Entre Sertões: de Brasília ao São Francisco e ao Jequitinhonha

 (Estrelando: Keta, Flavio, Iris e Luiz Gonzaga)

Com toda felicidade e já com saudades dos excelentes dias passados junto a tão amáveis companhias, eu, Flavio, principio este relato. Parafraseando Guimarães Rosa, aliás nosso companheiro constante nesses dias, esta foi uma viagem inventada (e realizada) no feliz. Não posso dizer que houve muita preparação, pelo menos coletiva, pois meus companheiros delegaram, com muita honra para mim, as atribuições de planejador, guia e escriba, além de condutor. E assim nos juntamos, Keta Camarotti, Iris Guimarães, Luiz Gonzaga e eu para este giro pelos Sertões de Minas, sem desprezar seu correspondente goiano, entre 5 e 11 de maio de 2023.

Em breves pinceladas geográficas e paisagísticas, percorremos, em ordem cronológica, nesses seis dias, o encontro de águas do Distrito Federal; os altos chapadões urucuianos, o cerrado fechado do vale do rio São Francisco; as serras de transição entre o rio do Chico e o Jequitinhonha; as montanhas parideiras de pedras e rios do alto Jequitinhonha; o retorno pelos grandes sertões dos rios das Velhas, do Chico, do Sono, da Prata, de Paracatu e Rio Preto, para finalmente adentrarmos no DF pelos chapadões que se estendem ao Sul de nossa cidade.

Um caminho entre chapadões, planícies e montanhas; entre o reino do couro e do boi gordo e as jazidas diamantíferas. Entre as Minas e os Gerais sem fim, inclusive aqueles de Goiás.

O que aqui vai é uma narrativa que talvez seja mais minha, de Flavio, do que do conjunto dos amigos, até porque introduzi alguns textos antigos meus, que tinham a ver com o território agora percorrido. Mas em todo caso, meus companheiros de viagem podem estar certos de que estão presentes na inspiração que me alumiou…   

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E assim saímos de Brasília, rumo aos sertões do Chico. Em poucas dezenas de quilômetros para o Leste, já estávamos no vale. O município de Formosa já é são-franciscano e, aliás, algumas das nascentes de um de seus afluentes mais conhecidos, o rio Urucuia, ficam ali. Esta cidade, como Brasília, fica em um divortium aquorum importante, só que na separação das águas do São Francisco e do Paranã, que é amazônico, enquanto o DF está a cavaleiro das bacias amazônica e platina. Isso é apenas uma mera curiosidade geográfica, mas me encanta particularmente.

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Formosa é um retrato do Brasil, sem nada tirar ou acrescentar: esses viadutos há anos no abandono; esses muitos quilômetros de terras improdutivas nas mãos de militares; as bandeiras do Brasil, já meio rotas, balouçando por toda parte. Pobre cidade; pobre país.

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Cabeceiras ganhou seus quinze minutos de fama, com seu prefeito e um médico envolvidos na falsificação de documentos da família bozo. Vai passar; aliás, já passou, como o prestígio dos inomináveis. É breve também a nossa passagem por aqui. O posto de gasolina, decrépito, mal merece um xixizinho. E vamos em frente.

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Mas, de toda forma, são cabeceiras, sim, e de um verdadeiro continente. Adiante, o Urucuia, afilhado do Grande Chico. Para trás as bacias Amazônica e Platina. Para quem sabe olhar, a viagem sempre traz novidades.

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Nada como viajar com gente que conhece as coisas: Luiz Gonzaga, sempre atento e previdente, nos salva de muitos km perdidos, ao tomarmos pela esquerda um caminho que deveria ser pela direita. Não chegamos a conhecer, assim, a cidade de Buritis, mas seguimos no rumo de Arinos, sem maiores erratas.

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A geografia marcada pelas palmeiras: buritis e macaúbas. Ambas prolíficas, estas mais são-franciscanas e aquelas dos vales altos, dos gerais de Goiás e Minas.

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E logo estamos no Urucuia, rio de respeito, personagem do Grande Sertão: Veredas. Não é preciso entrar em Arinos, que carece de maiores atrativos. Mas pelo menos vale a pena dar uma parada junto à ponte, para apreciar o caudal verde escuro e denso do Urucuia, barrento no tempo das chuvas, para saudá-lo e pedir passagem.

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Deixa o Rosa falar…

O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão?

O Urucuia vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá – fazendões de fazendas, almargem de vargens de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há. O gerais corre em volta.

De em de, sempre, Urucuia acima, o Urucuia – tão a brabas vai… Tanta serra, esconde a lua. A serra ali corre torta. A serra faz ponta.

Meu, em belo, é o Urucuia – paz das águas… É vida!…

Viemos pelo Urucuia. Meu rio de amor é o Urucuia. O chapadão – onde tanto boi berra. Daí, os gerais, com o capim verdeado. Ali é que vaqueiro brama, com suas boiadas espatifadas. Ar que dá açoite de movimento, o tempo-das-águas de chegada, trovoada trovoando.

Confusa é a vida da gente; como esse rio meu Urucuia vai se levar no mar.

