Viver em Brasília é bom e é cheio de surpresas, não somente “apesar”, mas também por causa do clima e da natureza que marcam este quase-deserto, que precisa apenas de olhos generosos para ser devidamente apreciado. Como no caso destas amigas. Todos os anos elas comparecem, vestidas com um manto que é algo entre o rosa e o roxo beterraba.
Explodem no auge da seca, final de setembro; antecipam-se ás cigarras. Andam em boas companhias, quase todas amarelas. Seres elegantes, de copas arredondadas, parecendo modeladas por mão humana. Aqui no cerrado não exibem o vigor da mata atlântica – também pudera – mas ainda assim marcam forte presença. Estão sempre em pequenos grupos de três ou quatro, ou mesmo isoladas. Formam ilhas de cor no meio da secura cinzenta da estação. Foi de propósito, Burle?
No calendário floral de Brasília marcam pontualmente o momento crucial em que o reino vegetal desafia a meteorologia e, independente dos prognósticos desta quanto á mudança do tempo, bota-se flores e folhas novas por todo lado. E contra todas as impossibilidades, vence. E é assim que no mundo floral francamente amarelo das sibipirunas e dos guapuruvus, surge tal personalidade roseo-roxa. E bela figura faz, mesmo entre os menos sensíveis às coisas da natureza.
Para vê-las, a condição de pedestre não é a mais recomendada, pois podem estar situadas junto à faixa de rolamento da via, no Eixão, por exemplo. É preciso apear e procurar, pois. E os que passam velozes em seus carros não podem vê-las como merecem. E elas ficam incógnitas, em seus poucos dias de glória, não mais do que dez, quinze talvez.
Quem não pode vê-las ao vivo, vai se decepcionar ao procurá-las nos tratados de botânica, nos quais, além da referência á origem tupi de seu nome, mesmo assim controverso, muito pouca coisa se anuncia, quase nada do essencial, de seus atributos pictóricos, por exemplo. Coloca-se ênfase no seu fruto em forma de cumbuca, aliás, um pixídio, raramente visto na verdade, que se abre e bota sementes através de um opérculo, que na verdade, são castanhas, supostamente comestíveis e até mesmo saborosas. Neste aspecto, é bom lembrar, elas são parentes próximas, dentro de uma mesma família, a das lecitidáceas, da castanha do Pará, hoje dita, mais apropriadamente, do Brasil.
De suas flores, pouco ou nada se fala nos sérios textos botânicos. Mas são lindas! Mas não são elas que fazem a coloração que adorna as matas, alhures, e as vias públicas daqui, mas sim as folhas, recém brotadas, em degradé que vai do rosa chá ao roxo beterraba. Tudo nelas agora é cor, em tintas de exagero. As flores, de um lilás forte, carnosas, frágeis, em cachos abundantes, ficam quase ocultas na folhagem. Exalam odor, mas não exatamente perfume, um tanto remoso; desaparecem, decaídas no solo seco mesmo antes da folhagem adquirir o verde escuro e brilhante característico da espécie.
Ensinam ainda os textos que a madeira é forte, de grande durabilidade quando não enterrada, mas felizmente não é considerada entre as espécies nobres, senão as moto-serras já teriam feito o serviço de mandá-las, de vez, para o ambiente restrito dos tratados de botânica.
Diversos são os nomes pelos quais ela atende, pelo Brasil a fora: sapucaia, cumbuca de macaco, caçamba do mato, marmita de macaco , Lecythis pisonis, árvore extraordinária, que veio da Mata Atlântica para nos oferecer a alegria de ver matizada a aridez do planalto, entre agosto e outubro.
Sua explosão cromática é sinal do renascimento que está para vir, em breve a ser confirmado pelas cigarras, pelas chuvas e pela radical mudança da paisagem virada em verde. O cinzento logo se irá e tudo o que está para vir será cor e esperança.