais, seja da União, ou  dos estados, de modo atender as necessidades de saúde no âmbito das dinâmicas territoriais específicas.

Questão que também não se cala é a de que as políticas setoriais, particularmente no caso da descentralização e regionalização da saúde, somente alcançarão viabilidade se estiverem articuladas a políticas de desenvolvimento regional de médio e longo prazo, de natureza intersetorial e transetorial.

De toda forma, não podem ser desprezados os muitos avanços do processo de descentralização/regionalização no Brasil, praticamente consensuais entre os autores e atores do mesmo, dado o fato de que a reforma desencadeada pela criação do SUS, mesmo no período das NOB, representou um movimento sem precedentes na história das políticas sociais no Brasil, apesar de suas limitações, configurando a evolução de um estatuto de descentralização tutelada e convenial ao de descentralização regionalizada com compartilhamento de responsabilidades entre níveis de governo.

Avanços adicionais podem ser citados em profusão. O processo de descentralização também evoluiu ao superar a chamada “habilitação” de estados e municípios, marcada por procedimentos de fundo formal e mesmo cartorial entre 2004 e 2006.Do ponto de vista político, a era das NOB (anos 90), já estabelecera, como práticas correntes no SUS, os processos de negociação ou pactuação entre gestores, consubstanciadas na criação das comissões intergestores nos estados e em nível federal, o que trouxe marcante fortalecimento institucional e maior autonomia aos gestores dos estados e dos municípios, atenuando o grande poder normativo do Ministério da Saúde. Tal negociação entre gestores permitiu aumentar qualificar a participação dos atores envolvidos, bem como o surgimento de novos centros de poder e o incremento na responsabilização da gestão, embora nem sempre de forma equilibrada entre os vários participantes, tendo se observado, também, uma socialização temática, traduzida pela introdução do tema da saúde nas discussões realizadas em várias instâncias políticas e civis.

Devem ser valorizados, ainda, os incrementos notáveis obtidos na produção de serviços e ações de saúde, com a correspondente cobertura populacional, o desenvolvimento qualitativo e quantitativo da infraestrutura sanitária. Especial destaque deve ser conferido ao crescimento da atenção básica no país, particularmente após a NOB 96, com a Estratégia de Saúde da Família. Ocorreu também marcante fortalecimento da gestão da saúde, como aperfeiçoamento dos mecanismos e instrumentos de regulação, controle e avaliação do sistema e também das práticas de planejamento, com diversificação e socialização de instrumentos, tais como a Programação Pactuada e Integrada (PPI). Aperfeiçoaram-se, também, os mecanismos internos de financiamento das ações de saúde, embora sem equacionar os dilemas relativos ao montante alocado no setor saúde, superando quase completamente a modalidade dos convênios.

De outra parte, entretanto, não são poucas as contradições e pendências ainda por equacionar. Exemplo disso é a forte determinação normativa federal e o protagonismo do Ministério da Saúde, ainda acusado de ocupar, muitas vezes, o lugar dos estados e dos municípios em muitas decisões que poderiam e deveriam estar descentralizadas. Tudo isso mediante um cipoal normativo complexo e por vezes até mesmo contraditório, referido como portarização.

Parece claro, também, que o processo de descentralização vigente falha em criar, ou pelo menos induzir, o desenvolvimento de verdadeiras e duradouras relações cooperativas, solidárias e não-predatórias entre os níveis de governo, compatíveis efetivamente como um sistema federativo. A capacidade demonstrada em equilibrar as desigualdades e promover a equidade continua sendo muito questionada.

Outro fato limitante refere-se ao controle social, denominado na Constituição de 1988 de forma menos ambiciosa como participação social, que ainda é um processo em construção no país, sendo muitos os seus problemas e omissões, persistindo dilemas entre o componente de controle e o de participação, apontando os fatos reais em direção ao segundo elemento. Da mesma forma, a chamada Lei de Responsabilidade Sanitária não passou de mais uma boa intenção, atropelada, entretanto, pelas sucessivas mudanças na condução da política de saúde. O resultado é que avanços ocorreram, mas de modo geral são considerados com uma potencialidade não totalmente realizada de maior progresso, em termos de accountability e responsabilização de gestores.