Lá, nos confins do Chapadão, nas pontas do Urucuia. O meu Urucuia vem, claro, entre escuros. Vem cair no São Francisco, rio capital.

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Cidade de Urucuia: uma avenida e um rio. Nada mais.

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Mas aqui nos sorriu a sorte de sermos recebidos em um boteco vazio na beira do Rio, certamente por não ser o turno da noite, onde pudemos fazer nosso lanche à sombra e com direito a mesa e bancos, protegidos do sol, sentindo bem perto o correr das águas barrentas e remansosas do Urucuia. Sempre um lugar de se guardar na memória.

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No sertão do Urucuia os jatobás mostram generosidade, com suas copas e bagas abundantes. Difícil é saber quem come tais frutos, exceção feita às araras e crianças daqui – mas não as de cidade grande, com certeza. A mata seca tantas vezes anunciada ainda não se faz presente neste mês de maio.

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De Urucuia a Pintópolis: um deserto coberto de cerrado. Quase nenhuma casa ou movimento de pessoas. Nem bois se avista. A sensação é a de que se vai do Nada a Lugar Nenhum por um caminho repleto de buracos.

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Pintópolis: seu principal produto deve ser a piada pronta…

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Em algum almanaque, como no caso das Sete Maravilhas, deve constar os Sete Monumentos Horrorosos do Mundo. Que se reserve aí um lugar honroso para o Cristo Redentor da praça principal de Pintópolis. Indescritível, com seu corpo, cabeça e dimensão frente-verso em total desproporcionalidade. É feio demais. Aqui se justificaria a repulsa muçulmana às reproduções de imagens do Profeta. E pensar que também o Cristo do Corcovado é fruto da mesma espécie de animal artístico… 

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Mas que não mais se deplore dessa Cidade do Pinto, que pelo menos nos ofereceu um banheiro relativamente limpo e sinal de celular prestante. Além de encerrar a temporada de buracos com uma estrada asfaltada e bem cuidada.

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Aqui uma planície achatada, com o cerrado agora mais exuberante. É que o grande rio está perto. Mas só o veremos quando chegarmos à barranca, pois o relevo muito plano não permite vislumbrar nada mais distante.

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E chegando à barranca cabe então procurar o ponto onde a balsa está operando, que pode ser alguns km rio acima ou abaixo de onde estamos. É assim mesmo, ninguém manda no rio. E os balseiros têm que se virar para encontrar os “portos’ mais acessíveis, porque aqui há carros pequenos, ônibus e até carretas a embarcar. Mas ninguém se perderá: há sempre uma plaquinha esclarecedora a indicar o caminho: balça segui abaxo

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Curiosidade a ser explicada pelo modus operandi da engenharia nacional de rodovias: o asfalto chega ao rio, mas em ponto onde a balsa não encosta. Explique-se.

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Que não se espere muita coisa da barranca do Chico: é a desolação personificada. Meia dúzia de barracas toscas vendendo cerveja, cachaça e biscoitos industrializados, nada mais. Algumas não têm paredes, com apenas uma cobertura de sapé, rodeada de lona preta. Normal, pois com as mudanças de humor do Rio é preciso mudar o ponto de embarque ou de comércio várias vezes ao ano. Em tal “porto”, mesmo para um simples xixi, a solução é o mato mesmo. As mulheres que se aventurarem por aqui, se cuidem.

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Refletindo, Keta e eu, sobre essa gente ribeirinha que vive por ali, olhando o tempo passar. À deriva, sem passado, sem futuro. Sentadas na porta de suas casinhas as moças sonham com algo melhor que aquela paisagem de rio e tédio. O que as aguarda? Um emprego no comercio de São Francisco? A vida de empregada doméstica em Brasília? Ou algo ainda menos nobre ou significativo? Para quem conseguiu concluir o nível médio de  ensino, na cidade tem faculdade – mas é paga. Diversão real parece ser apenas observar o rolar das águas do Chico ou a eventual passagem de veículos rumo à balsa. Que falta nos faz um projeto de Nação…

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Keta ainda acrescentaria, com razão: e uma educação em tempo integral!

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 Elocubração geopolítica: por essas bandas passa uma espécie de linha de Tordesilhas, a separar não dois países, mas duas unidades territoriais dentro de um mesmo estado. Ela não é dada pelo Rio, mas sim pelo hiato de desolação que separam Urucuia, ao Leste, de Pintópolis, a Oeste. Tais territórios têm como capital não exatamente BH, mas sim, do lado da nascente, Montes Claros; do outro lado, Brasília.

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Agora é o Velho Chico. Passo de novo a palavra a JGR:

Agora, por aqui, o senhor já viu: Rio é só o São Francisco, o Rio do Chico. O resto pequeno é vereda.

Meu Rio de São Francisco, nessa maior turvação: vim te dar um gole d’água, mas pedir tua benção.

Formosa cidade de São Francisco – que é a que o Rio olha com melhor amor.

O que eu pensei: … rio Urucuia é o meu rio – sempre querendo fugir, às voltas, do sertão, quando e quando; mas ele vira e recai claro no São Francisco…

O Rio de São Francisco – que de tão grande se comparece – parece é um pau grosso, em pé, enorme…

O São Francisco partiu minha vida em duas partes.

