Assim Sophia viu Brasília

Em minha primeira viagem a Portugal, flanava eu pelas ruas do Chiado e ato contínuo resolvi tomar um daqueles charmosos eléctricos amarelos, que subindo e descendo ladeiras acabou por me deixar em uma praça nos altos opostos ao meu ponto de partida, o Miradouro da Graça. Ali, em um pequeno paço, me vi diante de uma bela e extensa vista, que abarcava desde o bairro da Mouraria, ao rés do chão, até o Castelo de São Jorge e o bairro da Alfama, ao centro, com a Sé de Lisboa mais adiante e mesmo, além, a ponte 24 de Abril e um pedaço do Tejo. No logradouro propriamente dito um busto em bronze me avisava que o local era conhecido também pelo nome da homenageada, Sophia de Mello Breyner, que eu até então ignorava quem fosse. Nos dias seguintes vi o que minha imperdoável ignorância me negara: ela era uma das maiores escritoras e poetas de Portugal, comparada até mesmo a Fernando Pessoa. Seu nome estava não só em pracinhas como aquela, mas em outros locais públicos da cidade e, de maneira que revelava sua real importância, em uma série de poemas sobre o mar, inscritos nas paredes que ladeavam os enormes aquários do Oceanário de Lisboa, que visitei um ou dois dias depois. Assim ela chegou em minha vida.     

Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu em 1919 na cidade do Porto, de família aristocrática tradicional, tendo também raízes nórdicas, reveladas por seu último sobrenome. Morreu em julho 2004, naquela mesma Lisboa que lhe homenageava onde eu ouvi falar dela pela primeira vez. Foi a primeira mulher a receber, em 1999, o mais importante galardão literário da língua portuguesa, o Prêmio Camões. Ela descansa no Panteão Nacional desde 2014.

Embora tenha sido uma das maiores poetas lusitanas, os leitores brasileiros não conheceram diretamente Sophia a não ser tardiamente, em 2004, mesmo ano de sua morte, quando uma antologia, organizada por Vilma Arêas, foi lançada. Depois, veio “Coral e Outros Poemas”, outra antologia, organizada por Eucanaã Ferraz, cobrindo toda a produção da autora, incluindo versos póstumos. A Editora 7Letras publicou, também, uma coletânea de ensaios sobre ela, organizada por Paola Poma, professora de literatura portuguesa da USP. Maria Bethânia gravou o disco “Mar de Sophia”, em 2006, inspirado pelos versos dela, um “álbum cheio de ondas, espuma, corais e peixes, como a poesia da homenageada”, como, aliás, as paredes do Oceanário de Lisboa já demonstravam.

Leio nas enciclopédias que o universo temático de Sophia, muito abrangente, é representado por temas diversificados, tais como a busca da justiça, do equilíbrio, da harmonia e a exigência do moral e da tomada de consciência do tempo em que se vive. A natureza e o mar, como espaços eufóricos e referenciais para o ser humano estão presentes também, assim como o tema da casa, o amor, a vida em oposição à morte, a memória da infância, os valores da da antiguidade clássica, o idealismo e o individualismo psicológico.

Sophia de Mello Breyner conheceu Brasília e nos legou um poema significativo, onde ela encontra redescobre o Brasil com seus olhos lusitanos, percebendo linhas de união entre a antiguidade clássica, a natureza tropical e a essência do homem brasileiro, personificado no candango. Leiam:

Brasília
Desenhada por Lúcio Costa, Niemeyer e Pitágoras
Lógica e lírica
Grega e brasileira
Ecumênica
Propondo aos homens de todas as raças
A essência universal das formas justas

Brasília despojada e lunar
como a alma de um poeta muito jovem
Nítida como Babilônia
Esguia como um fuste de palmeira
Sobre a lisa página do planalto
A arquitetura escreveu a sua própria paisagem

O Brasil emergiu do barroco e encontrou o seu número
No centro do reino de Ártemis
– Deusa da natureza inviolada –
No extremo da caminhada dos Candangos
No extremo da nostalgia dos Candangos
Atena ergueu sua cidade de cimento e vidro
Atena ergueu sua cidade ordenada e clara como um pensamento

***

Saiba mais:

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/04/poesia-de-sophia-de-mello-breyner-andresen-e-redescoberta-no-brasil.shtml

https://pt.wikipedia.org/wiki/Sophia_de_Mello_Breyner_Andresen

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