Embora deva ficar claro que o processo de regionalização do SUS buscou, acima de tudo, reforçar e potencializar esforços e medidas envolvendo a organização dos sis­temas local e regional de saúde, mediante articulação de todos os envolvidos, é natural que alguns entraves ainda dificultam seu desenvolvimento, relacio­nados a diversas tensões e conflitos entre os objetivos de tal política, a capacidade real de integração das partes componentes do sistema. Há que se destacar certos fatores políticos, muitos deles ligados à autonomia local típica da federação brasileira, decorrendo daí que, se por um lado, o processo inicial de “municipalização” da saúde, fortaleceu a autonomia política dos municípios, a proposta subsequente de racionalizar a estrutura de serviços por meio da regionalização, se deu através de uma lógica mais admi­nistrativa. Há uma dimensão política que se impõe de qualquer maneira, resultante de “jogos de poder” na defesa de interesses locais.

Em síntese, tais situações negativas ou “desencontros” no processo brasileiro de descentralização da saúde podem ser, de forma tentativa, sistematizadas em algumas categorias-chave explicativas. São elas, em resumo: (a) questões estruturais, derivadas de cenários que os legisladores ou os gestores, particularmente do Ministério da Saúde, não puderam prever ou, se previram, não enfrentaram devidamente, podendo ser incluídas aqui as diversas situações que derivam do caráter da própria federação brasileira e de seu entorno político e cultural, por exemplo, a extrema dependência do governo “de cima”, as limitações no enfrentamento das desigualdades sociais, as diferentes motivações dos níveis estaduais e municipais na implementação das políticas etc.; (b) decisão política equivocada ou incompleta por parte dos gestores, tendo como exemplos: a regulação federal radicalmente dura e portarizada, além do mais, transitória, intempestiva e fragmentada; a indefinição dos conteúdos de gestão e assistência em cada nível de governo, em função de conflitos político-partidários entre os estados e municípios, além de outros fatores; (c) não-decisão ou não-enfrentamento de questões, de que são exemplos a manutenção ou a mudança apenas superficial do modelo assistencial, ainda muito focalizado na oferta de serviços, nas tecnologias e na assistência hospitalar; a não integração intersetorial das políticas sociais; a debilidade dos mecanismos de controle; a integração incompleta entre assistência individual e coletiva, entre outros aspectos.

Que fique claro, também, que o modelo de regionalização que se almeja para o SUS, deveria cumprir o objetivo de explicitar com mais clareza, ainda não totalmente alcançada, os processos capazes de produzir isolada ou integradamente os efeitos que dele se espera. Tal modelo não poderia ser definitivo, por representar consensos apenas provisórios sobre os papéis de cada gestor na regionalização. Isso significa que a busca de consensos a respeito das ações de gestão e assistência continua sendo necessária, constituindo uma alavanca para a legitimidade de tais processos e do debate político em torno da reorganização setorial.

Aprofundando a questão, é necessário levantar alguns fatores de natureza histórico-estrutural relativos, por exemplo, à conformação da federação brasileira, às dinâmicas socioeconômicas e às características dos sistemas de saúde, que seriam determinantes para o entendimento dos avanços e dificuldades enfrentadas. Também aspectos de ordem político-institucional devem ser lembrados, entre os quais se destacam o legado de implantação de políticas prévias (particularmente, de descentralização e regionalização), o aprendizado institucional acumulado pelas instâncias colegiadas e pelos governos estaduais e municipais (principalmente no que se refere às funções de planejamento e regulação), a existência de uma cultura de negociação intergovernamental, além da qualificação técnica e política da burocracia governamental e os modos de operação e condução das políticas de saúde nos estados.

Do mesmo modo, fatores conjunturais, particularmente aqueles relacionados à ação política, como o perfil e a trajetória dos atores políticos, a dinâmica das relações intergovernamentais e a prioridade da regionalização na agenda governamental, repercutem no processo decisório e nas escolhas realizadas. Neste aspecto, podem atuar como elementos decisivos na regionalização, a experiência acumulada no planejamento governamental, as formas de organização e cultura de negociação intergovernamental adquiridas pelos órgãos gestores e colegiados de saúde, a experiência com estratégias de formalização de parcerias (por exemplo, consórcios de saúde e contratos de gestão). Cabe destacar, ainda, que em alguns estados, a regionalização foi potencializada pela articulação de políticas governamentais que ampliaram o alcance das proposições do setor saúde.