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Assim voltamos ao asfalto. Na cidade de São Francisco se pode acessar toda a região do Norte de Minas, incluindo Montes Claros, Pirapora, Januária, São Romão, Manga, Montalvânia, Itacarambi e por aí vai – só para falar das mais importantes. A cidade é aprazível, arborizada e bem posicionada sobre o rio, com um comércio que impressiona. Finalmente, quem sabe, se poderia tomar um bom café e adquirir um pão feito na hora. Idem para um saque eventual na agência do Banco do Brasil. Quem sabe, até a compra de algum artesanato em palha ou barro, uma cachaça de fabrico local, um requeijão “moreno” e uma embalagem de castanhas de pequi. Isso tudo se encontrará em seu mercado municipal?

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Mas logo se descobre que o Mercado Municipal de SF não existe mais. Foi demolido há muitos anos – e nada foi erguido em seu lugar. Como tantas outras coisas por aí… É o Brasil.

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Não há como deixar de definir São Francisco a partir de três pessoas encontradas na cidade. Genésio, o lanterneiro, que nos ofereceu carona em seu Gol quando lhe perguntamos, na rua, onde ficava o restaurante Peixe Vivo; e nos tratou com a maior fidalguia. Ronaldo, na balsa, com sua pinta de Milionário e José Rico fazendo graça com a gente, fingindo nos considerar gaúchos, mas logo se desculpando e interagindo de forma informal e hospitaleira; a moça do bar ao lado do hotel Supremo, que nos ofereceu gentileza e muita graça, como se nos conhecêssemos desde criancinhas. Gente assim pode ser marca de uma cidade…  

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Cidades beira-rio do Chico que conheci: SF, Pirapora, Januária, São Romão. As duas primeiras na margem direita; as duas outras, na esquerda. Ruas retas, arborizadas com oitizeiros, casarões dignos, amuradas sobre o Rio. Parecidas umas com as outras, mas cada uma com sua personalidade. Sempre mais pobres do que ricas. A primeira, antiga sede ferroviária e de navegação é mais, digamos, metrópole. São Romão é mais pobrezinha. Januária mais clássica, com suas ruas mais arborizadas e casarões robustos. Em Pirapora e SF o rio passa beiraninho; em Januária e São Romão é empurrado pelos bancos de areia, pelo menos no período vazante.     

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O feijão tropeiro no Peixe-Vivo de São Francisco define um gabarito para a iguaria. Iris, por exemplo, se lembrou dele o tempo todo, com legítima saudade… Dificilmente será superado. Destaque especial para o torresmo!

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E que também se destaque e se nobilize em São Francisco a sua via costaneira e a bela escultura metálica de peixe ali colocada. Tudo abraçado pelo Grande Rio.

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Lugares sem placa, sem nome, sem indicações quaisquer sobre a vida que rola ali. Por todo o Brasil são (des)encontrados. Alguns parecem se chamar Borracharia. Outros, Quebra-Mola – ou quem sabe Assembleia de Deus. Uma coisa assim implica de forma imediata em questionamento sobre a autoestima de quem ali vive.

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Arinos, Luizlândia, Pintóplis, João Pinheiro e muitos outros lugares. O que está por detrás de tais topônimos? Pioneiros? Fazendeiros? Aventureiros? Ou tudo isso junto… Mas nesta Luizlândia situada entre SF e Montes Claros, independente de quem lhe deu tal nome, resolvemos homenagear o nosso ilustre companheiro de viagem: Luiz Gonzaga, Primeiro e Único! E revoguem-se as disposições em contrário.

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Brasileiros e cerratenses de todos os vales e chapadas: não vereis tantos pequizeiros exultantes em suas floradas como estes de Mirabela!

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Montes Claros. Cidade grande, com algumas centenas de milhares de habitantes; meio feia, meio bonita; meio grande, meio pequena; meio pobre, meio rica. O grande projeto industrial dos anos 70 não parece não ter deixado nela marcas muito especiais, salvo a migração desordenada e as mazelas de cidade grande. Ressalve-se a gastronomia, associada a uma cultura local expressiva, em termos literários, musicais, plásticos. Aqui nasceu Darci Ribeiro, por exemplo, mas também Yara Tupinambá (grande artista plástica mineira), Godofredo Guedes, pai de Beto Guedes, grande músico e muitos outros. Tem um bom punhado de políticos safados, também, mas afinal, onde não se os encontra?

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A gastronomia montesclarense é cantada em prosa e verso. A dupla carne de sol e arroz com pequi domina o cenário, mas não se pode esquecer do requeijão dito moreno e das cachaças locais, embora o verdadeiro centro produtor de aguardente esteja em Salinas, um punhado de quilômetros adiante. Um extenso mercado municipal é passagem obrigatória… Isso eu dizia em momento anterior, 2015, quando lá estive, mas as coisas mudaram – para pior. O Mercado é agora uma muvuca suja. Salvam-se uma ou outra loja onde se vendem doces e requeijão. Os lugares de se comer – para não falar dos wc – faça-me o favor, são simplesmente hediondos! Dignos daquele Cristo de Pintópolis… Mas pelo menos garantimos requeijão, doces de cidra, pequi e buriti, além de feijão rosa para nosso deleite.

