Calendário florístico do DF: os ipês de agosto

A Lua Cheia abraça o ipêEm junho postei aqui o registro da florada do ipê roxo, Tabebuia impetiginosa, nome que coloco a salvo de controvérsias botânicas, das quais prefiro manter distância. O que tenho a dizer é que nos 25 anos que moro em Brasília já observei que esta espécie mostra sua esplêndida florada ainda no primeiro semestre do ano, em junho mais precisamente, enquanto os demais, amarelo, branco e rosa se reservam para os meses mais secos, de agosto até setembro ou outubro. Mas não é bem isso o que dizem os tratados, que fazem pouca distinção quanto à temporalidade das floradas, situando-as, um tanto imprecisamente, entre junho e outubro. Mas o certo é que em agosto já não temos mais o “impetigo” roxo, mas em compensação as outras cores aparecem e dão sua nota ao espetacular calendário que a mãe natureza, ajudada por Burle Marx e outros paisagistas, nos brindou.

Pelo que vejo nos livros sérios, tendo Harri Lorenzi como referência primeira e obrigatória, é um tanto controversa a classificação da espécie amarela, ao contrário da branca e da rosa sobre as quais há mais precisão. Digo isso sem ser profundo conhecedor do assunto. Quem sabe existem muito mais polêmicas entre o céu e a terra, as raízes e as flores, do que de forma vã imagino? Mas isso não me impede de seguir adiante.

Ipê amarelo. Nem o nome do gênero é ponto pacífico, podendo ser considerado como Tabebuia (mais frequentemente), Tecoma e Handroanthus. As espécies são variadas, também, sendo citadas, entre outras: alba, aurea, chrysophita, ochracea, serratipholia, umbelicata, vellosoi. Se procuramos os nomes populares, a coisa fica ainda mais complicada, pois a árvore é também chamada de ipê amarelo, pau darco amarelo, tabaco, para-tudo, caraíba, ipê da serra, ipê mandioca, ipê mamona, ipê cascudo, ipê do cerrado, caroba, piúva, entre outros apelidos.

São apenas observações amadorísticas, mas imagino que aqui em Brasília, na verdade, temos duas espécies do ipê amarelo.

A primeira, original do cerrado, parece ser a T. aura, mais enfezada, torta e meio cascuda. Ela pode chegar até os 20 metros de altura, mas no cerrado é bem mais modesta, claro. Ela tem folhas com três a sete folíolos e está presente amplamente no Brasil, onde quer que haja cerrado, mas até mesmo na Amazônia. Mestre Lorenzi nos adverte, contudo, que há controvérsias na classificação, podendo as espécies do Norte e do Centro Oeste não serem realmente as mesmas. Classificá-la com exatidão no momento de sua floração é tarefa complexa, reservado apenas a especialistas, pois dois dos elementos essenciais para sua identificação não estão presentes em tal momento: os folíolos e as vagens com sementes.

A outra espécie é aquela que foi plantada para compor o projeto urbanístico e florístico de nossa cidade. Aqui a coisa complica, pois não há como saber se ela é da espécie T. alba, T. achracea ou T. serratipholia, que fazem parte, genericamente, das chamadas florestas semidecíduas. Uma coisa é certa: não devem ser nem T. chrysotricha, T. umbelicata ou T. vellosoi, porque estas provêm de florestas mais úmidas. Ou, quem sabe, o são, só que bem adaptadas à secura do Planalto? Não me arriscaria a afirmar com certeza. Chamem um especialista, estou aqui só para lhes louvar a beleza.

Mas deixemos de teoria, ou deixemos a teoria para os botânicos…

E fica o registro: a bela fotografia de um ipê amarelo banhado pela luz da lua é de autoria de meu amigo Amaro Luiz Alves, que entende e capta com suas lentes os pássaros, insetos, árvores e  tudo mais que a natureza nos oferece. O espetacular colóquio da foto foi, ao que parece, capturado na 208 Norte, onde mora o artista. Obrigado Amaro! As demais foram flagradas por mim mesmo, na 110 Norte, mas poderiam tê-lo sido em muitas outras partes da cidade.

Para o ipê branco, como já disse, a controvérsia é menor. Mais uma vez, salvo engano (não custa nada lembrar, aqui fala um profano…), estamos falando da Tabebuia rosealba, também conhecido como “ipê do cerrado”, que chega a alcançar até dezesseis metros de altura, possui três dos tais folíolos e se distribui preferencialmente nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil.

Ele é “branco” no nome, mas olhando bem podemos ver que as flores têm em seu cálice uma ligeira coloração róseo-avermelhada, o que provavelmente justificaria seu sobrenome “rosealba”.

Caberia ainda uma breve menção à T. dura, também chamada de “ipê branco do brejo”, igualmente distribuída nas regiões CO e SE. Ela é mais modesta na altura (até sete metros), possui quatro ou cinco folíolos e sua madeira é mais mole, quando comparada à T. rosealba, mesmo sendo identificada formalmente como “dura”. Como os ipês brancos que  vemos em Brasília estão sempre em terrenos secos, é de se supor que este último, dito “do brejo”, não deve ser o dominante nestas paragens.

O certo é que todos os ipês brancos que tenho visto por aqui fazem parte certamente do já referido projeto florístico burlemarxiano. Não me lembro de tê-los visto no cerrado natural.

