Santa Coerência, de minha especial devoção, Rainha das remotas paragens da Alta Razônia, Senhora das fronteiras do Cogitum – socorrei-me!
Será que estarei somente eu certo diante de um monstruoso sistema de erros? Ou, bem ao contrário, serei apenas um ser equivocado e errático numa terra onde estão todos cobertos de razão?
Minha Santa, fazei com que eu, em um mundo de tanta confusão, seja capaz de perceber a verdade.
E uma vez a conhecendo, que ajude a divulgá-la; e que não espalhe por aí notícias falsas, que ficarão ainda mais falsas ao serem passadas adiante.
Dá-me a graça de compreender o significado real e limpo de tudo que está posto por aí. Por exemplo, se essas pessoas que deblateram e se agridem nas redes da dissídia, falam realmente de coisas que devem ser direitos de muitos, e não privilégios de poucos.
Peço por aquelas, especialmente, que hoje saem às ruas para atacar o que seus líderes, agora afastados, ainda ontem defendiam.
E as que confundem a coloração de suas bandeiras com o que é de fato vontade e desejo da maioria do povo.
Ajudai-me, Senhora, a separar a verdade da mentira.
Ajudai-me, principalmente, a separar as mentiras que se vestem de verdades das verdades que logo se mostram desnudas e revelam suas vergonhas.
Socorrei-me diante da avalanche dos dogmas, das certezas, das pós-verdades, das unanimidades, sabidas criações do Demônio, das quais devemos ficar afastados – dai-me forças para tanto.
Que eu possa compreender, assim como os que me rodeiam, que não existe o bem ou o mal absoluto.
Que além da Ideologia eu possa acreditar também na Aritmética; além do pensamento desejoso, na realidade; além da minha crença pessoal, nas evidências que a vida nos traz.
Que eu de fato aceite e compreenda as palavras de São Bertoldo, descobrindo, sob o particular, o geral; sob o transitório, o permanente; sob o corriqueiro, o insólito; sob o individual, o coletivo e sob a parte, o todo.
Ajudai-me a entender o que significa, de fato, o interesse geral, não o confundindo com o vozerio dos que têm tempo e disposição de sobra para ir gritar nas ruas.
Que eu possa compreender e explicar aos outros, com calma e persuasão, que frases como “o Brasil parou” podem ter outros significados, como por exemplo, “os ônibus não funcionaram” em tal dia.
Que surja para todos a grande verdade de que nem sempre a soma das partes é equivalente ao todo.
Que a minha bússola não seja movida pela fantasia, pela raiva, pela intolerância ou mesmo pelo meus meros desejos.
Valei-me minha Santa Coerência, para que todas as pessoas possam compreender a verdade cristalina e libertadora de que nem sempre o inimigo de meu inimigo é meu amigo; e que os amigos de meus amigos podem ser meus inimigos.
Protegei-me e defendei-me, minha Santa, da falsa ideia de que uma pessoa de bem há que se situar sempre à destra ou à sinistra – mas que existem posições que permitem enxergar melhor os caminhos sem que estejamos presos à suas margens.
E dai-nos a todos os cidadãos desta terra infeliz a oportunidade de um dia deixarmos de ser a vergonha que somos, para nos transformarmos, de fato e de direito, em uma Nação.
Amem.
(Achado em uma galeria de águas pluviais na Esplanada dos Ministérios em Brasília, abril de 2017)
.