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Ainda o dito mercado. Soubemos que ali é fruto de uma daquelas mumunhas políticas, construído por um prefeito que tinha por objetivo mais contrariar seu antecessor e adversário político do que oferecer à cidade uma obra relevante. A comparação com o equivalente de BH é inevitável. Este aí foi por assim dizer capturado por seus comerciantes, os quais fizeram dele um símbolo turístico para a cidade. Política x iniciativa cidadã, interesse público x interesse privado: quando o país sairá das malhas de tais antagonismos? Como somos de trabalhar até quando descansamos, os quatro viajantes nos embalamos em tais reflexões durante o percurso…

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O mercado de Montes Claros ainda nos ofereceu um espetáculo simbólico deste Brasil dividido, atrasado e injusto. O jovem homossexual travestido que nos abordou no restaurante, de tal forma que o que já estava precário ficou ainda pior. Pobre, batido pela vida, com marcas evidentes de violência pelo corpo. Ainda assim uma pessoa bonita, embora agressiva no limite. Certamente não leu Genet ou Oiticica para materializar um personagem da revolução que há de ser feita pelos marginais. Neste país inculto e violento o que uma pessoa assim consegue é ser mais ainda vilipendiada. E nós fomos pegos de surpresa com aquilo. Tentamos ser gentis, ou generosos, mas o ambiente de hostilidade falou mais alto e nos calamos por fim, num verdadeiro silêncio obsequioso. Fazer o quê?  Pobre ser…

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Ou, na sempre bem vinda voz de Henriqueta:

Passear pelo Brasil de dentro nos provoca grandes contradições, sentimentos de indignação, duvidas e deslumbramentos. Encontramos no Mercado de Montes Claros a Dama das ruas, um hibrido masculino e feminino. Sua origem tão desconhecida assim como as emoções que ela nos revela. Seria desejo de protegê-la? Seria rejeição por sua vulnerável agressividade que bate à porta do nosso humano? Asco e pena; oração e vontade de sair de perto. Como nos mobiliza a miséria humana! adentra nossa própria miséria, aciona nossa fragilidade e agride a humanização mínima que conseguimos alcançar. Senhora Dama não sei em que lugar do meu coração te coloco. Por que me provocas tantos questionamentos?  Tua vida sofrida, agredida cotidianamente pela crueldade humana. Quem são teus algozes? Com tais sentimentos contraditórios me senti traindo minhas convicções, me coloco longe de tudo que acredito, esvaziada das antigas contemplações.  

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A viagem prossegue agora em rumo diverso. A direção agora é São Gonçalo do Rio Preto. Não confundir com seu quase homônimo, do Rio das Pedras. Ambos ficam próximos a Diamantina. O primeiro é cidade; o segundo uma vila pertencente ao município do Serro. Todos dois muito graciosos. Mas é o primeiro que visitaremos, sede que é de um local reputado como merecedor de uma visita: o Parque Estadual do Rio Preto. Nosso caminho passa por Bocaiúva e daí tomaremos uma estrada colateral que nos levará diretamente a São Gonçalo. Vamos pular agora da bacia do Velho Chico ao Jequitinhonha.

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Meu encantamento com a geografia me obriga a fazer uma mudança em observação anterior, registrada em 2015, na qual eu esperava montanhas escarpadas em tal caminho, pois o Jequitinhonha tem como marca registrada um percurso entre montanhas. Muito me surpreendi, entretanto, com a travessia se dando no seio de um planalto, escavado em certa parte pelo curso d’água. Tal curiosidade geográfica talvez só interesse a mim mesmo. Mas conste-se que é um caminho sem incidentes, com muito eucalipto e planuras sem fim.

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Ainda com relação a tal curiosidade geográfica, repetindo Heráclito de Éfeso, eu diria que a nenhum homem é dado atravessar por duas vezes a mesma paisagem. A partir da segunda travessia ele será outro e a paisagem mudará. Não sei dizer quem mais se transformou de fato: a minha pessoa ou a paisagem. Mas vi agora que na verdade a transição entre as duas bacias não é tão marcada como me pareceu há alguns anos atrás, e registrei no texto acima. Pude ver que a partir da cidade de Olhos D’água, aliás terra natal de nossa amiga Aninha, o Planalto cede lugar gradualmente, em desníveis sucessivos bem demarcados, ao vale por onde passa o Jequitinhonha. E descobri mais: a própria cidade de Bocaiuva já pertence a tal vale, estando ela própria incrustrada em um dos maciços da Serra do Espinhaço. É viver e aprender, inclusive na ciência geográfica. Mas a quem mais interessa isso se não a este que vos fala? Interessa a Keta também, certamente, está aí uma coisa que muito nos aproxima. Sigamos adiante.

