Mais apontamentos para a História do SUS
Tenho escrito sobre tal tema aqui. Ver, por exemplo, o texto seguinte, publicado, por ora, apenas neste espaço [O SUS: histórias que ninguém contou – Vereda Saúde (veredasaude.com)]. Trata-se de assunto que está longe de se encerrar, pelo menos para mim, que acredito que tal história ainda não foi contada por inteiro e o que é pior, é muitas vezes narrada dentro de uma determinada ótica, que eu chamaria de triunfalista ou, para ser mais específico, uma narrativa de quem acha que em relação ao SUS tudo já foi conquistado e que se algo deu errado só pode ser culpa dos adversários, não de quem agiu dentro do sistema e sempre com as melhores intenções. O que segue adiante representa o produto de reflexões que fiz no início dos anos 90, no calor da fundação do SUS, portanto, como introdução à minha dissertação de mestrado na Escola Nacional de Saúde Pública. Eu que vinha da carreira universitária me colocava, então, como um “intelectual-dirigente”, utilizando terminologia gramsciana, embora admitindo que premido pelas contradições da realidade não me era possível sentir “completo” nem como intelectual, nem como dirigente, donde se tornava essencial buscar “um norteado” para as coisas, torná-las “confiáveis ao meu coração”. Com efeito, em trabalho anterior, inspirado em Gramsci, eu refletia que o modo de ser deste novo intelectual incluía o desafio de praticar uma pedagogia alternativa, na qual o ato de educar deveria ser fundamental, não só na vertente da academia, como da administração pública e também no parlamento, na assessoria aos movimentos sociais. Isso implicaria em romper com falsas totalidades impostas pelo pensamento dominante, ou mesmo aquelas do tipo “o povo tudo sabe”; promover o preparo dos homens, enquanto sujeitos ativos, para a participação política, para o questionamento das ideias, para a independência cultural, para a conquista da cidadania social; tomar como ponto de partida o senso comum das percepções e imagens, mas acima de tudo, submetendo-o à crítica e à superação verdadeiramente dialética. Só assim o “homem comum” poderia se tornar, ele também, intelectual e dirigente, e o intelectual-dirigente seria capaz de superar a eloquência vazia do saber oficial, construindo um conhecimento verdadeiramente organizador e transformador sobre as coisas “vãs e mudáveis” da realidade social. Mais gramsciano, impossível, portanto. Mas vamos ao texto em questão, que trago aqui como um registro de ideias sem dúvida datado, mas que poderá ajudar, quem sabe e um dia, na escrita da verdadeira história da política de saúde no país, longe de qualquer virtuosismo, triunfalismo, academicismo ou derrotismo.
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De minha janela em Cascais, onde estive por sessenta dias, a Terra Lusitana me chegava aos sentidos através de várias imagens: pinheiros e oliveiras nas encostas; pés de couve nos quintais; ovelhinhas em apriscos; patos e galinhas ciscando em terreiros; algumas ruínas; casarões senhoriais; modernos conjuntos habitacionais. O mar onipresente no país apenas envia sua brisa, pois não era possível enxerga-lo de onde eu estava. Tudo ao mesmo tempo, agora! Junta-se assim o moderno e o arcaico; o natural e o construído pelo homem; o simples e o complexo; a gente rica e a remediada, pois não chego a ver pobreza por aqui. Que país seria este, tão conhecido e ao mesmo tempo ignorado por nós brasileiros. Um espelho onde poderíamos ver refletidas algumas de nossas vergonhas? Na saúde, por exemplo, em 2011 eles estavam simplesmente quebrados, como nós, hoje ou quase sempre. E passaram o chapéu, rendendo-se ao polêmico acordo firmado com o FMI, Banco Central e Comissão da União Europeia – a famigerada Troika. Foi assim aplicado ao país o amargo remédio da austeridade.