O SUS: histórias que ninguém contou

Todo mundo tem um amigo, parente ou conhecido que esteve em uma unidade do nosso sistema de saúde e saiu de lá com alguma reclamação a fazer. Mesmo diante de tais argumentos eu tenho sido desde sempre um defensor do SUS, aliás, participei de sua construção, como militante do Movimento Municipalista de Saúde, gestor público, docente e pesquisador universitário. Isso não tem impedido, todavia, que algumas vezes me acusem de ser um “inimigo” do SUS, pois não deixo de fazer críticas ao que ele tem de equivocado ou daquilo que precise ser reciclado no mesmo. Com os textos que exponho a seguir, escritos nos últimos anos, estou menos preocupado com a defesa do SUS, mas em contar uma história do mesmo que, a meu ver, ainda não foi contada em suas nuances, às vezes curiosas e até mesmo pouco honrosas, mas sempre com honestidade intelectual.. Deixo claro, o que vai aqui não seria jamais a visão do historiador, que não sou, mas também não é a visão do militante obnubilado (aspecto comum…) pelo equívoco de que com tal construção o país “já chegou lá” em matéria de saúde. Não pretendo também usar voz do acadêmico ou do gestor público, mas sim aquela do ator social que viu as coisas de perto, ou seja, que esteve envolvido diretamente com a construção do sistema. De toda forma, meu objeto aqui é memorialista e assim não posso me furtar a falar do que vi e aprendi como pessoa que participou da criação do SUS. Admito que falo dele nem sempre com clemência, às vezes com decepção, mas sempre com esperança. Trago aqui algumas reflexões produzidas por mim ao longo de minha carreira, bastante enxugadas agora, para felicidade de meus leitores. Nelas busco recuperar um pouco de meu trajeto e de minhas ideias principais a respeito do sistema de saúde brasileiro. lutas. Creio, seja por sorte ou virtude, talvez tenha sido alguém que estava na hora e no lugar certos naqueles idos da década de 80. Me dê agora o prazer de sua leitura (ver a seguir)…

Para começar, uma síntese dos temas que serão desdobrados no arquivo seguinte.

O SUS, este incompreendido  Todo mundo tem um amigo, parente ou conhecido que esteve em uma unidade do nosso sistema de saúde e saiu de lá com alguma reclamação a fazer. Dizem que na Inglaterra, no Japão ou nos Estados Unidos é assim também, mas isso não deve ser argumento bastante para baixarmos a guarda em relação às exigências que devem ser feitas não só em relação ao SUS, mas a qualquer sistema de saúde no mundo.
Minha bagagem  Sou docente aposentado na Universidade de Brasília desde 2003 e fui, depois disso, Secretário Municipal de Saúde em Uberlândia, entre 2003 e 2004. Já o tinha sido entre 1983 e 1988, o que registrarei em outro momento deste texto. Fui também docente na UFMG na área da então chamada Medicina Tropical entre 1972 e 1973, depois exercendo tais funções na Universidade Federal de Uberlândia, nos anos 70 e 80.
No princípio não era o SUS  O que conhecemos hoje como SUS – Sistema Único de Saúde nem sempre existiu, embora já estivesse presente, pelo menos ao longo do século 20, um arremedo de sistema de saúde no país. Mas o que era isso, afinal?
Entre o (modelo) Alemão e o Inglês  O surgimento da ideia de Previdência Social no Brasil está intimamente ligado ao período de modernização da economia, a partir dos anos 30 do século passado, quando o país gradualmente deixa de lado o modelo chamado de agrário-exportador para adentrar no urbano-industrial, que prevalece ainda hoje. O país optou por organizar tal sistema inspirado particularmente no modelo alemão, também dito bismarckiano…
Saudades da era pré-SUS? Fala sério…  A recente onda de revival político instalada durante o governo que passou, com aquela história de que não houve ditadura no Brasil e também que nesta época o país era melhor do que atualmente, parece ter seus desdobramentos também no campo da saúde. Não é que outro dia na fila da farmácia um senhorzinho insistia em afirmar à mocinha à sua frente que na área da saúde “as coisas haviam piorado muito”…
Quanta mudança…  Com efeito, tudo o mais na saúde era bem diferente naqueles velhos tempos do que é hoje, por exemplo, na essência demográfica e epidemiológica; nas características da formação médica e nas condições de exercício da medicina, para bem caracterizar o que esperava um jovem ingressante na carreira médica entre os anos 60 e 70, como foi o meu caso. Tempos melhores ou piores do que os atuais?