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O Jequitinhonha aqui é pego pela sua beirada de cima. Seus lugares profundos, aquele “braço de mar”, “pedra miúda quase sem brilho”, “estrada natural da Bahia – Minas” de que falam as canções do Clube da Esquina, território das moças namoradeiras de barro que se colocam nas janelas – está a algumas centenas de quilômetros, no rumo de Araçuaí, Itamarandiba, Joaíma e outros lugares. O Jequitinhonha aqui é pouco mais que um riacho, parido que é pelo nó de montanhas que rodeiam Diamantina e Serro. Mas já tem fama de matador, porque sua outra glória, a de ter um leito rico em diamantes, já se findou há muito tempo.

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Em São Gonçalo do Rio Preto (SGRP) lugar obrigatório seria a Pousada Canto das Águas, cuja proprietária, Dôra, se esmerava na arte de receber bem e generosamente compartilhar com todos seus hóspedes sua profunda mineiridade. Mas o Canto das Águas agora é passado, pedaço de memória. Coisas findas, muito mais que lindas, como disse Drummond. Mas fica aqui este réquiem respeitoso.

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Viemos para ver o Parque e ao Parque fomos. O Rio Preto nasce nas encostas orientais dos picos dos Dois Irmãos, também componentes do maciço do Espinhaço. Por alguma razão, talvez ligada à dificuldade de acesso e à natureza excessivamente pedregosa (sem deixar de ser recoberta de vegetação), parte razoável de seu trajeto ficou preservada da agressão humana e mesmo do fogo e foi em tal área que o Governo de MG criou o Parque, em anos recentes. Tudo muito organizado, limpo, bem informado, com receptivo amigável. Todos que lá chegam passam por uma palestra explicativa, ilustrada por power-point, conduzida por um moço arregimentado localmente. Foi especialmente agradável ouvir, através da jovem seriedade do expositor, informações nas quais se privilegiava também o que você pode fazer ali, não apenas o que é proibido.

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O parque é realmente lindo. Fica dentro de um anfiteatro de montanhas de tom cinzento, dada a quantidade de pedras, mas em toda parte a mata se insinua e toma conta. No mês de agosto, quando lá estive pela primeira vez, a rebrota dos paus d’óleo colocava na paisagem manchas cor de ferrugem, muito vivas, que dão encanto e fazem contraste aos tons predominantes de cinza e verde claro. Agora, mês de maio, o que chama a atenção são as diversas floradas, com o exagero dos pepalantos, prenunciando uma primavera que se iniciaria apenas no segundo semestre, mas que aqui já se faz presente – coisas do cerrado.  Para nossa surpresa, o pequi está presente de forma ainda mais abundante de que no Planalto Central.

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O rio Preto justifica o nome, mas é completamente translúcido, apesar de tinto, e no seu fundo de areias brancas é comum ver peixes de tamanhos diversos, nadando tranquilamente, completamente alheios aos humanos que também querem aproveitar da água fria do rio. Brancas também são as numerosas praias que aqui e ali se formam. E ali pudemos tomar calmamente (os mais corajosos entre nós, pelo menos) um agradável banho de assento, já que a temperatura ambiente, muito fresca na ocasião, não nos estimulava a aventuras e profundezas maiores.

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Em ambiente tão inspirador, Luiz Gonzaga, notório donatário da Palavra compõe um poema sobre a fortaleza das montanhas e a grandeza do Universo e do Amor. O texto aqui estaria, se não fosse a incúria tecnológica da sempre prestimosa Iris, que desta vez falhou clamorosamente na gravação. Culpa da tecnologia, certamente, não dela. Mas fica o registro. Quem ouviu, ouviu; quem não ouviu que aguarde outra oportunidade. Com tal inspiração eu resolvi recitar umas poucas linhas que sei de Augusto dos Anjos, que achei adequadas ao momento e ao ambiente: sou uma sombra, venho de outras eras, do cosmopolitismo das moneras, larva que do caos telúrico procedo, da escuridão do cósmico segredo, da substância de todas as substâncias… Com efeito, caos telúrico e segredo cósmico é com aquele lugar mesmo! 

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De SGRP a Diamantina, aí sim, vimos o Jequitinhonha de perto. E a passagem rodoviária se dá no distrito de Mendanha, que abraça o rio nas duas margens. E vale aqui uma parada, além de uma breve descrição. Este é lugar antigo, ligado não só à mineração (tudo aqui o é), mas também ao fisco colonial, pois, afinal de contas, esta era uma porta de entrada (e saída) do antigo Distrito Diamantino. E em lugares assim os olhos da lei se mostravam extremamente atentos.

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Mendanha é uma vila pequena e graciosa. A vista do Jequitinhonha do alto da pontezinha de pedestres que atravessa o rio é inigualável. Há casarões bem respeitáveis e preservados, embora isso não aconteça com todos eles. Aqui, como em outros lugares do Brasil, há que se dar graças à presença de forasteiros (alguns, talvez, nem tão estrangeiros assim) que se encantam com o lugar, compram e reformam casas antigas, com bom gosto de espírito de preservação. Sem embargo de que existam, também, os que destoam dos quesitos “bom gosto” e “respeito”.

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Uma inusitada declaração de Amor de FG a KC, meio surgida do nada: Casamento? É pouco para nós dois! Pena que para tanto amor tão curta é a vida, como bem disse um outro Luiz, o de Camões.

