Meu amigo não está entre nós há muito tempo. Só para contextualizar, quando ele se exilou, o Capitão ainda não havia deixado sua roça paulista e Sérgio Moro nem havia nascido e muito menos havia resolvido se prestava vestibular para o curso de Direito ou para Publicidade… Mas me impressiona muito o modo como ele é capaz de acompanhar e emitir opiniões pertinentes sobre a realidade brasileira, especialmente na política. Às vezes suas frases são meio misteriosas, mas logo se esclarecem, a cada fornada de notícias de jornal.
Assim, por exemplo, sobre esta crise política que parece ser inesgotável, ele diz que ”atrás de morro tem morro” e que tudo “não muda nunca, só de hora em hora piora”. E para aqueles que fingem não ver, adverte: “o vento no ermo a todos concerne”. Mas para não passar por pessimista, completa “o mal está apenas guardando lugar para o bem”, lembrando também que “vivendo se aprende, o que se aprende mais é só fazer outras maiores perguntas”. Afinal, arremata, “a espécie humana peleja para impor ao latejante mundo um pouco de lógica, mas algo ou alguém de tudo faz frincha para rir-se da gente”, o que lhe induz ao cálculo de que “ninguém é doido, ou então, todos”.
Será que ele acredita na tal “voz das ruas”, naqueles que arrostam o vírus para saudar o Mal Encarnado em Presidente da República? Filosofa: “a gente cresce sempre, sem saber para onde”, mas alerta que os muitos que estão em silêncio “não possuem nenhum poder nenhum, dinheiro nenhum, [deles] o senhor tenha todo medo!”. Com o pezinho atrás, todavia: “povo, quando fala, fantaseia”, sem esquecer o óbvio: “tem coisa e cousa, e o ó da raposa”.
Ah, a curriola dos políticos! Estes do extremo centro, então… Sabe dos atos de todos – e é impiedoso… Começa com ironia: “gado manso, quando dá pra bravo, é pior que o bravo, porque conhece todo o movimento”. Com efeito, não existe uma manada de bois cordatos que, de repente, se transmigram em hienas debaixo daquelas cúpulas da Esplanada? Inda mais quando atravessam a rua para falar com o Mal Encarnado. E ele sem dúvida fala com endereço certo: “no sistema de jagunços, amigo era o braço, e o aço”; “para bezerro mal desmamado, cauda de vaca é maminha”; “a colheita é comum, mas o capinar é sozinho”; “quem muito se evita, se convive”.
E o que o habitante-do-outro-lado-da-rua pode esperar do futuro? Para ele, não agora, mas mais na frente, se aplicará à perfeição o singelo adágio “o caipora até na pedra atola”? Tem amigos, ora pois, lembro-lhe. Mas ele retorque, “um bom amigo vale mais do que uma boa carabina”, lembra ele, mas para tanto tem que ter coragem de puxar o gatilho, acrescento eu: para acertar o próprio pé.
Na família Zero ele atira certeiro: “o demônio esbarra manso, mansinho, se fazendo de apeado, e, o senhor pára próximo – então ele desanda em pulos e prezares de dança, falando grosso, querendo abraçar e grossas caretas – boca alargada. Porque ele é – é doido sem cura”.
Esta parece sob medida para aquele ministro “saído” meio à socapa: “inveja é erro de galho, jogar jogo sem baralho. Invejar é querer o peso de bagagens alheias, vazio”.
Acha muita graça de certos políticos, sempre afoitos, tal qual tanajuras depois da chuva, os Jefferson e Costa-Neto, por suposto: “boi andando no pasto, prá lá e pra cá: capim que acabou ou está para acabar”; “muito junto do braseiro, gente há que às vezes não se aquece direito, mas corre o risco de sapecar a roupa”; “é andando que o cachorro acha o osso”; “cipó não trepa em pau morto”.
Isso é moeda de troca, coisa da política, comento, mas ele não deixa por menos: “comprar ou vender, às vezes, são as ações que são as quase iguais”.
Para esses que fazem de Jesus e Deus seus parceiros na política, dispara: “Deus come escondido, e o diabo sai por toda parte lambendo o prato”. Ou então: “o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem – ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos”.
As togas do STF também ganham seu quinhão: “… o erro, elemento nosso, da vida, ele está nas velas e está no vento”. E ainda: “julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga é o passado”.
Sobre as lembranças felizes que o maléfico personagem diz possuir de acontecimentos de décadas passadas, com sabor de coisa guardada em bolor: “deixar de chupar no quente cigarro, a fim de poder recolher-lhe inteira a cinza”.
Impeachment ou renúncia? “Pão ou pães é questão de opiniães”…
E até para esta covídea peste, que ninguém entende o que seja, de verdade, ele adianta: “dá é na cabeça a dor das coisas”. “Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive os fatos. Ou a ausência deles”. “Para não nascer, já é tarde; para morrer, inda é cedo”.
Mas ele, do alto de sua experiência e diante da clarividência que lhe confere sua moradia dos últimos anos, não teria alguns conselhos para tais personagens? Ele não se faz de rogado: “o passado é ossos ao redor de ninho de coruja”. O que fazer? “não se imagina o perigo que ainda seria, algum dia, em alguma parte, aparecer uma coisa deveras adequada e perfeita”; “o poder, no tombo dos dados, emana do inesperado”; “o mais difícil não é ser bom e proceder honesto; dificultoso, mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra”; “tropeçar também ajuda a caminhar”; “quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente”. E, mais, dedicando palavras certamente aos eleitores do coisa-ruim: “perdoar uma cascavel é exercício de santidade”; “o roto só pode mesmo rir é do esfarrapado”.
Mas lembra ao tal sujeito uma máxima da política: “quando pior mais baixo se caiu, maismente um carece próprio de se respeitar”.
“O trágico não vem a conta gotas”, avisa, e súbito se despede de mim com palavras misteriosas: “Nonada. Travessia. Existe é o homem humano”.
(Devo esta crônica a Rubem Braga, que muitos anos atrás fez algo semelhante tendo como personagem Machado de Assis.)