Minha vida profissional antes do SUS  A era pré-SUS ocupou toda a minha vida estudantil, de residente e mesmo vários anos, quase duas décadas, de minha vida profissional. A seguinte história resume bem os percalços de um jovem médico em tal era, ao tentar a vida no interior do país. Mas sinceramente, em termos de preparação para os desafios do dia a dia, ainda mais nas brenhas da nação, desconfio que não houve muitas mudanças no cenário, se não para pior…
Medicina pré-SUS: Uberlândia, um caso emblemáticoA cidade de Uberlândia já era, na ocasião, um sonho feliz de cidade, como disse Caetano a respeito de Salvador. Mas a felicidade ali era dada pelo padrão de renda e consumo, superior à média nacional, o que conferiu a um polígono formado, entre outras cidades, por Ribeirão Preto, Uberaba, Barretos, além de Uberlândia, o designativo de Califórnia Brasileira, meio pretensioso, como era de costume naquela época de (falsos) milagres…
Lepra, tuberculose, vacinas: a pobre Saúde Pública pré-SUSEm 1976, um ano após minha chegada em Uberlândia, arranjei um segundo emprego, como, aliás, é comum entre os médicos de hoje e de sempre. Faço um parêntese: quando alguém ouvir falar que os sindicatos e associações médicas pleiteiam maior ordenamento e regularização das condições de trabalho da profissão, não acreditem! …
O SUS, finalmente: minha trajetória  O Sistema Único de Saúde, carinhosamente conhecido (ou ás vezes sem tanto afeto…) como SUS é, de longe, o objeto que esteve mais presente em minha vida profissional. Com efeito, me envolvi com as lutas de sua criação, nos anos 80, seja como membro de movimentos de secretários municiais de saúde, em Minas Gerais ou no plano nacional, mas também como militante, digamos assim, intelectual, tentando contribuir como pensador ou palestrante – convites não me faltaram…
De como eu “virei a casaca” e (me) o encontrei finalmente  Aquela vida de médico e ainda mais plantonista que eu levei na primeira década de minha vida profissional, em São Simão e depois em Uberlândia, já me cansava. Foi assim que resolvi sair para outros voos. Ou melhor, para outros mares, mais profundos e amplos. Passei assim além do Bojador.