Outras razões de desempenho fraco na regionalização referem-se, como de costume, às desigualdades inter e intrarregionais, em cenários de alta concentração de recursos e tecnologias em algumas regiões (principalmente, áreas metropolitanas ou sede de capitais em sua maioria situadas no litoral), em oposição à escassez de profissionais, tecnologias e capacidade de investimento somada à diversidade socioespacial em outros territórios (região Norte, por exemplo). Também a ação política na negociação e mediação de conflitos, onde ocorre maior representatividade político-institucional, tem se constituído como fator distintivo entre os estados nos processos de regionalização, atuação que caracteriza tanto gestores estaduais como municipais.

Em síntese, a regionalização se associa, em cada estado, às dinâmicas territoriais, às características do desenvolvimento econômico, às políticas de saúde anteriores, ao grau de articulação existente entre os representantes formais dos gestores, no sentido de gerar consensos sobre a divisão de responsabilidades gestoras e os desenhos regionais adotados em cada estado. Os resultados da descentralização/regionalização pós Pacto pela Saúde indicam, assim, ganhos de institucionalidade, mesmo em contextos histórico-estruturais e políticos-institucionais desfavoráveis. Portanto, há que encarecer a necessidade de fortalecimento do enfoque territorial no planejamento governamental e da integração de políticas setoriais a de desenvolvimento regional de médio e longo prazo, como condição para ampliar e assegurar o acesso da população aos serviços de saúde de diversos tipos, em termos de universalidade e integralidade.

REFERÊNCIAS

  • Edson Coutinho da Silva Mara Helena de Andrea Gomes Impasses in the process of health regionalization: local plots. (Impasses no processo de regionalização do SUS: tramas locais). São Paulo, Saúde Soc. São Paulo, v.22, n.4, p.1106-1116, 2013
  • Luciana Dias de Lima; Ana Luiza d‘Ávila Viana; Cristiani Vieira Machado; Mariana Vercesi de Albuquerque; Roberta Gondim de Oliveira; Fabíola Lana Iozzi; João Henrique Gurtler Scatena; Guilherme Arantes Mello; Adelyne Maria Mendes Pereira; Ana Paula Santana Coelho. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Ciência & Saúde Coletiva, 17(11):2881-2892, 2012
  • Luciana Dias de Lima; Lúcia F. N. de Queiroz; Cristiani Vieira Machado; Ana Luiza d‘Ávila Viana. Descentralização e regionalização: dinâmica e condicionantes da implantação do Pacto pela Saúde no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 17(7):1903-1914, 2012
  • Mariana Vercesi Albuquerque. O enfoque regional na política de saúde brasileira (2001-2011): diretrizes nacionais e o processo de regionalização nos estados brasileiros. [Tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2013.
  • Yluska Almeida Coelho dos Reis; Eduarda Ângela Pessoa Cesse; Eduardo Freese de Carvalho. Consensos sobre o papel do gestor estadual na regionalização da assistência à saúde no Sistema Único de Saúde (SUS). Rev. Bras. Saúde Matern. Infant., Recife, 10 (Supl. 1): S157-S172 nov., 2010 S157

SÍNTESE E CONCLUSÕES

Em primeiro lugar, há que admitir que o movimento de descentralização e regionalização no âmbito do SUS representa um marco histórico de forte impacto no conjunto das políticas públicas no país, somando, entre suas características positivas, a inclusão do tema na agenda política; a ampliação do número de atores envolvidos com tal política; o ensejo a práticas realmente significativas de gestão regionalizada; o grande aprendizado dele decorrente; a produção e difusão de amplo conhecimento; o inquestionável incremento qualitativo da gestão da saúde; a ampliação extraordinária da prestação de serviços; a nova institucionalidade conferida ao setor saúde, entre outros aspectos

Há, naturalmente, novos conceitos vinculados às práticas de gestão descentralizada e regionalizada que ainda precisam ser mais bem conhecidos e aplicados, particularmente aqueles derivados da chamada Nova Geografia (enfeixados na expressão-símbolo território vivo), além de outros fundamentos teóricos, por exemplo: capital social, consensualismo, territórios, territorialização, consciência e identidade regional etc. Cabe fugir, enfim, das versões simplistas e burocráticas de territorialização, que tratam o objeto de maneira formal, como mero lócus de ação governamental, sem levar em conta o modo como neles vivem concretamente os indivíduos e grupos sociais. Nesse sentido, o conceito de governança social territorial com bases locais implica na necessidade de uma ação coletiva democrática, a ser operacionalizada por meio de redes que envolvam os principais grupos de interesses locais e regionais.