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Diamantina em breves traços: fala Cecília!

Ai, que rios caudalosos, e que montanhas tão altas! Ai, que perdizes nos campos, e que rubras madrugadas! Ai, que rebanhos de negros, e que formosas mulatas! Ai, que chicotes tão duros, e que capelas douradas! Ai, que modos tão altivos, e que decisões tão falsas… Ai, que sonhos tão felizes… que vidas tão desgraçadas! [Cecília Meireles – Romance XVII ou das Lamentações do Tejuco]

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O que poderia eu, Flavio, dizer a mais desta Cidade? Lugar de garimpeiros, que gastam de noite o que ganharam durante o dia. Distrito restrito em vão protegido da cobiça dos países e dos homens em geral. Aqui não rolaram cabeças de conjurados, mas de pobres escravos pegos ou apenas suspeitos de se apropriarem de míseras pedrinhas. Seu filho mais ilustre foi JK, mas que não se esqueça de Ayres da Mata Machado, grande filólogo e intelectual mineiro ou de Helena Morley, autora de livro que se tornou universal, de histórias passadas nestas serras: Minha vida de menina. Quem não leu não sabe o que esteve perdendo. Parece de fato uma cidade qualquer de Portugal, mas aqui a pedra das casas é substituída pela madeira, pintada em cores vivas. Passa longe daqui a sisudez burocrática de Ouro Preto. Quem não viu um pôr do sol no outono a resplandecer nas pedreiras da Serra dos Cristais, ainda não conhece totalmente de quê a natureza é capaz.

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O mais deixo para que a escritora mineira Lucia Machado de Almeida fale em meu lugar:

Algumas ruas são estreitas, cheias de cantinhos misteriosos e de casas minúsculas, como as da pequena cidade de Óbidos, em Portugal. O curioso é que, dentro da harmonia do estilo e do conjunto, não se encontra uma casa igual à outra. A fantasia dos habitantes expandiu-se nos ornatos, na pintura das cismalhas e beirais, na estamparia dos vidros da janela e sobretudo nas rótulas, de desenhos caprichosos.

Ou então:

Riachos frescos e sinuosos sulcam a paisagem enfeitada de florinhas multicores, e um biombo de “quartzito” emoldura-lhe sua beleza. Quando se abrirem os poros de sua sensibilidade, você perceberá qualquer coisa de imponderável no ar, como se algo do que outrora sucedeu nestas paragens as houvesse marcado para sempre: zunido de chicotes rasgando carnes negras de escravos rebeldes… Suspiros abafados de casais apaixonados… Suspiros de intrigas e traições… [Lucia Machado de Almeida – Passeio a Diamantina]

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E lá chegamos em um domingo à tarde, na clara luz refletida pelas pedras da Serra dos Cristais. A portentosa Cidade Universitária, com justiça nominada em louvor a seu filho mais ilustre, já nos recebe para mostrar que ali tudo é, além de belo, digno de admiração. Salve Diamantina, Arraial do Tejuco, onde cada pedra das ruas tem uma história para contar.

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 O Clube da Esquina tem história aqui. Reza a lenda que Fernando Brant compôs a canção da fala de uma janela lateral do quarto de dormir por inspiração direta de um aposento de hotel nesta cidade. Da mesma forma, Beco do Mota, de título mais óbvio, a anunciar a decadência e o domínio secular da religião católica na cidade: Clareira na noite, na noite / Procissão deserta, deserta / Nas portas da arquidiocese desse meu país / Profissão deserta, deserta  / Homens e mulheres na noite  / Homens e mulheres na noite desse meu país  / Nessa praça não me esqueço / E onde era o novo fez-se o velho  / Colonial vazio  / Nessas tardes não me esqueço  / E onde era o vivo fez-se o morto  / Aviso pedra fria  / Acabaram com o beco  / Mas ninguém lá vai morar.

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Mas nem tudo ficou deserto e nem se fez velho na cidade; o Beco do Mota resiste, povoado de botequins, tem vida. O que era apenas pretensiosamente sagrado agora é coisa profana, porém acima de tudo, viva. E esta querida Diamantina renasce a cada visita que faço a ela, que somam muitas ao longo dos anos. E o Clube da Esquina está presente, em foto histórica, transformada em painel no Café JK da rua Direita. E em uma ilusão fotográfica estamos lá, orgulhosamente perfilados, Luiz Gonzaga e eu, ao lado de Milton, Lô e Márcio Borges, Fernando Brant e JK.

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Pela noite de Diamantina vagamos, minha amada e eu. Sentados na praça, em longa tertúlia, quase resolvemos os problemas do mundo (porque os nossos já estão bem resolvidos). Um amigo arranjado de última hora, o simpático Cão Caramelo, nos acompanhava de perto, solidário e atento, quem sabe também inclinado à solução de questões tão graves. Quem tem amigos como este não morre pagão. E o mundo fica um pouco mais perto de ser resolvido e feliz.