A Oitava  Nos meados de minha gestão como Secretário de Saúde, mais exatamente em 1986, os ventos começaram a soprar de maneira diferente, com meu envolvimento na formação de um organismo ou conselho de secretários municipais em MG e, particularmente com a realização da oitava Conferência Nacional de Saúde, a primeira desde que o país havia entrado na trilha democrática (ponhamos alguma reserva nisso…)
Por mares abertos e recintos fechados  Na época da Assembleia Nacional Constituinte, entre 1986 e 1988, eu comecei a circular intensamente pelo país, por mares nunca dantes navegados, pelo menos por mim. Eu já participava do movimento de criação do Conasems, a entidade nacional de SMS, além de fazer parte da Comissão Nacional de Reforma Sanitária, na qual fui admitido pela porta da frente…
A Imorredoura Instituição  O Inamps, instituição ainda presente na memória de muitos, ainda me trouxe pelo menos mais uma história curiosa, digna de ser passada adiante. Deu-se o seguinte: quando fui trabalhar em Brasília, em 1991, meu primeiro posto foi no IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal, que tinha um convênio de assistência técnica com a recémcriada Fundação Nacional de Saúde, híbrido da fusão da “inteligência” e da “beleza”, conforme o famoso joke de G. Bernard Shaw, que resultou do casamento da antiga Fundação SESP com a Sucam…
O que vi e narrei  Meu gosto pela escrita acabou me aproximando de uma atividade que exerci com bastante frequência ao longo de minha vida, às vezes de graça, outras vezes pago para tanto. Nos últimos tempos a segunda modalidade tem sido a mais frequente. Falo da elaboração de relatórios de conferências de saúde e outros tipos de reunião, de que o setor é pródigo. Afinal, a turma da saúde gosta de debater, embora mostre certa dificuldade em acrescentar coisas novas no cenário, incorrendo naquele mais do mesmo a que já me referi antes…
Crepúsculo de deuses  Petição me chega pela internet, anunciando a demissão (março de 2018) de Sonia Fleury, na Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, após 35 anos de trabalhos na instituição. Deploram que era ela a “professora mais produtiva da Ebape” e que formou em seus anos de trabalho “incontáveis gestores, acadêmicos, militantes políticos, por meio de suas aulas e da orientação de monografias e teses”, tendo ainda “contribuição fundamental na construção da democracia brasileira, como formuladora do desenho do SUS…
O Templo da Reforma Sanitária e seus sacerdotes  Ah, a ENSP! Esta instituição representa muito bem o que eu chamaria de um dos “Templos” onde foi gestada a reforma sanitária brasileira, junto com alguns setores da USP, da Unicamp, além do Instituto de Medicina Social da UERJ. Pois bem: eu estive por lá e posso contar como eram as coisas…
O SUS é realmente “fruto de movimentos sociais”?Falar nisso houve um embate clássico entre Sônia Fleury e Gastão Wagner no final dos anos 80, representando as duas tendências. De um lado uma visão triunfalista, de intelectuais que se viam como correias de transmissão entre as massas e o poder de decisão real; de outro, a crença nas massas organizadas diretamente para tomar o poder…
O Leninismo na saúde e o SUS  O pensamento sobre a democracia e a participação evolui ao longo do século XIX, tanto na tradição liberal como na socialista. Na primeira vertente, as palavras-chave são: liberdade de associação, direitos individuais, poder de voto, representação. Na vertente socialista, de forma diferente, o apelo diz respeito à democracia a partir de baixo, também exercida de forma direta, abrangendo decisões tanto políticas como econômicas, envolvendo não só a sociedade política como a civil…
O Wishful thinking ( e uma certa arrogância) dos sanitaristas  Pensamento desejoso (wishful thinking) é uma expressão do campo da psicanálise, que pode ser traduzida também como pensamento ilusório , que significa o hábito de tomar os simples desejos como se realidade fossem, o que acarreta se tomar decisões ou seguir raciocínios baseados nesses desejos, em vez de em fatos ou na racionalidade. Representa também a formação de crenças moduladas com o que é agradável de se imaginar…
Gente que fez o SUS  Aqui cabe um esclarecimento: o SUS não foi feito apenas por estes indivíduos citados aqui. Estes são aqueles com os quais tive algum convívio e em quem reconheça mérito especial. Certamente há muitos e muitos outros a serem lembrados. Aliás, devo deixar claro: o SUS não é fruto de movimentos sociais amplos, como querem os militantes, mas sim de atores diferenciados, com nome e CPF…
O lado “B” do SUS  No mar aberto do SUS naveguei como ninguém por este país. Viajar, afinal, é uma das principais atividades de que se ocupam os detentores de cargos de Direção e Assessoramento Superior, os populares “DAS”, na Esplanada dos Ministérios. E eu não fugi a tal regra, embora, deva confessar, não tivesse muito gosto em frequentar hotéis, aeroportos, aviões e reuniões burocráticas fora de minha base (e pensando bem, nela também)…
Odorico Paraguaçu existe de verdade!  Prefeitos e prefeituras: conheço bem o tema. Trabalhei em uma dessas por oito anos e isso só me fez respeitar a lida dos prefeitos, seus secretários e servidores em geral, nem sempre bem compreendidos pela população e quase sempre mal compreendidos pelos Promotores e Juízes.