A ideia de regionalização deve ter íntima proximidade com o conceito de redes. Aqui dois sentidos deste termo devem ser considerados. Primeiro, o de redes integradas de atenção à saúde, vinculadas aos conceitos e práticas de coordenação e continuidade do cuidado, aí incluídos novos componentes gerenciais e subjetivos, como colaboração e interdependência, opondo-se a formulações de índole mais burocrática. Segundo, a necessária consideração, na definição das regiões de saúde, das redes de articulação regional eventualmente já existentes, capazes de contribuir para o fortalecimento da identidade regional.

A ampliação conceitual deve também se voltar para as conquistas empíricas já testadas na realidade dos estados e municípios, admitindo-se, em princípio, que das diversas práticas já tenham sido experimentadas aqui e ali, muitas sejam bem sucedidas ou, pelo menos, adequadas ao momento histórico, cultural, político e institucional de cada local ou região. O caso dos consórcios intermunicipais de saúde é, sem dúvida, o mais notável, mas certamente outras modalidades de experimentação já realizadas nos cenários reais possuiriam o potencial de agregar conhecimentos e práticas significativos e esclarecedores, devendo ser valorizados e, mais do que isso, procurados e difundidos.

A regionalização praticada no SUS guarda sintonia apenas discreta com aquela prevista como Política Nacional (PNDR). Isso pode ser um problema ou não, mas o certo é que algumas questões precisam ser consideradas. Por exemplo, se deveria haver convergência entre uma e outra, em busca de um novo paradigma e não apenas uma disputa para uma se submeter à outra? Conferências do desenvolvimento regional, no âmbito da PNDR, em escalas territoriais de menor abrangência, deveriam também fomentar os projetos setoriais, como o da Saúde? A PNDR deveria convencer seus agentes da importância do ‘regional’ e abrir mão de controlar recursos, mas apenas ideias e capacidade de coordenação? Por outro lado, a “transversalidade” do SUS deveria estar incluída na PNDR? Uma possível e desejável interação indicaria o ‘setorial’ (no caso a Saúde) como conteúdo, enquanto e efetivamente ‘regional’ (PNDR) como instância de coordenação e integração de políticas?

Limites e obstáculos à política de regionalização não faltam – e são muito bem conhecidos e estudados, fazendo parte do federalismo “jabuticaba” vigente no Brasil. Há que se apostar, todavia, que mesmo não sendo superáveis, por razões estruturais, os obstáculos podem ser certamente contornáveis, com criatividade, negociação e, principalmente, busca estratégica de apoio social. O “vazio regional”, em uma Federação que nada coloca entre o ente “estado” e o ente “município”, correria sempre o risco de ter soluções pouco sustentáveis politicamente. De toda forma vale considerar questões estruturais fortes, cuja superação exigirá muito esforço, menos do ponto de vista teórico que político, como é o caso das desigualdades econômicas regionais; das diversificadas práticas institucionais; da influência política pouco propensa à racionalidade solidária; do panorama cultural “centrodependente”, etc.

Questão final, ainda que central na presente discussão é: como construir cooperação, solidariedade, institucionalidade e governança no processo de regionalização? A resposta passa por muitos caminhos, entre eles: a superação das desigualdades regionais; a ampliação intersetorial do foco da ação política; o aprofundamento dos mecanismos e instrumentos já existentes no cenário (versus sua simples substituição apressada!), dos quais um bom exemplo é o Decreto lei 7508 de 2011; a maior participação do MS nas pendências ligas à regionalização (versus exercício de uma mero poder burocrático e “normogênico”); a qualificação dos mecanismos de participação, com busca de um foco realmente regional, envolvendo não apenas os conselhos de saúde, mas toda uma gama de instituições; o fomento à consciência e identidade regional – entre muitos outros aspectos.