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Tempos atrás, assim me referi às jovens que se emancipavam do machismo e do acanhamento do interior, graças à sua inclusão no mercado do turismo, no caso em minha terra, Itabira, que não fica muito longe de Diamantina:

Ah, as meninas do Mato-Dentro! Para elas, até a bem poucos anos, restavam poucas opções de trabalho a não ser os ofícios de domésticas, babás, no máximo comerciarias. Agora trabalham com dignidade, compartilham e difundem a herança cultural de sua gente, demonstram orgulho pelo que fazem. No meio de tanta alienação da juventude, de tanta falta de perspectiva econômica e cultural, elas nos fazem acreditar que este país, ou pelo menos o Mato-Dentro, tem jeito. O brilho de seus olhos não mente!

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Mas há também as meninas do Alto Jequitinhonha, imbuídas do mesmo brilho nos olhos e orgulho de superar qualquer determinismo cultural, familiar ou econômico, em seu trabalho digno e proficiente. Que fique registrado o encontro com aquela Giselle, na casa de Chica da Silva, com seu piercing, seus cabelos vermelhos e sua seriedade em nos transmitir a história da escrava que virou rainha. Mas também as eficientes e gentis moças-ajudantes da Pousada do Alecrim, em São Gonçalo do Rio das Pedras; a atendente da padaria da Travessa da Saudade, com suas broinhas maravilhosas e seu sorriso caloroso e permanente; a cozinheira já sessentona ou mais, de Biribiri; a auxiliar de cozinha da pousada do Capão (e também seu correspondente masculino, Edailton), todos mestres na arte de receber (e informar) bem!

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O antiquário descoberto pela Iris, defronte à casa de Chica da Silva, nos oferece a particularidade desafiante em suas instalações, bem mais velhas do que tudo que se oferece lá dentro. Falo da quase-impossibilidade física de aquela casa ainda se manter de pé, apesar dos cupins, do desmazelo de seus donos, da vibração que os veículos na rua movimentada lhe transmitem. Um pedregulho retirado de seus alicerces faria com que aquilo tudo viesse abaixo… Felizmente não o fez em cima de suas visitantes, Iris e Keta. Quanto a mim, preferi ficar longe. Seus fungos e ácaros continuam, entretanto, poderosos, como bem o confirmou Íris.

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Biribiri é um cenário e tanto, entre montanhas, pedras, cachoeiras e arquitetura, já cantado em prosa e verso. Quem sou eu para acrescentar algo? Fico no objetivismo material. É um marco importante dos tempos em que o capitalismo era autônomo, não precisava dos governos. É bem verdade que ele fazia os tais governos, mas depois disso decretava sua autonomia dos mesmos. Aqui se reunia vontade e dinheiro para erguer obras poderosas, como a fábrica de tecidos que se instalou aqui há mais de século e meio, com as bênçãos, no caso, da Santa Madre Igreja. Energia, direta ou depois elétrica, sobrava nas cachoeiras. Outro exemplo disso é a Vila de Santa Bárbara, em Augusto de Lima, a uns tantos km daqui, onde também iríamos, não fosse o temor da poeira e dos sacolejos nessas perversas estradas entre serras e cerrados.

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Foi em Diamantina, onde nasceu JK… Assim começa o Samba do Crioulo Doido, que todo mundo conhece. E é tal personagem que baixou em Keta e eu para nos induzir a certas indagações capciosas, em uma verdadeira advocacia do Diabo. A começar pela pergunta: o espírito JK, daqueles “50 anos em 5”, foi realmente útil para o Brasil? Nem questionamos se Brasília deveria, ou não existir. Defendemos que sim, até para sermos coerentes: se não fosse esta cidade estaríamos os dois residindo em alguma outra, certamente menos interessante. A questão que nos assaltava era de outra natureza: a verdadeira naturalização da corrupção que ocorreu durante aqueles anos, com a construção de Brasília e o boom rodoviário. E aqui surge o verdadeiro fato imperdoável: precisava ter acabado com as ferrovias, deixando o país a mercê de estradas que se dissolvem com as chuvas, que são engolidas pelos buracos ou solapadas pelo peso das carretas? Quem souber que responda, mas nosso bom-senso-comum disse que não precisava ser assim.

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E salve as broinhas da padaria da Travessa da Saudade, junto ao apartamento de Eugênio e Lucia, inesquecíveis, uma coisa e outra…

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Momento poético no apartamento de Lucia e Eugênio: tertúlia literária, com récitas de Drummond (por mim), Fernando Pessoa (Keta), além de magníficos poetas paraibanos, Alves da Cruz e Pinto Monteiro, que nos foram apresentados por Luiz Gonzaga.

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Gruta do Salitre. A menção feita a Alex, relativa a seu abandono aparente, provocou em meu sobrinho visível mal estar. Mas prefiro chamar aquilo de abandono mesmo. Quem é que vai ligar para (mais) uma simples placa, apelando para que os interessados façam uma ligação por celular, convocando um guia que não se sabe onde está, para lhe mostrar a atração? Precisava estar em outro país, com outros costumes, ou, pelo menos, com sistemas de comunicação mais confiáveis. A gruta, melhor dizendo, aquela estranha formação rochosa é deveras curiosa e merece de fato ser visitada. Mas o receptivo precisava ser mais profissional. Alex não precisava se sentir responsável pelo desmazelo e está perdoado. Mas aqui, mais uma vez, o que se vê é conflito decisório, choque de vaidades, transferência de responsabilidades, renúncia à cidadania, além de sentimento cívico de pertencimento ausente – por parte das “autoridades”, claro. Alex fora disso, naturalmente

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Alex e Maira, pessoas queridas e responsáveis. Mesmo doentes, atacados pelos efeitos colaterais da vacina bivalente contra covid, nos receberam com enorme carinho. O mundo seria outro se todos fossem iguais a estes dois aí, como disse Vinicius.