Dissabores da gestão pública  Um belo dia de 2004. No final da minha segunda jornada como Secretário Municipal de Saúde, a Promotoria Pública de Uberlândia, tendo recebido uma denúncia, talvez de Vereador ou funcionário demitido, correu em diligência a uma das unidades do sistema de saúde, onde constatou a falta de alguns medicamentos e materiais. Denúncias dessa natureza eram constantes na imprensa e na Câmara de Vereadores…
Um desabafo  Quando terminei minha colaboração na Bagdá, (antes Califórnia), em que havia se transformado Uberlândia nos anos da segunda gestão de Zaire Rezende, resolvi escrever algo sobre os acertos e as dificuldades que encontrei em minha passagem. Não só o fiz como entreguei, sob a forma de carta pessoal ao Prefeito Zaire. E assim, depois de julgar meu texto perdido, acabei por resgatá-lo recentemente…
O SUS em tempos partidos  Entre outubro e novembro de 2018, o que era até então um assombroso presságio, se transformou em realidade. Nós, a multidão de brasileiros que amávamos a democracia, a liberdade, o Estado laico, o respeito pelas diferenças, a valorização da vida, a não-violência, as políticas sociais compensatórias e tantas coisas mais, indicadoras de civilização e de humanidade, nos vimos abismados pela tragédia com que fomos presenteados por mais de 50 milhões de compatriotas nossos…
A unanimidade que faz mal à Saúde  Entre 2009 e 2010 resolvi juntar meus textos sobre o SUS, alguns publicados em revistas técnicas, outros avulsos, alguns cuja publicação foi negada em revistas, além de capítulos de livros. Tentei fazer, com eles, uma mirada na construção do sistema de saúde no Brasil ao longo das duas décadas anteriores. Dei a esta coletânea um nome sugestivo, A Unanimidade faz Mal à Saúde, tendo se transformado em livro…
Uma síntese: o SUS, entre o sonhado, o real e o possível  Em maio de 2017, já não me lembro através da indicação de quem, fui convidado a falar em um evento do Sindicato dos Bancários do DF, cujo tema era saúde e mais especificamente o SUS. Na verdade, me preparei para uma plateia que certamente aspirava, mais do que o SUS, o acesso aos planos de saúde privados, nem cenário dominado, no principal banco do país, o Banco do Brasil, pela prestação de serviços de saúde através de uma fundação privada, a CASSI, custeada historicamente por um misto de dinheiro do próprio banco e dos funcionários. Àquela altura dos acontecimentos, contudo, o financiamento era só destes últimos e isso também me indicava qual seria outra tônica do evento, qual seja o desejo de participação patronal no custeio dos tais planos. Dito e feito, mas em ambiente de tantas contradições, penso que dei o meu recado…
Apostasias  Aqui, em breve síntese, trago aos leitores algumas ideias com que me entretive ao longo dos anos, tendo como foco o nosso sistema de saúde. Na palestra aos bancários narrada acima, falei de algumas delas. Mas tem mais na sacola. Algumas dessas propostas, por sinal, bastante rejeitadas; outras tratadas com indiferença e uma parte, bem ou mal, em vias de incorporação pelos agentes da política ou gestão do sistema…  
Crônicas Susianas  Aqui vão algumas publicações avulsas minhas, feitas em meus blogs veredasaúde.com ou saudenodf.com.br, todas elas tratando do mesmo tema que orienta a presente digressão. Trago-as aqui para que complementem alguns aspectos que considero não suficientemente tratados ou aprofundados nos textos acima.  

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