 

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (TOTAL)

  1. Ana Luiza d’Ávila Viana; Nelson Ibañez; Paulo Eduardo Mangeon Elias; Luciana Dias de Lima; Mariana Vercesi de Albuquerque; Fabíola Lana Iozzi. Novas perspectivas para a regionalização da saúde. São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 92-106, jan./jun. 2008
  2. Antonio Carlos Gil; René Henrique GötzLicht; Nancy ItomiYamauchi. Regionalização da saúde e consciência regional. HYGEIA, Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde – Hygeia, 2(3):35-46, Dez 2006 Página
  3. Daniel de Araujo Dourado; Paulo Eduardo Mangeon Elias. Regionalização e dinâmicapolítica do federalismosanitário brasileiro. RevSaude Publica 2011;45(1):204-11
  4. Edson Coutinho da Silva Mara Helena de Andrea Gomes Impasses in the process of health regionalization: local plots. (Impasses no processo de regionalização do SUS: tramas locais). São Paulo, Saúde Soc. São Paulo, v.22, n.4, p.1106-1116, 2013
  5. Flavio A. de Andrade Goulart. A descentralização da saúde na década de 90. In Tasca, Renato (coord.): Redes e regionalização em saúde no Brasil ena Itália. Lições aprendidas e contribuições para o debate. Brasília, OPAS, 2011
  6. Glauco Knopp; Flávio Alcoforado Governança social, intersetorialidade e territorialidade em políticas públicas: o caso da OSCIP Centro Mineiro de Alianças Intersetoriais (CEMAIS). Paper apresentado ao III Congresso Consad de Gestão Pública. s/data
  7. Guilherme Arantes Mello Ana Luiza d’Ávila Viana. Uma história de conceitos na saúde pública: integralidade, coordenação, descentralização, regionalização e universalidade. História, Ciências, Saúde– Manguinhos, Rio de Janeiro, v.19, n.4,out-dez. 2012, p. 1219-1239.
  8. Iracema Benevides. Cooperação e solidariedade como princípios subjacentes ao SUS In Tasca, Renato (coord.): Redes e regionalização em saúde no Brasil ena Itália. Lições aprendidas e contribuições para o debate. Brasília, OPAS, 2011
  9. Luciana Dias de Lima; Ana Luiza d‘Ávila Viana; Cristiani Vieira Machado; Mariana Vercesi de Albuquerque; Roberta Gondim de Oliveira; Fabíola Lana Iozzi; João Henrique Gurtler Scatena; Guilherme Arantes Mello; Adelyne Maria Mendes Pereira; Ana Paula Santana Coelho. Regionalização e acesso à saúde nos estados brasileiros: condicionantes históricos e político-institucionais. Ciência & Saúde Coletiva, 17(11):2881-2892, 2012
  10. Luciana Dias de Lima; Lúcia F. N. de Queiroz; Cristiani Vieira Machado; Ana Luiza d‘Ávila Viana. Descentralização e regionalização: dinâmica e condicionantes da implantação do Pacto pela Saúde no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, 17(7):1903-1914, 2012
  11. Mariana Vercesi Albuquerque. O enfoque regional na política de saúde brasileira (2001-2011): diretrizes nacionais e o processo de regionalização nos estados brasileiros. [Tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2013.
  12. Mauro Marcio Oliveira. A Regionalização Aplicada à Política Nacional de Saúde – Estudo de Caso do SUS em Minas Gerais Texto fornecido pelo autor(Relatório do 2º Produto: Identificação e Justificativa do Estudo de Caso SR – Secretaria de Desenvolvimento Regional, do Ministério da Integração Nacional). 2015
  13. Mauro Marcio Oliveira. PNDR. Avaliação da Política Nacional de Desenvolvimento Regional. Brasília, Ministério da Integração Nacional, 2011.
  14. MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL. Política Nacional de Desenvolvimento Regional – PNDR. Sumário executivo. Brasília, s.d.
  15. Yluska Almeida Coelho dos Reis; Eduarda Ângela Pessoa Cesse; Eduardo Freese de Carvalho. Consensos sobre o papel do gestor estadual na regionalização da assistência à saúde no Sistema Único de Saúde (SUS). Rev. Bras. Saúde Matern. Infant., Recife, 10 (Supl. 1): S157-S172 nov., 2010 S157

 

 

 

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