Amigo, li seu texto com o carinho de sempre e só posso dizer que ele prima pela correção.
Entretanto, essa correlação entre “SUS e DEMOCRACIA” creio que deve ser ampliada e melhor compreendida…
Sem me aprofundar muito (poderia fazê-lo junto com o nosso grupo, em próxima oportunidade) acho que tal correlação, posta de forma biunívoca, como fizeram (fizemos) os atores da reforma sanitária é pouco esclarecedora.
Seria algo como “só teremos saúde se tivermos democracia” ou “o caminho para a democracia passa pela saúde”?
O exemplo de Cuba está aí para mostrar que uma coisa pode não ter muito a ver com a outra, embora isso nos remeta ao conceito de “democracia” que se emprega…
Tudo bem, em Cuba falta este ingrediente. Mas o que dizer do Brasil onde ele formalmente existe, mas as eleições (e as des-eleições) são decididas não mais a bico de pena mas a picos de grana?
Por aí, pelo visto, não se avança muito…
Acho que a geração dos 80, parideira do SUS, do qual muitos de nós fazemos parte, embora todos os seus acertos, pecou também pela arrogância conceitual. Basta ler, se não a CF 88, os textos dos citados demiurgos do SUS, no qual se veem, na melhor das hipóteses, um “wishful thinking” a respeito do que se esperava do sistema então gestado. Na pior delas, uma baita arrogância de pensar que as boas intenções de alguns seriam capazes de criar realidades…
Assim ocorre, por exemplo, com o que se chama de “controle social” – controle de quem, cara pálida? Da mesma forma com essa associação forte e bilateral entre Saúde e Democracia… “Saúde é um direito de todos”… Isso significaria tudo, para todos, em todo o tempo? Qual foi o país do mundo, da Suécia à Suazilândia, do Japão ao Gabão, que um dia obteve isso? Houve mesmo caso da “ereção” do SUS a “Patrimônio da Humanidade”, objeto de pujante decisão do Conselho Nacional de Saúde há alguns anos, quando era presidido por um garboso e admirado líder sindical…
Mais modéstia, minha gente…
Quando estive estagiando no Canadá, anos 90, tive oportunidade de participar de uma reunião do Conselho de Saúde do Quebec. Na plateia, de no máximo 12 pessoas, gestores, prestadores privados (filantrópicos), alguns sindicalistas. O evento durou menos de duas horas e grande parte de seu tempo foi tomado pela exposição de um relatório de atividades e planejamento por parte da Diretora Regional de Saúde. Seguiram-se algumas perguntas com um breve debate. O relatório apresentado foi distribuído, muito bem impresso e ilustrado, como sempre acontece naquele país. Ao final, cafezinho, refrigerantes, profiteroles… E ponto final.
Fiquei pensando com meus botões: que m. de democracia é essa, em que os mandatários já trazem tudo pronto, não há paridade de representação e nem há debates.
É que minha cabeça, lamentavelmente, não tinha chegado a Montreal. Estava em pleno mundo tupiniquim…
Mais tarde percebi que estes mecanismos de conselhos, participação social (lá ninguém fala em “controle”) representam apenas uma parte, pequena talvez, entre muitas, dos instrumentos de uma verdadeira Democracia (pode nem ser tão “verdadeira” assim, mas certamente é maior e muito mais profunda do que a nossa…).
Vi então que DEMOCRACIA que mereça tal nome se faz com consciência política, imprensa livre, mecanismos difusos de participação nas comunidades, voto distrital, recall eleitoral, voto não obrigatório – coisas assim. Conselhos também, mas não com a “sacralização” que se faz deles no Brasil.
Concluindo: mais saúde = mais democracia? Depende… Estamos falando de que qualidade de democracia e de quais direitos e deveres que se quer garantir em saúde?
É só…
E mando um texto meu, (O SUS DEZ TESES), mais antigo, que aborda também as questões que você ora nos traz.
Abraços!
FLAVIO