O exemplar de ipê branco que aqui se vê foi fotografado pelo meu amadorismo também na quadra 110 Norte. Possui também especial destaque a graciosa aleia formada por ipês brancos na trincheira de travessia da L2, sob o Eixo Monumental.

O ipê rosa é também chamado de roxo, além de sete-folhas ou preto. Na minha observação leiga é o último a florescer por aqui. Tem de cinco a sete folíolos, porte altivo, filho que é da floresta pluvial atlântica. Portanto, ele é um estrangeiro que se adaptou ao Cerrado. Está presente principalmente nos estados do Sudeste. Seu nome, T. heptaphyla, tem a ver com o número de folíolos que apresenta (hepta = sete).

Ainda não consegui uma boa foto do ipê rosa este ano. A falta de chuva parece que os deixou magoados, carentes do clima da floresta úmida. Coloco uma tirada da internet, com o devido crédito (ibflorestas.com.br).

Para encerrar, relembro Shakespeare, que disse em um soneto não lhe importar o nome que a rosa tenha, pois seu perfume seria o mesmo em qualquer circunstância, independente da designação que um dia alguém colou nela. Idem para a estética das tabebuias. Vamos ao que interessa: para nos confortar, pelo menos a vista, neste calor e secura inclementes de agosto, só mesmo a visão dos belos conjuntos de ipês amarelos, brancos e rosas, como aqui e ali nossa bela cidade nos oferece.

E já estou à espreita das próximas floradas no Planalto. A cagaiteira porá suas flores em menos de um mês; há algumas aqui perto de onde moro, na região do Jardim Botânico, que prometem belo show para breve. E vêm aí também as sapucaias do Eixão Norte. Aguardemos!

Vamos às fotos citadas acima:

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4 comentários sobre “Calendário florístico do DF: os ipês de agosto

  1. Flávio,

    Para quem se anuncia um amador em matérias de ipês, seu discurso é profundo e técnico. Como juiz, eu diria existir uma incoerência entre a declaração (de modéstia) e o conhecimento da matéria… Mas, não se preocupe, eu não sou juiz. Nem árbitro de futebol. Acrescento dois pequenos comentários ao seu texto:

    – Uma coisa que parece certo, mas que não é valorizada, vem desde a década de 1830, com Peter Lund; e que depois passou com Warming, na década de 1860; e, finalmente, com Ferri; nas décadas de 1940 e 1950 é que o Cerrado se encaixa na definição de política, de Magalhães Pinto: a política é como nuvem; uma hora você olha e ela está assim; depois, você olha de novo, e ela está diferente. Quero dizer com isso, que uma mesma espécie de planta (o que não acontece com a fauna) pode ser um arbusto numa fitofisionomia e árvore em outra; pode ser atarracada aqui e soberba ali. O maior escândalo na matéria é que espécies que se comportam como árvores na mata seca, se comportam como cipó na borda da floresta! Essas plantas têm Plano A, B, C e D. Não seria matéria fácil para Darwin. Ele deu sorte de não ter vindo para o Cerrado… Warming, depois de 4 anos em Lagoa Santa dizia que as chaves sistemáticas da Botânica de seu tempo não lhe serviam para classificar as plantas do Cerrado. Então, em resumo, o ‘é’ aqui inclui também o ‘não é’ e o ‘pode ser’.

    – Não sei se você tem a mesma sensação, mas vejo que neste 2016 as árvores estão bastante carregadas de frutos e sementes, coisa que não via desde 2012 (talvez). Isso serve para caracterizar que a produção do Cerrado é mutável ano a ano e não se sabe a razão disso.

    – Sobre a imprecisão que os autores ‘adotam’ para o calendário da fenologia, digo-lhe que é impossível marcar datas no Cerrado. Tenho a impressão que a ‘produção’ de flores está atrelada à quantidade de dias sem chuva que as precede e o calor que se avizinha. Com esses dois dados, as árvores vão botando as flores para fora. E numa ordem que nos escapa: umas colocam, primeiro, as folhas; outras, as flores. Isso é como gente; há as que preferem A e depois B; outras, B antes e depois A.

    – Sobre Lorenzi, lhe digo: há 10 anos, juro que ele colocava tal planta num gênero e numa família. Agora, a leva para outra casinha da botânica. E não é só ele. De tempos em tempos, os pedólogos refazem totalmente o sistema de classificação de solos. Em casa, já tenho as publicações das duas últimas classificações. Assim, não me estranhará que o ‘meu’ latossolo de hoje seja outra coisa daqui a mais 10 anos. Mas, o solo é o mesmo. E, ademais, há uma briga surda entre pedólogos nacionais e estrangeiros. Os brasileiros dizendo, com razão, que a classificação e nomes de solos internacionais deforma a distribuição dos solos tropicais. Disso sou testemunha e os erros são de mais grave consequência como tenho visto ao longo da carreira. Para que tenha uma noção, no meu tempo de formação, recebíamos descaradamente a informação do professor de Pedologia de plantão, de que os solos tropicais são uma versão piorada dos solos das zonas temperadas. É o exemplo mais perfeito do complexo de vira-lata na ciência agronômica. E quantos outros não existirão? A lobotomia, por exemplo, já não foi considerada uma ‘técnica avançada’? E nós, os mulatos, já não estávamos condenados sem apelação pelo fato de sermos mestiços? Deu no quê? Na raça pura dos nazistas. Então, de polêmica não estamos livres.

    Mas, continue, pois seu amadorismo é absolutamente profissional!

    Um abraço,

    Mauro Márcio

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