Ode a Manoel de Barros

MANOEL DE BARROSManoel

de ares

de nuvens

de folhas

de pássaros

de flores

de bichos

de barros.

Manoel

leitor de borboletas

analista de corujas

arquiteto de cupinzeiros

cronista de grilos

contabilista de garças

projetista de libélulas

agrimensor de tocas e cantinhos

onde sapo e lodo

são uma coisa só.

Abelhas não gostam de Manoel

(querem fazer mel sozinhas).

Jacaré aprecia.

Jacaré entende tudo que ele diz,

ali, no banhado,

barriga no lodo e olho no céu.

No país de Manoel

coisas de enxergar são apenas a beirada.

O que há, mais, é de sentir,

e de ouvir:

perfume de flores amarelas, roxas e azuis

rabananda de jacaré: onde?

peixe comendo inseto

garca comendo peixe

aranha tangendo sua harpa de aço

libélulas em sem-vergonhagem

um jaburu desencolhendo a papada

(roçadinho de pelica nova

que só se ouve quando não há

caramujo se botando fora da concha

vaginosamente)

– sucuri pede silêncio –

um besouro escorrega e cai

da folha do ingazeiro, obtuso

uma anta esterca no capão

para a alegria zumbideira da mosca verde

tibum!: foi a capivara madrinha

– e a sucuri de novo: silêncio,

ou eu engulo o mundo!

 

Lá no fundo de tudo

onde planície e céu fecham a derradeira baía,

da chaminé abissal disfarçada de cupinzeiro

onde água e terra ainda são o barro primal

onde sapos, peixes e caramujos são apenas projetos

com forma de nuvens e cores de sonho.

Bem de lá é que se ouve,

e quase não se ouve de tanto que se ouve

o murmurejo

o gorgolejo

o solfejo

brotados do pântano como o esquaxo de seres

que comem sol e se espojam em lodo:

a poesia aluvionosa de Manoel de Barros.

 

 

 

Publicidade

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s