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De volta a Brasília, trilhando diferentes caminhos da vinda, perfazendo um arco de muitas novidades. Um roteiro de vai dos Gerais às Minas, retornando depois das Minas aos Gerais. As Minas de Diamantina, São Gonçalo, Serro, Mendanha, Couto de Magalhães. Os Sertões Gerais de Arinos, Urucuia, São Francisco, Montes Claros, Curvelo, Felixlândia, Três Marias, João Pinheiro, Paracatu e Unaí. De fato, são variadas as Minas e outros tantos Gerais que estão instalados em cada um de nós.

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Fala Keta!

Revisitando nossa viagem e lendo este relato, senti falta de me colocar por inteiro, falando de minhas experiências e emoções nesta convivência tão maravilhosa de nós quatro, Flavito, meu amor, e meus amados amigos e irmãos de coração Iriszinha e Lula. Nesses dias vivemos muitas coisas, sentimento de amizade, momentos de inspiração poética, boas risadas de piadas e coisas engraçadas, confiança mútua, cuidado uns com os outros e aquela saudade na despedida, tendo a certeza que foram momentos únicos.

Eu pessoalmente tive o privilégio de conviver cotidianamente com Luiz Gonzaga Araújo Camarotti, sobrenome este acrescentado por ele próprio pelo sentimento amoroso pela irmandade que nos une. E mais, que maravilha poder desfrutar essa proximidade com minha amiga de todas as horas Maria Iris Guimarães!  E com você, Flavito, meu bem-querido, sinto que reafirmamos nossos gostos pela conversa, pelas descobertas dos caminhos, das belezas do nosso Planeta, da emoção em descobrir e saber sobre árvores, montanhas, rios, ruas estreitas e casas coloridas e não desbotadas pelos seus três séculos, amigos Caramelos, e tudo mais. Indescritível!

Juntos, os quatro, vivemos muitas alegrias, mas também, infelizmente, tristezas e frustações em testemunhar o abandono de nossa gente do interior, imaginar o quanto precisamos fazer e o tanto que precisa ser transformado. Nas nossas reflexões de percurso, percebemos que somos parte também da mudança necessária, mas acreditamos que não estaremos mais aqui, pelo menos nessa atual vida, para constatar os frutos de nosso empenho e de tantos outros idealistas por um Brasil melhor e mais justo.

Além dos momentos nas estradas, no deslumbramento com as paisagens, nos pit-stops, nas caminhadas nas cidades, tivemos a benção de nos hospedar em Diamantina, no apartamento gentilmente cedido por Lucia e do Eugênio. Nesse local agradável e de um alto astral, desfrutamos o café da manhã, regado pelas broinhas da padaria da Travessa da Saudade e pelos ovos mexidos da “senhora” Iris.

Ainda ressoam em mim as poesias que recitamos e desfrutamos juntos nas noites vividas naquele abrigo acolhedor: a leitura delas, as conversas amenas e as reflexões profundas, que simbolizavam uma amizade que já faz parte de nossas raízes existenciais. Na limpeza e organização final da casa, tão bem partilhada pelo grupo, ressalto o empenho de Luiz, nosso Lula, que realizava sua tarefa de forma suave e concentrada, como se aquilo representasse o cuidado com uma joia rara em suas mãos. Ainda vivendo aqueles momentos tão amigáveis, já começava a sentir a marca que aquele encontro a quatro deixaria em meu coração.

Deixo anotado em minhas lembranças todo o carinho que me foi dispensado por Flavito, reverberando nas lembranças maravilhosas de nossos colóquios, que tanto me fizeram e me fazem bem. E não só comigo. Como guia, senti sua disponibilidade permanente em oferecer ao pequeno grupo, os lugares mais peculiares, históricos e plenos de belezas naturais, tão singulares, que com certeza não alcançaríamos sozinhos.

Tudo muito novo e antigo; tudo leve e substancioso; tudo alegre e pleno de seriedade, assim foi nossa viagem. Na despedida em Brasília, fiquei com gosto de “quero mais”, sabendo que a intensidade desses dias já invadiu definitivamente nossos corações.

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Um toque final: mineiros e nordestinos juntos nesta viagem – tudo a ver! Esse encontro de Minas e de Gerais, de Sertão e de Montanhas, de Garimpo e de Currais, também é resultado de acontecimentos antigos, com fuçadores de ouro e diamantes da Serra do Espinhaço e criadores de gado que vieram, através do rio do Chico, do distante Nordeste, se estranhando, mas também construindo um espaço de brasilidade nessas terras que percorremos nesses dias felizes.

Até mais ver, até breve, companheiros de vida e viagem!

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