O assunto interessa diretamente a quase 40 milhões de brasileiros, ou seja, a soma dos que são diabéticos, portadores de restrições alimentares diversas ou peso corporal acima do recomendável. Para não falar daqueles que se preocupam com a qualidade do idioma falado no País.
Falo por mim: sou diabético há mais de 30 anos, sou médico e, além disso, entendo razoavelmente a língua inglesa. Mesmo assim, confesso, já me confundi muitas vezes com a infeliz nomenclatura do “light” e do “diet”, adquirindo e consumindo produtos que não eram, literalmente, “para o meu bico”. Imagine o que acontece com o consumidor comum! As coisas ficam mais complicadas, ainda, quando vemos estes produtos lado a lado nas prateleiras dos supermercados, acompanhados ainda de massas de grão duro, suplementos alimentares para atletas, arroz integral, preparados de soja e outras iguarias. Alimentos que não seriam rigorosamente dietéticos e muito menos de baixa caloria. Eles estão ali apenas por certa analogia, criada pelo senso comum ou, quem sabe, pelo próprio gerente do estabelecimento. O resultado é que o consumidor acaba comprando gato por lebre, ou melhor, diet por light (e vice-versa).
“Diet”, em bom português, “dietético”, seria todo alimento adequado para dietas em geral, mas o termo só é utilizado para aqueles que restringem a quantidade de açúcar. “Light” (leve) seriam aqueles alimentos com teor reduzido de calorias. Até aí, tudo bem; mas, por que dizer isso em inglês?
Há alimentos designados ora como diet, ora como light, dependendo do fabricante, mas que são rigorosamente a mesma coisa, como é o caso de alguns refrigerantes. Dietas há muitas: restritivas de glicose; de lactose; de glúten; de determinadas proteínas, como no caso da gota; de gorduras e colesterol e assim por diante. Há também dietas de alta e baixa caloria. A palavra diet, portanto, não diz muita coisa. Diz menos ainda a palavra light; por exemplo, seria o nosso delicioso suspiro – açúcar quase em estado puro! – um alimento light? Leve, sem dúvida, ele é… Alguns alimentos se apresentam simplesmente como “zero %”, embora sem especificar exatamente que componente “zero” é este. A confusão é grande, como se vê.
Para aumentar a confusão, há o caso do glúten, substância presente naturalmente em diversos cereais. O glúten, em si, é um alimento inofensivo e até dotado de certa nobreza, por ser uma proteína. O problema é que uma pequena percentagem da população, muito menor do que a de diabéticos, não tolera o glúten, tendo problemas intestinais toda vez que o ingere. Curiosamente, para este caso, a legislação tomou todos os cuidados. É só observar as embalagens que frisam judiciosamente: “contém (ou não contém) glúten”! Já vi algumas pessoas relutarem em comer a chamada carne de glúten (preparada a partir da inocente farinha de trigo), dado o alarde que a legislação criou em torno da presença desta substância nos alimentos.
Nós, diabéticos, teríamos razões para invejar a sorte dos portadores da doença celíaca (a intolerância ao glúten). Estes, além de carregarem uma condição menos grave que a diabetes, proporcionalmente são muito menos numerosos na população e, no entanto, mereceram do legislador uma atenção especial. Para os diabéticos, não só é preciso se arranjar na interpretação de conceitos confusos como, o que é pior, ter que lidar com termos de outro idioma, que não o português.
O fato é que light e diet são termos que, parece, vieram para ficar, talvez pelo que Monteiro Lobato chamava de “macaquear” coisas estrangeiras, um hábito bem brasileiro. Mas, a favor da lógica e da clareza, as embalagens de produtos alimentícios poderiam conter informações mais específicas. Na variedade light, a informação, em bom português, que esclarecesse de qual redução calórica se fala, se de açúcares ou de gorduras, já que em cada caso as consequências para quem a consome são diferentes. Nos produtos diet esta informação adicional é crucial, com especificação sobre o tipo de dieta: de açúcar, de gordura, de proteína ou de outra substância. E, acima de tudo, como já acontece com o glúten e o adoçante aspartame, o que realmente importa: “contém açúcar (glicose, sacarose): alimento não recomendado para diabéticos” – em língua pátria e com leitura que dispensasse uma lupa.
A língua portuguesa agradece; os diabéticos mais ainda; o bom senso também se rejubilará. É coisa pequena, mas fundamental em termos de cidadania em saúde.
A ANVISA sabe disso? É caso de regulamentação urgente.
Flavio,
Excelente texto. Já enviei para os meus contatos porque existe desconhecimento sobre esses termos. Está muito didático. Luiz Augusto Casulari