A revolta da vacina e suas lições

REVOLTA DA VACINAHá cerca de cem anos, inacreditavelmente, o Rio de Janeiro esteve mais perigoso do que é hoje. Naquela ocasião, a população carioca saiu às ruas com paus e pedras e, como se diz hoje, “botou pra quebrar”.

É que aconteceu a famosa “Revolta da Vacina”, contra as medidas saneadoras recém-implantadas por Oswaldo Cruz, que exercia então o cargo hoje equivalente ao de Ministro da Saúde. Mas eram apenas aparências… Como pano de fundo, estava o repúdio popular contra o desemprego, a estagnação, o descaso das elites da época (da época apenas?), a desilusão com as promessas republicanas. Como disse o cientista político José Murilo de Carvalho, “a revolta da vacina foi um exemplo paradigmático dos freqüentes desencontros entre a virtude do governante e a virtude do povo”.

Na Revolta da Vacina já estavam presentes alguns dos ingredientes que ainda hoje moldam a saúde pública atual e, certamente, dela ainda há muitas lições a tirar.

O senso comum tem, naturalmente, explicações para os problemas de saúde pública que ainda hoje atravessamos (não mais a varíola, mas a dengue, a tuberculose, a Aids, entre outros). E enuncia suas opiniões com tanta segurança que passam facilmente ao status de teorias firmadas. Há um argumento amplamente utilizado, o do suposto fracasso da atuação dos órgãos de saúde, acusados de serem cada vez menos eficazes no controle das grandes endemias, ao invés do que faziam no início do século XX. Resultam daí discursos de várias naturezas, de ideológicos a catastrofistas, que apontam para a derrocada irreversível do nosso sistema de saúde.

Porém, tal entendimento é certamente incapaz de captar e explicar a dinâmica das mudanças que ocorrem permanentemente na vida social e de seus reflexos no estado de saúde geral dos brasileiros. Será que já não se fazem cidadãos como antigamente? Ou são as autoridades que não são tão eficientes? Não haveria outros fatores em jogo?

Os grandes feitos da antiga saúde pública oswaldocruciana foram obtidos através de medidas fortemente autoritárias e intervencionistas sobre a vida social. O problema é que, atualmente, já não se entra nas residências e nos ambientes de trabalho, já não se intervém no espaço urbano como nos velhos tempos, que alguns parecem querer reviver, saudosos… Melhor para a população, sem dúvida. Entre as pestilências e o respeito pelo modo de vida das pessoas, por certo, há uma escolha a fazer. Eticamente, a velha Saúde Pública, em que pesem suas realizações, já teve sua falência decretada pela História faz tempo. A Revolta da Vacina já prenunciava seu réquiem.

Uma coisa é certa: a saúde pública brasileira foi sempre capaz de grandes feitos. Derrotou a varíola, a poliomielite, o bócio endêmico e reduziu drasticamente a mortalidade infantil, entre outras realizações. Botar a culpa no governo ou no Oswaldo da vez é rematada besteira. As pessoas adoecem, e morrem, também porque ganham pouco, não conseguem emprego, estão submetidas a diversas formas de violência, têm hábitos pouco saudáveis, levam uma vida repleta de estresse. Na maioria dessas situações, a saúde pública, seja a antiga ou a moderna, pouco ou nada pode fazer.

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