Karl Friedrich Hieronymus, autor (ou precursor) das famosas histórias do Barão de Munchausen nasceu em 1720, em Bodenwerder, no que é hoje a Alemanha. Ele fez carreira militar e depois de se retirar, passou o resto da vida em sua aldeia, onde não perdia uma oportunidade de seduzir os camponeses e outros vizinhos seus com a narrativa de suas façanhas, sempre com muito exagero, mas sem perder a naturalidade. Contudo, nem todas as histórias reunidas no livro sobre o tal barão foram contadas na vida real por Karl Friedrich, eis que um amigo seu, Rudolf Raspe não só reproduziu como criou novas anedotas que atribuiu ao Barão. Na verdade este é um tema comum na literatura de diversas origens, haja vista, por exemplo, o personagem Alexandre (e outros heróis), de Graciliano Ramos, mais tarde incorporado por Chico Anysio como Pantaleão, aquele do clássico bordão “é mentira, Terta?”, com suas histórias mirabolantes, curiosamente desmentidas por um “bobo” (aparentemente), Pedro Bó (na novela de Graciliano por um cego, Firmino), que assim se revelavam mais espertos do que os demais basbaques reunidos em torno do mentiroso. E Alexandre não perdia oportunidade de desqualificar seu detrator: cala a boca, você não é cego? Mesmo na cidade onde morei por 15 anos, Uberlândia, havia um personagem assim, conhecido como Dr. Laerte, médico e fazendeiro rico, um barão a seu modo, que passou a vida encantando os roceiros, amigos e mais quem se aproximasse com histórias igualmente saborosas e inofensivas. Mas o que o capitão de Eldorado está fazendo aqui, em tão nobres companhias? Deixa que eu explico…
Algumas histórias do Barão: ele cavalgou durante uma batalha em um cavalo cortado ao meio; foi lançado contra uma cidade sitiada montado em uma bala de canhão; passeou pela lua; tirou a si próprio e a seu cavalo de um pântano puxando-se pelos cabelos; certa noite amarrou seu cavalo em uma cruz à beira do caminho, tomado pela neve, e na manhã seguinte, quando a mesma derreteu, percebeu que o que prendia o animal era a cruz que encimava a torre de uma igreja, com o pobre cavalo amarado lá nas alturas. E por aí vai. Já Pantaleão perdeu um olho quando campeava uma rês na caatinga, mas na manhã seguinte conseguiu reavê-lo enganchado num espinheiro. Ato contínuo, colocou o olho na órbita vazia, mas para surpresa sua, percebeu que o mesmo lhe permitia agora perscrutar a própria mente, pois estava virado para dentro. Laerte voltou da Europa encantado com um novo carro lançado por lá pela Mercedes Benz, no qual, para se andar à ré, bastava deslocar o volante, encaixá-lo junto à parte traseira e girar o banco do motorista para trás. São exemplos notáveis da arte de distrair as pessoas através da mentira e do exagero – sem lhes fazer nenhum, mal, diga-se de passagem.
Na falta de neve, guerras, cavalgadas, aventuras, trabalho pesado na caatinga e mesmo capacidade de invenção e observação do mundo de forma inteligente, bem como por suas reconhecidas limitações de vocabulário, o Capitão de Eldorado Paulista nem assim deixa por menos e não se peja em divulgar, a cada dia e com notável persistência, as chamadas Mentiras do Capitão. Vamos a algumas delas: Cloroquina cura covid; isso é apenas uma gripezinha; nós militares somos habilitados a gerir empreendimentos de governo; ganhei as eleições no segundo turno, mas houve fraude, deveria ter ganho no primeiro; no Brasil não houve ditadura militar; o coronel Brilhante Ustra foi um herói; tenho um passado de atleta; meu exército vai proteger as pessoas que queiram sair de casa e se expor nas ruas. Chega, né? Isso aí já confere ao capitão um galardão que de longe sobrepuja, juntos, Munchausen, Pantaleão, Alexandre, Laerte e muitos outros.
Mas o Barão tinha, pelo menos, uma sinceridade que falta aos demais, particularmente ao troglodita de Eldorado: “Ao contar suas aventuras, a maioria dos viajantes tem por costume dizer que viu muito mais do que realmente viu. Portanto, não é de espantar que leitores e ouvintes algumas vezes sintam-se inclinados a não acreditar em tudo o que leem e ouvem. Mas, se houver entre os presentes a que tenho a honra de me dirigir alguém tentado a pôr em dúvida a veracidade dos relatos que faço, ficarei profundamente magoado por essa falta de confiança; e vou sugerir-lhes que a melhor coisa a fazer é despedir-se antes de que eu comece a relatar minhas aventuras marítimas, pois elas são muito mais maravilhosas, embora não menos autênticas“.
E vamos combinar: Munchausen. Alexandre, Pantaleão, Laerte nunca fizeram mal a ninguém. Já do Capitão não se pode dizer a mesma coisa. No momento em que escrevo são trezentos e tantos mil mortos no Brasil